Atletas movimentam e mobilizam toda uma rede de pessoas. (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
Bússola
Publicado em 22 de agosto de 2021 às 12h00.
Última atualização em 25 de agosto de 2021 às 13h36.
Por Mia Lopes*
Era uma noite de sábado, sétima edição do Boxing For You. A principal luta da noite era entre a pugilista Adriana Araújo, medalha de bronze das olimpíadas em Londres, contra a argentina Claudia Lopes.
Eu estava lá. Emocionada, animada e empolgada para fazer a cobertura para as minhas redes quando o Afro Esporte ainda era um quadro nos stories. Após a vitória de Adriana por decisão unânime tive a oportunidade de fazer uma exclusiva com a medalhista olímpica. De cara perguntei para Adriana se alguma grande marca a patrocinava e, para minha surpresa, Adriana deu risada e respondeu que estava aberta a propostas, ou seja, um singelo e bem-humorado não.
Qual motivo para uma medalhista olímpica não ter um grande patrocinador? O pior é que essa não é uma realidade vivida apenas por ela. Brasil afora, atletas constroem trajetórias incríveis sustentadas por rifas, vaquinhas, apoiadores locais e muito trabalho dobrado.
Dos 309 atletas que representaram o Brasil, 42% dos competidores não tinham nenhum patrocínio. A meritocracia está passando longe dos atletas, especialmente quando eles são negros, mulheres ou LGBTQIA+.
No Brasil, projetos sociais são a principal porta de entrada para o esporte de muitos jovens da periferia. É o caso de Rebeca Andrade, Isaquias Queiroz, Ana Marcela, Beatriz Ferreira, Abner Texeira, Hebert Conceição e Alison dos Santos, todos tiveram seu primeiro contato com o esporte através de projeto social.
A cada ano, próximo das olimpíadas, surgem os debates sobre o tão sonhado Top 10. Olhar a realidade dura em que vivem os nossos atletas e querer que o Brasil ocupe esse lugar sem investimento à altura beira a positividade tóxica. O atleta brasileiro pode montar uma fábrica de limonada.
E por que investir no esporte e no atleta?
Durante a cobertura das Olímpiadas que fiz para o Afro Esporte, acompanhei algumas histórias e pude ver de perto a beleza dos impactos positivos de uma Olimpíada mais diversa. Como no caso de Gabriela Souza, mulher e negra, ela é a primeira skatista street da Bahia e viu a sua vida dar uma sacudida muito antes do fenômeno Fadinha Rayssa. Antes ela dividia sua vida entre a carreira de arquiteta como principal fonte de renda e o skate como sua maior paixão.
Com a inclusão do skate como modalidade olímpica, a arquitetura ficou em segundo plano e Gabriela, que também é integrante da Federação Baiana de Skate respondendo pela pasta da categoria feminina, passou a responder também pela pasta de vistoria de pistas de skate de Salvador. Com isso, ela começou a participar das vistorias das pistas de skate da cidade para estabelecer os níveis de precariedade existentes entre elas, com o objetivo de propor a construção de novas pistas com qualidade. Esse é apenas um exemplo de como é importante humanizar o olhar sobre a importância do papel do atleta na sociedade.
Tóquio 2020 foi a primeira Olimpíada com presença massiva das redes sociais, o esporte furou a bolha dos atletas e ficou mais perto. Daqui para frente, vamos ver os atletas dominando novos espaços, especialmente através das redes sociais. A prova disso é a forma como o TikTok vem investindo em e-Sports e esportes, firmando parcerias para ter direitos de transmissão das competições. Assim como o Kwai, que foi a primeira rede social da história a patrocinar a Copa América de futebol.
Mas e no off-line? É preciso incluir o atleta na sociedade, nas escolas, nas universidades e em programas de TV. A presença de Daiane dos Santos, por exemplo, foi um show à parte. Ela agregou uma leveza que dialoga com esse novo momento do esporte humanizado, (menos no pain no gain) e deixou a transmissão com a cara do Brasil.
Já no mercado corporativo, as empresas podem incorporar o esportista como um aliado através de palestras, treinamentos, na comunicação ou até na cocriação de produtos. Se ainda não consegue visualizar como isso é possível, basta lembrar da arquiteta skatista. A paixão do atleta é um ingrediente potente que faz toda diferença em qualquer projeto.
O atleta nunca está só, ele movimenta e mobiliza toda uma rede de pessoas. Investir em um atleta é investir em uma comunidade. Quem viu a vitória de Hebert Conceição pode sentir que junto com ele estava o Olodum, estava a força de Madiba, estava o axé da Bahia, só não estavam as marcas que perderam a oportunidade de celebrar o ouro com toda essa potência.
O que faz uma medalhista olímpica não ter um grande patrocinador é o sutil desejo de conter a ascensão da periferia, mas com as Olimpíadas de Tóquio está dado o recado: com ou sem patrocínio ninguém vai conter o baile de favela.
*Mia Lopes é jornalista, fundadora do Afro Esporte um laboratório de conteúdo sobre atletas negros, creator e empreendedora apaixonada por esporte e vida saudável.
**Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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