Carreira

O 0800 explode no combate ao assédio moral

Empresas investem cada vez mais em canais de diálogo, como ouvidorias, para combater a enxurrada de denúncias de comportamentos inadequados no trabalho

A explosão do 0800 (Renato Guedes)

A explosão do 0800 (Renato Guedes)

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Da Redação

Publicado em 28 de novembro de 2013 às 13h25.

São Paulo - Funcionando há pouco mais de um ano, a ouvidoria da AeC, empresa mineira de informática, com 14 000 funcionários, recebe cerca de 430 reclamações e sugestões a cada mês. Uma delas, a de um funcionário da área de contact center que reclamava das condições de trabalho, se mostrou preocupante. A ouvidoria apurou que a desmotivação do empregado não vinha do trabalho, mas das frequentes humilhações que sofria de seu chefe imediato.

“A vítima estava tão fragilizada que nem conseguia identificar a origem de seu descontentamento”, segundo apurou a ouvidoria da AeC. Quando os maus-tratos do gestor foram comprovados, ele foi demitido. Do episódio, ficou a iniciativa da AeC em criar o programa de aconselhamento “Fale, estou te ouvindo!”, com o objetivo de conscientizar chefes e subordinados sobre o assédio moral e desestimular abusos.

A exemplo da AeC, cada vez mais empresas estão criando canais de diálogo, com ouvidorias e telefones 0800, para acolher denúncias de comportamento inadequados. Uma maneira de combater e de se proteger contra o aumento de casos configurados como assédio moral que vão parar na Justiça no Trabalho. Dados do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, que abrange a Grande São Paulo, revelam que as autuações para investigação de denúncias de assédio moral no trabalho chegaram a 216 no ano passado, só abaixo do número recorde registrado no ano anterior (220).

Somente o Tribunal Superior do Trabalho julgou 656 processos de assédio moral em 2010, 44% a mais do que no ano anterior. Além das denúncias, cresceu o número de acordos trabalhistas: foram alcançados 32 Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) no ano passado, o dobro de 2009. Ao assinar um TAC, a empresa se compromete a adotar providências destinadas a eliminar e prevenir atos de assédio em seu ambiente de trabalho. São fixados prazos para regularização, com acompanhamento e fiscalização. Caso a companhia não aceite firmar o TAC, o procurador pode ajuizar uma ação civil pública. No ano passado, foram ajuizadas sete ações civis de casos de assédio moral no trabalho na Grande São Paulo. 


Fala que eu te escuto

Como consequência do aumento dos processos e dos acordos trabalhistas, as empresas se veem pressionadas a investir em canais de comunicação que ajudem a resolver problemas comportamentais antes que o caso vá parar na Justiça — e o rombo financeiro seja inevitável. Entre as 150 melhores empresas para trabalhar, publicadas no Guia VOCÊ S/A-EXAME, o número de ouvidoria cresceu de 107, em 2008, para 112 no ano passado. 

Em janeiro deste ano, foi a vez dos principais bancos do país (Bradesco, Itaú, Santander, HSBC, Citi, Votorantim, Safra, BIC Banco e Caixa Econômica Federal) firmarem um acordo com os bancários para combater os casos de assédio moral. Os empregados dessas instituições passarão a ter, nos locais de trabalho e no sindicato, canais de comunicação para denunciar anonimamente os episódios de humilhação sofridos por subalternos. Um acordo necessário e inteligente, visto que os bancos são os maiores alvos de denúncias desse tipo. Bradesco e Santander, por exemplo, já foram condenados a pagar gordas indenizações por abusos morais a ex-funcionários. 

Apesar de fora do acordo, o Banco do Brasil também conta com uma ouvidoria interna para tratar do assunto. “Temos visto uma melhora considerável com as ações da ouvidoria interna de mediação de conflitos e busca da melhoria do clima organizacional”, diz José Roberto Mendes do Amaral, gerente executivo da diretoria de relações com funcionários do Banco do Brasil.

As investigação de denúncias de abusos no banco são feitas pela ouvidoria interna, que consulta as equipes locais sobre o histórico de clima organizacional e dos profissionais. Os grupos que cuidam do clima organizacional da localidade são as Equipes de Comunicação e Autodesenvolvimento (Ecoa), enquanto as gerências de gestão de pessoas se encarregam da averiguação do histórico profissional do denunciado. Quando a reclamação é procedente, o caso é levado para o comitê estadual da ética, composto por funcionários locais e pela gerência de pessoal. “O funcionário acusado pode receber sanções que vão desde a perda de comissão, advertências e até demissão”, afirma Amaral.

Nos casos mais leves, o acusado é encaminhado para treinamentos internos. Paralelamente, as gerências de pessoal realizam pesquisas periódicas de clima organizacional no local onde ocorreram as denúncias. “Às vezes, o próprio acusado percebe que precisa de ajuda”, diz Amaral. O banco não divulga o número de casos de assédio registrados, mas afirma que eles estão diminuindo a cada ano. “Em uma empresa com 110 000 colaboradores, há todo tipo de temperamento e comportamento”, diz Amaral.


Para o executivo, o discurso dos acusados de que eles precisam cobrar metas e resultados da equipe não justifica o assédio moral. “O banco não discorda das cobranças, e sim da forma como elas são feitas”, diz.  “O gestor precisa saber fazer isso com todo o respeito e sem praticar assédio moral ou qualquer desvio de conduta comportamental.”

Instrumento de apoio

Na AeC, o combate aos focos de assédio moral foi reforçado com a criação da ouvidoria e do código de ética interno a partir de outubro de 2009. Elaborado com a ajuda da ouvidoria, o código possui recomendações como responsabilidade, gentileza e respeito, essenciais a um comportamento civilizado nas organizações. As denúncias de assédio, no entanto, só ganharam força com a criação do programa “Fale, estou te ouvindo!”. O colaborador foi incentivado a procurar a ouvidoria com a garantia de sigilo e de que todas as denúncias seriam apuradas. “Somente quando o funcionário teve tranquilidade para nos procurar é que fomos detectando vestígios de assédio moral”, diz Monica Figueiró, ouvidora da AeC. “Em um ano, descobrimos três casos em que as pessoas envolvidas foram desligadas”, afirma.

Na seguradora MetLife, das sete denúncias de comportamentos inadequados recebidas em 2010, um terço se referia a assédio moral, segundo o diretor de recursos humanos da empresa,  Jair Pianucci. “São casos isolados. O funcionário entra consciente de que precisa respeitar o código de ética”, afirma. A MetLife possui quatro canais de comunicação com os empregados para receber denúncias de violações aos códigos de ética e compliance. São dois telefones 0800 e dois endereços eletrônicos tanto no Brasil como na matriz da companhia, nos Estados Unidos. Se o colaborador quiser ligar direto para a matriz norte-americana, haverá intérpretes de português do outro lado da linha.

Para o diretor da MetLife, o tema assédio moral deve fazer parte da cartilha de comprometimento ético da companhia. O código de conduta da empresa é padronizado nos 60 países em que atua, mas tem conteúdo local próprio, que se sujeita às leis locais. Há capítulos que tratam dos assédios moral e sexual e de toda ordem, e anualmente os 700 colaboradores brasileiros devem dar ciência do conteúdo do código. “Onde há um processo sério para tratar do assunto, o volume de incidência é baixo, e vice-versa”, diz Pianucci. 

O combate ao assédio moral depende de uma ação firme da cúpula da companhia. Para a médica do trabalho Margarida Barreto, coordenadora nacional da Rede Nacional de Combate à Violência Moral do Trabalho (Redecom-VMT), o compromisso com o relacionamento profissional sadio deve partir da alta administração. “É preciso deixar claro para todos os trabalhadores, do alto da hierarquia ao chão de fábrica, que não se tolera o uso da força para práticas autoritárias no ambiente de trabalho. 

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