Carreira

Tudo o que você sabe sobre sucesso pode estar errado

David Cohen analisa livro sobre autoajuda e como o gênero evoluiu nas últimas décadas

Livro: Barker é um prolífico escritor de auto-ajuda, no estilo mais moderno que o gênero adquiriu (./Thinkstock)

Livro: Barker é um prolífico escritor de auto-ajuda, no estilo mais moderno que o gênero adquiriu (./Thinkstock)

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Da Redação

Publicado em 15 de julho de 2017 às 09h31.

Última atualização em 17 de julho de 2017 às 14h41.

Para saber se vale a pena mergulhar nas recomendações do escritor Eric Barker, um ex-roteirista de Hollywood que se tornou blogueiro de sucesso, assinale, na lista abaixo, os tópicos com os quais você tem alguma familiaridade:

· Adam Grant e a divisão do mundo entre “doadores” e “tomadores”;

· Malcolm Gladwell, os “fora da curva” e as pesquisas sobre 10.000 horas de trabalho;

· Robert Axelrod e o software “toma lá, dá cá”, a melhor estratégia para ter sucesso em negociações;

· Robert Cialdini e a arte da persuasão;

· Dan Ariely e pesquisas sobre comportamento ético;

· Martin Seligman e a “psicologia positiva”;

· Tyler Cowen e o poder (e a maldição) das histórias;

· O teste do marshmallow, que acompanhou crianças durante anos após separá-las entre as que conseguiam esperar para comer o doce mais tarde e as que não resistiam à tentação;

· Mihály Csikszentmihályi e o estado de “flow”, ou imersão total em alguma experiência;

· Peter Sims e o caminho das pequenas vitórias;

· Susan Cain e a força dos introvertidos;

· Herbert Simon, a teoria da racionalidade limitada e suas implicações na tomada de decisões;

· Angela Duckworth e a importância da perseverança (grit, ou garra).

A lista é uma amostra razoável do material que compõe o livro Barking Up the Wrong Tree: The Surprising Science Behind Why Everything You Know About Success Is (Mostly) Wrong (“Latindo para a árvore errada: a surpreendente ciência que explica por que tudo o que você sabe sobre sucesso está – em geral – errado”, numa tradução livre).

Se você assinalou menos de 10% dos itens acima, o livro pode estar um pouco acima do seu nível de disposição para aceitar soluções prontas para a sua vida como um todo e o seu trabalho em particular. Nesse caso, o mais recomendável seria começar por algo mais básico, ler um ou dois livros mais focados – como os de Gladwell, Susan Cain ou Peter Sims.

Se você está familiarizado com mais de 60% da lista, é provável que seja um consumidor contumaz de livros de autoajuda. Neste caso, o livro tem pouco a oferecer. Embora possa contribuir com mais algumas histórias saborosas e pesquisas acadêmicas, você provavelmente já está ciente da maioria de suas conclusões sobre como levar a vida nesses nossos dias.

Se o leitor assinalou algo entre 10% e 60% da lista, você é alguém que se interessa pelo assunto e para quem o livro trará uma boa dose de novidades. Mas deveria se precaver com algumas ressalvas.

Eric Barker é o autor do blog Barking Up the Wrong Tree, de onde vem o título e o espírito do livro. Criado em 2009, o blog tem hoje mais de 300.000 seguidores, com a receita de formular receitas sobre assuntos variados, em geral sugestões para a vida prática.

Em síntese, Barker é um prolífico escritor de auto-ajuda, no estilo mais moderno que o gênero adquiriu. De meados do século 19 até a época da Grande Depressão, esses títulos eram raros e apresentavam-se como guias para atingir algum objetivo. Seus autores não tinham a estatura dos pensadores clássicos que devotaram esforços a recomendar modos de vida (como Montaigne ou Epicuro), mas baseavam suas ideias em sua própria experiência.

O maior exemplo dessa era foi Dale Carnegie. Seu livro, Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, tornou-se um best-seller tão avassalador (vende bem desde a década de 1930) que, bem, até hoje influencia pessoas… especialmente os autores de autoajuda.

Mas isso fez a concorrência aumentar e, com a concorrência, veio a necessidade de diferenciação. A credibilidade tornou-se um fator imprescindível para as vendas. E então os autores começaram a lançar mão de uma ferramenta valiosa: a ciência. Ou, pelo menos, as pesquisas acadêmicas.

Um dos mais bem-sucedidos autores modernos é o jornalista Malcolm Gladwell, com uma combinação poderosa de histórias interessantes e pesquisas, sobretudo nos campos da psicologia e da neurociência. Seu estilo fez escola, e Barker é um dos mais recentes autores testando até que ponto é possível esticar essa fórmula.

Tomem-se, por exemplo, alguns de seus mais recentes textos no blog: “Eis como tirar férias ótimas: 6 segredos apoiados pela ciência”; “É assim que se mantém uma fantástica relação: 7 segredos baseados em pesquisas”; “Eis como ser produtivo: 4 segredos dos estoicos”; “Eis o modo de ser mais autoconsciente: 5 segredos baseados em pesquisas”. Deu para ter uma ideia, certo? Não importa se os segredos não forem assim tão secretos, o material é tão atraente que não é de espantar que Barker faça contribuições frequentes para a revista Wired, o site Business Insider e a revista Time.

O livro é uma destilação desse volumoso material. Sua intenção declarada é esclarecer uma suposta confusão de conselhos antagônicos – com base em pesquisas científicas, é claro – em seis áreas: Vale a pena seguir as regras ou é melhor rompê-las? Vale a pena ser bonzinho, ou os agressivos têm mais sucesso? É melhor desistir ou perseverar? Importa mais o que você conhece, ou quem você conhece? Autoconfiança ajuda ou atrapalha? E, finalmente, você deve mergulhar no trabalho ou almejar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal?

Uma ciência não muito científica

O problema das pesquisas científicas é que muitas vezes elas não passam de uma forma elaborada de fazer o que os primeiros autores de autoajuda faziam de forma desvelada: dizer o que você pensa.

A questão não é tanto que a ciência evolui, e as conclusões de hoje são destruídas por novas evidências. Isso é a boa luta dos argumentos. A questão é que boa parte das pesquisas em ciências humanas é pouca coisa mais que uma moldura para obviedades.

Uma porcentagem alta dos experimentos não é reprodutível, do mesmo modo como jogar dois objetos do alto de uma torre para verificar se ambos caem com a mesma velocidade é. Quando são reproduzidos, o que raramente é o caso, a maioria não entrega os mesmos resultados. Por isso, acreditar nas conclusões das pesquisas acadêmicas, especialmente as humanas, é mais uma questão de fé do que de curvar-se à força do empirismo.

Um exemplo: as pesquisas de Angela Duckworth que embasam sua tese de que a garra é o fator que melhor permite prever o sucesso foram revisadas por um psicólogo da Universidade de Iowa, Marcus Credé. Sua conclusão: “o incremento de probabilidade de permanência na exigente escola militar americana de West Point, para quem tem nível acima da média em garra, está mais próximo dos 3% do que dos 99%, como ela havia divulgado”.

Poucos se dão ao trabalho de checar essas coisas, porque as conclusões fazem tanto sentido… Porém, elas fazem tanto sentido justamente porque são uma nova forma de expor algo que já tem raízes bem estabelecidas. Neste caso, a noção de que o sucesso requer trabalho duro.

Isso não quer dizer, no entanto, que todas as pesquisas sejam inúteis. Ao contrário. Em se tratando de ciências humanas, as premissas em geral determinam as consequências. Quer dizer, se você acredita que ama uma pessoa, então a ama.

Especialmente quando acopladas a histórias inspiradoras, as teses adquirem uma tal força de argumentação que acabam por determinar a realidade. Tornam-se profecias autorrealizadas.

Na sociedade em geral, e no mundo do trabalho em particular, vivemos hoje uma batalha de ideias sobre o modo certo de levar a vida. E o campo da autoajuda é uma das pontas de lança dessa guerra pela mente das pessoas – que em seu conjunto determina o modo como vivemos.

Por isso esforços como o de Barker são não apenas divertidos. São uma tentativa de alcançar o consenso sobre como devemos agir. São especialmente importantes numa era em que as regras tradicionais (da religião, dos costumes tradicionais, da autoridade paterna, até do poder do Estado) estão em constante questionamento.

Para ler com alguns grãos de sal

Feita esta defesa da autoajuda, é preciso fazer uma grande ressalva. Esses livros não podem ser tomados como expressão da verdade.

Em um dos capítulos, por exemplo, Barker apresenta a história de Viktor Frankl, que sobreviveu a um campo de extermínio nazista e posteriormente desenvolveu suas teses de uma psicologia da escolha – com base em propósito de vida e em escolher uma narrativa para a própria vida que lhe dê forças para seguir, em vez de ficar tentando resolver traumas do passado.

“Assim como Frankl viu em Auschwitz, as histórias determinaram quem ia resistir e quem iria se jogar na cerca eletrificada”, para se matar por não aguentar os horrores do campo. Alto lá. Apresentada deste modo, a história de Frankl dá a impressão de que o otimismo e o propósito determinavam quem ia viver e quem ia morrer.

Não é bem assim. Ou melhor, não é nada assim. Frankl tinha um propósito, era aguerrido, sua obra é fantástica, mas, como ele próprio diz em seu livro (Em Busca de Sentido), teve a sorte de ser identificado como médico e ter recebido tratamento um pouco melhor nos campos de concentração e de extermínio por que passou. Isso, provavelmente, fez muito mais diferença do que sua atitude otimista. Talvez até tenha contribuído para que ele conseguisse manter sua atitude otimista.

Outro cuidado a se ter com as histórias inspiradoras é o reducionismo. Como o próprio Barker afirma, citando Tyler Cowen, as histórias são um filtro, uma forma de impor ordem a um mundo frequentemente caótico. Sua principal qualidade é remover informações, tornar as lembranças menos acuradas, não mais. Só assim é possível extrair algum sentido.

Mas há que haver limites. Reduzir o clássico Don Quixote a uma história cuja moral é “se você quer ser um cavaleiro, aja como um cavaleiro”, como faz Barker, um pouco despropositado.

E há, também, o risco da pura e simples invenção. É possível que o renascentista Michelangelo tenha dito que “se as pessoas soubessem quanto duro eu dei para atingir a maestria, ela não pareceria tão fantástica assim”. Mas essa frase passou a ser atribuída a ele apenas no século 20, quase 400 anos depois de ele ter morrido, sem citação de fontes.

Consumido com esses grãos de sal, o livro de Barker é divertido, ilustrativo, original.

Seus exemplos incluem ciclistas obstinados, pessoas que têm uma síndrome que as faz não sentir dor, assassinos em série, piratas (curiosamente, um exemplo de ordem e democracia), monges Shaolin, o lutador que derrotou os Gracie no MMA, o louco que se achava imperador dos Estados Unidos, campeões de xadrez, Genghis Khan e um homem que viajou o mundo para agradecer as várias pessoas que lhe marcaram a vida.

Quanto às respostas que ele propõe para as suas seis perguntas, em geral elas estão na linha do “um pouco disso, um pouco daquilo”. Soa como uma solução, mas terá pouco efeito prático.

Perseverar, por exemplo, é o segredo do sucesso. A não ser quando é melhor desistir. O certo é ter garra para o que é essencial, desistir de tudo o que não é o seu foco. É provável que você já tivesse chegado a essa conclusão por si próprio. A questão, é claro, é definir o que é o seu foco – e perceber quando é a hora de mudá-lo, se as coisas não estiverem dando certo.

Barking Up the Wrong Tree: The Surprising Science Behind Why Everything You Know About Success Is (Mostly) Wrong (“Latindo para a árvore errada: a surpreendente ciência que explica por que tudo o que você sabe sobre sucesso está – em geral – errado”, numa tradução livre).

Editora: HarperCollins. Autor: Eric Backer. 320 páginas

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