Carreira

5 pessoas com deficiência contam o que tiveram que vencer para trabalhar

Confira o que cada um deles precisou (ou ainda precisa) vencer para conseguir ir trabalhar todos os dias

Guilherme Chedide de Lorenzo: deficiente visual estuda administração e faz estágio na área comercial (Guilherme Albuquerque/Divulgação)

Guilherme Chedide de Lorenzo: deficiente visual estuda administração e faz estágio na área comercial (Guilherme Albuquerque/Divulgação)

Camila Pati

Camila Pati

Publicado em 13 de dezembro de 2018 às 05h00.

Última atualização em 20 de janeiro de 2020 às 11h58.

São Paulo – A inclusão e a diversidade têm sido boas para os negócios de empresas de diferentes áreas. No Itaú Unibanco, o trabalho do analista Gabriel Vicalvi, que é deficiente visual, é essencial para checar a qualidade da acessibilidade dos canais do banco.

“Minha função é tornar os aplicativos, o site e o atendimento mais acessíveis a todas as pessoas, especialmente pessoas com deficiência e idosos”, diz o profissional que tem como rotina fazer testes nos canais e desenvolver novas soluções para as ferramentas de atendimento a clientes.

Na área de qualidade do Itaú, a inclusão de PCDs é fundamental para que o acesso às plataformas digitais seja fácil para clientes com essas mesmas características. “Falando especificamente sobre inclusão de pessoas com deficiência, posso dizer que ela nos ajuda a desenvolver produtos e serviços cada vez melhores”, diz Valéria Marretto, diretora de RH do Itaú Unibanco.

Os funcionários com deficiência  ajudam as empresas a compreender como podem atender a todos os clientes, o que aumenta o mercado, explica o professor da Fecap (Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado) Augusto Galery,  pesquisador da área de RH .

"Veja o exemplo dos celulares. Existem diversos apps que possibilitam o uso por pessoas surdas, cegas ou com paralisia, o que aumenta o número de consumidores atendidos. E, para compreender quais são as reais necessidades desses consumidores, a solução mais lógica é conviver com eles", diz.

A riqueza na diversidade de pensamentos melhora produtividade e potencializa a visão estratégica, na opinião de Alessandra Luz, coordenadora de gente & gestão da Tirolez. “Uma empresa inclusiva é boa para todos e estimula o desenvolvimento mútuo”, afirma Alessandra.

Os benefícios da inclusão no ambiente de trabalho também são sentidos na M. Dias Branco. Lívia Félix, profissional de RH da empresa, nota aumento na empatia dos funcionários, por exemplo. “Pessoas diferentes podem contribuir com outras percepções, apresentando novas formas de se relacionar, comunicar e solucionar problemas”, diz.

Para que esses benefícios e vantagens ocorram a empresa trazer a mentalidade de inovação em seu DNA que pressupõe que desafios são bem vindos. "Do ponto de vista acadêmico, temos diversas pesquisas que apontam os impactos da contratação de pessoas com deficiência nas empresas. A atitude coloca desafios, é verdade. No entanto, esses desafios são necessários para manter a cultura de inovação contínua nas instituições", diz o professor da Fecap.

Nos últimos dias, EXAME colheu o relato de profissionais com deficiência e o preconceito do mercado de trabalho é um dos entraves mais citados por eles. A seguir confira um pouco o que cada um deles precisou (ou ainda precisa) vencer para conseguir ir trabalhar todos os dias:

Preconceito, falta de acessibilidade e outras lutas

O primeiro desafio que o deficiente visual Gabriel Vicalvi teve de enfrentar para ter acesso ao mundo do trabalho foi conseguir se preparar para ele, já que havia dificuldade em encontrar material adaptado para estudar.

“Em outros tempos estávamos limitados a conteúdos em sistema braille, mas isso tem mudado e, ao menos na empresa em que trabalho, a maioria das ferramentas e cursos é  acessível”, diz o analista de qualidade do Itaú Unibanco.

Hoje, a questão que ele cita como mais crítica para trabalhar está no seu deslocamento pela cidade de São Paulo. “O caminho de casa para o trabalho ainda é um dos maiores desafios para as pessoas com deficiência, uma vez que boa parte das calçadas e dos modais de transporte público não proporcionam acessibilidade”, diz.

Guilherme Chedide de Lorenzo, outro deficiente visual, diz que o convívio com chefes e colegas de trabalho é um desafio e que  inclusão ainda é tema novo nas empresas.  "Todos estamos aprendendo a lidar e não sabemos como fazer diretamente. A dificuldade gira em torno disso", diz ele que é estagiário na área comercial da OrCam, empresa que produz o OrCam My Eyes, um óculos que "lê" pela pessoa.

Sua inserção no mercado surgiu a partir da participação em um projeto de acessibilidade da FECAP, centro universitário onde cursa administração, para melhor atender alunos e funcionários com necessidades especiais.

"Eu fiz e ainda faço parte da equipe, colaboro com sugestões,  produzo material em braille e checo a acessibilidade do site da faculdade. Durante o processo, na busca por parceiros, a FECAP teve contato com a OrCam. Como fui interface desse contato, acabei sendo contratado pela empresa", diz.

Já o analista jurídico da Tirolez, Leonardo Amaral Ferreira, considera que vencer preconceito no mercado de trabalho é o seu principal desafio de carreira. Ele também tem deficiência visual.

“A maior dificuldade de uma pessoa com deficiência é a falta de reconhecimento de seus valores, o receio de acreditar nesta pessoa”, diz o advogado. Conversas francas sobre suas limitações e necessidades são a maneira que ele encontra para superar obstáculos e atingir seu máximo potencial profissional.

O deficiente físico Francisco Aldenir da Silva Matos, que atua como auxiliar de produção do M. Dias Branco, também cita o preconceito como principal barreira que teve que superar para trabalhar.

“Antes de vir para cá, eu fiz seleção em outras empresas, mas eles acabavam não me contratando. Acho que eles pensavam que eu não podia fazer o serviço, mas minha deficiência não me atrapalha em muitas coisas”, diz ele que não tem quatro dedos da mão esquerda.

O analista de modelagem financeira do Itaú Unibanco, Iago Brunherotto, diz que a resistência na aceitação do diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi um dos grandes entraves para sua vida profissional.

Ele já estava no quarto ano da faculdade de Ciências de Computação e não conseguia emprego. Quando estava quase desistindo, encontrou uma empresa especializada em preparar pessoas com o TEA para o mercado de trabalho – a Specialisterne.

Com força de vontade, incentivo de familiares e apoio profissional, pode descobrir suas aptidões e superar obstáculos em termos de comunicação e interação social.Hoje é um dos responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção de sistemas do banco e usa a seu favor na carreira características como atenção aos detalhes e facilidade com cálculos.

Esses dois pontos fortes aliados à habilidade para programação fizeram com que ele conseguisse revisar um processo no branco e conseguisse aumentar a eficiência da sua área diminuindo o tempo de realização de uma operação de grande complexidade.

Iago Brunherotto: atenção aos detalhes e facilidade para cálculos são seus pontos fortes (Itaú Unibanco/Divulgação)

As dicas que eles dão para PCDs em busca de emprego

“Procure uma empresa que valorize as características de cada pessoa e dê condições para que você descubra suas aptidões, desenvolva seus talentos e cresça profissionalmente”, recomenda Vicalvi.

Não deixar de estudar, buscando constante atualização é a sua segunda dica mais importante, diz. “É condição essencial para conquistar um lugar no mercado”, diz.

Escolher uma função que seja compatível com a sua condição é o conselho de Matos. “As pessoas podem pensar que o serviço é pesado para quem tem deficiência, mas o que importa é buscar uma atividade que você esteja apto a desenvolver, na qual você possa trabalhar de acordo com a sua situação e não ficar parado”, diz ele que considera ter encontrado na M. Dias Branco, uma empresa que valoriza seu trabalho.

Lorenzo sempre sugere aos profissionais deficientes que  sejam espontâneos. "As pessoas enxergam  o cego com receio e focam a incapacidade da pessoa com deficiência. Mas, se você mostrar que é capaz, se posicionar, ensinar aos colegas de trabalho a lidar com suas limitações será visto de outra forma", garante o jovem estagiário.

Na opinião de Ferreira, é preciso confiar no seu taco. “Acredito que alguém, seja pessoa com deficiência ou não, que tenha segurança naquilo que faz tem reais possibilidades de competir em par de igualdade com qualquer pessoa”, diz.

A dica da equipe da consultoria Specialisterne, que auxiliou Brunherotto na preparação para o mercado de trabalho, segue a linha de Matos e Ferreira: descobrir talentos e encontrar a vaga adequada para eles.

Francisco Aldenir da Silva Matos: auxiliar de produção da M. Dias Branco cita o preconceito como principal barreira (foto)

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