Exibição de filme de Charlie Chaplin: a maneira caricata do mestre do humor deve ser seguida na hora de bancar o engraçado nas apresentações (Creative Commons/Flickr/Omaniblog)
Talita Abrantes
Publicado em 30 de julho de 2011 às 08h45.
São Paulo - Quer se dar bem em uma apresentação no trabalho? Fique atento às comédias de stand up. Essas apresentações trazem uma valiosa lição para quem, rotineiramente, precisa encarar uma plateia no ambiente corporativo: o humor é uma excelente estratégia para cativar o público – mesmo em períodos de duradouros “monólogos”.
“Nosso pensamento trabalha em uma velocidade quatro vezes mais rápida do que as palavras”, afirma Reinaldo Polito, especialista em oratória e professor da Universidade de São Paulo. “Em média, uma pessoa perde o foco da atenção a cada seis minutos”.
Nesse intervalo de tempo, você precisa trazê-lo de volta à realidade da palestra. É aí que o humor pode entrar em cena. Evidentemente que, se a apresentação tiver uma hora, você não irá contar 10 piadas apenas para seguir o ritmo da desatenção da plateia.
Na medida certa, o bom humor pode liberar a resistência dos ouvintes e torná-los mais receptivos aos seus argumentos. Além disso, em alguns contextos, como em uma reunião com a diretoria da empresa, ao se materializar em observações sutis e levemente irônicas a presença de espírito pode ser uma demonstração da sua própria inteligência e um elogio à inteligência da plateia, segudo o especialista.
Mas essa estratégia requer limites também. Confira as dicas de Reinaldo Polito para usar o bom humor na medida certa durante as apresentações no trabalho:
1. Não aposte tudo no início
Sob a justificativa de “quebrar o gelo”, há quem logo nos primeiros segundos da apresentação esboce alguma piada clássica. Se você é adepto dessa prática, sinal vermelho. Essa estratégia pode levar a um cenário de auto sabotagem perversa.
No início da apresentação, os níveis de adrenalina tendem a estar mais altos e a insegurança ficar latente. Por conta disso, se a reação da plateia à brincadeira for frustrante logo de cara, todas as suas estratégias para cativá-la podem ficar comprometidas.
“Se a piada não tiver graça, você ficará desestabilizado”, diz Polito. Prefira deixar as piadas mais clássicas para o meio da apresentação, quando sua segurança já estiver consolidada.
2. Use o contexto
Por conta desse fator, o especialista aconselha que o ideal é deixar as piadas prontas de lado e recorrer a fatos engraçados do contexto da apresentação.
Recentemente, Polito aproveitou um fato anterior à palestra para pincelar com bom humor sua apresentação. “Contei para a plateia que minha esposa não tinha acreditado que eu daria duas palestras naquele dia e pedi para que eles deixassem eu tirar uma foto do auditório para provar para ela”, diz.
“Eram cerca de 800 pessoas e eu pedi para que eles se ajuntassem porque todos não estavam cabendo na foto”. No segundo seguinte, todos estavam às gargalhadas.
Se as 800 pessoas presentes não tivessem rido, Polito seguiria a palestra sem culpas já que, ao contrário de piadas que miram e até exigem risadas, comentários ou brincadeiras relacionadas ao contexto da apresentação devem ser feitas sem esse tipo de obrigação.
3. Atenção para a fronteira com o vulgar
Cuidado para não se empolgar além da conta e fazer da sua apresentação uma verdadeira apresentação de stand up. Mas os exageros com os comentários engraçados não são apenas quantitativos.
“Imagine que existe uma linha separando humor e vulgaridade. Quanto mais perto dessa linha, mais humorado”, explica Polito. “Mas você também começa a se aproximar da vulgaridade”.
Dependendo das circunstâncias, afirma o especialista, isso pode colocar sua reputação em xeque. Então, desacelere. Por mais divertidas e cativantes que sejam as investidas em comentários próximos a esse limite, o ideal é manter uma distância que mantenha sua imagem profissional em segurança.
4. Leve em conta a cultura do público
Não dá também para fazer uma apresentação sem analisar, em minúcias, as características da plateia. A piada pode até fazer sucesso na mesa de bar, mas nem sempre (ou quase nunca) terá a mesma acolhida com o conselho de administração da sua empresa, por exemplo.
Mais: diferenças geográficas e culturais também pesam como termômetro para o humor. Em março deste ano, o presidente mundial do Burger King, o brasileiro Bernardo Hees, foi ‘vaiado’ pelas mulheres britânicas exatamente por escorregar neste ponto.
Em uma palestra na Universidade de Chicago (EUA), ele comentou que as britânicas não eram tão atraentes. A mídia do Reino Unido repercutiu o comentário.
Horas depois, o departamento de causas femininas do centro acadêmico da Universidade de Warwick publicou a seguinte nota: “Se ele enxerga as mulheres como uma distração em potencial na academia, como ele as vê no ambiente de trabalho?”
5. Seja claro nas expressões
Após terminar um comentário engraçado, não é necessário se justificar com a clássica frase: “Foi brincadeira” ou a variante “brincadeirinha”. De acordo com o especialista, o caminho é aguçar o teor das suas expressões corporais para deixar claro de que se trata de uma brincadeira.
“Tem que fazer uma careta, afinar a voz ou mostrar um gesto mais espetacular”, explica Polito.
A audiência precisa ter certeza de que você não está falando sério. Segundo o especialista, o ideal é intensificar isso quanto menor o nível de instrução da plateia. Aqui, o mestre do humor Charlie Chaplin e sua maneira caricata de provocar risos pode ser uma boa inspiração - mas com limites, claro.
Agora, se um oponente (daqueles que curtem puxar o tapete e colocar você em uma fria) estiver na plateia, hiperbolize essa postura. Você não pode dar brechas para que ele solte o verbo contra você apenas porque fingiu não entender que era apenas uma estratégia de presença de espírito.
6 Treine, treine e treine
“Piada tem que ser contextualizada. Ela tem que ter timing”, diz Polito. E, por isso, não cabe abrir a apresentação no trabalho sem treinar antes cada detalhe do seu discurso – inclusive os espirituosos.
O especialista explica que vale testar as piadas ou comentários engraçados com outras pessoas antes da apresentação. Se não der certo com elas (se elas não acharem graça), lime esse ponto do seu discurso.
7. Não banque o comediante
Agora, se na vida real (longe dos holofotes das apresentações corporativas) você é pouco espirituoso, não vale mudar água para o vinho apenas porque está no centro das atenções. Você precisa ser autêntico e natural durante cada segundo do seu discurso.
De acordo com o especialista, apesar de ser uma ferramenta, o humor durante as apresentações não é um mandamento. E se usado de maneira hiperbólica, pode até virar um deslize épico.
“Não é uma obrigação. Cada um tem que usar o que tem de melhor”, diz Polito.