Tarcísio Zanon no desfile da Viradouro que leva o terceiro título neste ano (Renata Xavier/Divulgação)
Repórter
Publicado em 15 de fevereiro de 2024 às 19h00.
Última atualização em 15 de fevereiro de 2024 às 19h34.
“A minha carreira de carnavalesco começou na infância”, diz Tarcísio Zanon, carnavalesco da Viradouro, escola de samba carioca que ganhou o terceiro título este ano.
Nascido no interior do estado do Rio de Janeiro, em um vilarejo chamado Santa Rita da Floresta, ele viu a atividade do seu bisavô italiano ser a principal renda da cidade e a inspiração para a sua profissão. “Meu bisavô trouxe a técnica da fabricação de chapéu de palha para essa pequena cidade do Rio de Janeiro, que vivia em torno dessa produção”, diz Zanon que comenta que os chapéus eram enviados para os comércios da capital e tinham como principais clientes as escolas de samba na década de 80 e 90. “As minhas memórias de infância são as mulheres, incluindo a minha mãe, trançando palha nas portas de casa, para a produção do Carnaval carioca.”
Ainda na sua cidade natal, Zanon começou a fazer suas primeiras artes em uma escola de samba local. “Era uma escola de samba muito pequena e eu tinha uns 9 anos de idade quando comecei a fazer fantasias, alegorias e desenhos para esse universo carnavalesco. É algo que já estava na minha vida desde muito cedo.”
Os primeiros traços de Zanon surgiram em 1997, mesmo ano em que viu a Viradouro ser campeã pela primeira vez na televisão de sua sala. “Eu fiquei encantado quando eu vi aquele carro preto, enorme, desfilando. Naquele dia, com os meus desenhos, eu falei para mim mesmo que um dia eu iria fazer isso. Vejo hoje como uma profecia”.
Desde então Zanon conduziu toda a sua vida para este sonho. Saiu da sua cidade natal para estudar em uma escola técnica federal em Campos, maior cidade do interior do Rio, e lá concluiu o ensino médio, estudou design gráfico e foi para a capital com a missão de fazer carnaval. “No Rio fiz uma pós em Carnaval e Figurino e assim consegui entrar no carnaval carioca sendo estagiário do Jack Vasconcelos na Estácio de Sá”, afirma.
A entrada de Zanon na Viradouro aconteceu em 2020, após Paulo Barros, carnavalesco da Viradouro deixar a escola. “Na época fiquei surpreso com a saída do Barros, mas tive esperança da escola olhar para mim já que tinha sido campeão pela Estácio de Sá duas vezes.” E a escola olhou. No mesmo ano, junto com o ex-marido Marcus Ferreira (que agora atua na Mocidade), ajudou a escola a levar o segundo título.
Desde então, Zanon colocou a Viradouro entre as primeiras colocadas do carnaval carioca, conquistando o terceiro título da escola neste ano – o qual ele dedicou ao seu pai Guilherme Zanon, que está passando por um tratamento oncológico.
“O processo de criação é indomável e muito particular”, diz Zanon que indica que seu processo criativo é baseado em muitas pesquisas sobre história e arte.
“Busco estar sempre antenado indo a museus, teatros, acompanhando a moda, para ver o que eu posso acrescentar ao meu trabalho.”
Além de conteúdo para criar, ter uma equipe engajada faz diferença no resultado e torna o processo mais fluído, segundo o carnavalesco. “Tenho uma equipe muito amadurecida, que me entende, sabe o que eu gosto e o que eu não gosto”, diz. “O resultado acontece muito por causa do meu amadurecimento junto com o esforço da minha equipe, que hoje soma 380 profissionais que eu coordeno, entre artesãos, arquitetos, design gráfico, modelista, costureira, aderecista, carpinteiro, ferreiro, entre outros.”
Por ter um horário de trabalho mais flexível, Zanon já realizou outros trabalhos além da escola, como figurista de TV, teatro e outros espetáculos. “Se é um trabalho menor, eu consigo atender, mas trabalhando na Viradouro é mais difícil, porque são vários espetáculos que produzimos para a escola durante o ano como a final da Viradouro, ensaio técnico, o Natal encantado e a volta da escola mirim.”
Para realizar desde um ensaio técnico até o desfile de carnaval, o carnavalesco afirma que é preciso ter muita inteligência emocional para lidar com a pressão do dia a dia do trabalho. “Você precisa saber o que você quer e não retroceder, e essa certeza nem sempre consegue ser ilustrada, ela só acontece na avenida”, afirma o carnavalesco que diz que um dos processos mais complicado é a hora que você precisa vender o projeto para os presidentes.
“Por mais que eu faça uma bela ilustração, ela não é a realidade. Convencer quem financia sobre enredo e demais detalhes do desfile é sempre um grande desafio, porque começa no papel.”
A arte carnavalesca tem cerca de 100 anos no Brasil e com o tempo ela está expandindo, com novos formatos e profissionais, afirma Zanon. “A história do Carnaval é muito recente, mas fato é que os profissionais antigos aprenderam a fazer os desfiles na prática. Hoje já estão aparecendo alguns cursos de formação na área. Existe agora um academicismo, onde muitos carnavalescos são oriundos de muitas faculdades, por isso, acho importante estudar para se destacar na área.”
Ter alguém para se inspirar também é importante, porque aprendemos com quem sabe, afirma Zanon, que cita o artista plástico João Trinta como o maior carnavalesco da história e tem grande admiração por Oswaldo Jardim. “A comunicação com o público desses dois grandes nomes sempre foi muito boa.”
Outro conselho do carnavalesco é nunca desistir e passar por todos os estágios. “O carnaval é um expoente cultural. Você precisa entrar dentro de um Barracão, por exemplo, para aprender. Passar por todos os estágios é importante, assim como nunca perder o foco do que quer.”
Com 37 anos, Tarcísio não imaginava já ter dois títulos pela escola carioca. “Eu imaginava que estaria no acesso ainda, é que eu cresci vendo a figura dos grandes carnavalescos e era impossível furar esse bloqueio era impossível, mas daí veio o Leandro Vieira e foi abrindo portas para essa nova geração”, diz o carnavalesco da Viradouro que afirma ter vontade de continuar fazendo arte na escola carioca no próximo ano.