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Violência econômica na política: partidos, dinheiro e mulheres

Mulheres que são convidadas por partidos para se candidatarem a algum cargo sofrem com uma pressão que ninguém está preparado para lidar

Lei garante que 30% do fundo eleitoral vá para campanhas de mulheres (We Are/Getty Images)

Lei garante que 30% do fundo eleitoral vá para campanhas de mulheres (We Are/Getty Images)

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Publicado em 20 de abril de 2023 às 16h00.

Última atualização em 20 de abril de 2023 às 16h11.

Se você fosse uma liderança na sua área e alguém te propusesse que você parasse de trabalhar por meses, para se expor e se dedicar exaustivamente a um projeto para o qual você não foi preparada para tocar, mas que te daria a chance de se tornar um representante importante no país, você iria?

E se te falassem que, nesse processo, você estaria competindo com pessoas mais experientes e bem relacionadas e, caso você não ganhasse delas, sairia com uma mão na frente e outra atrás, a resposta seria a mesma?

Ainda, se você soubesse que, para dar certo, você precisaria de um bom aporte de dinheiro para contratar pessoas, desenvolver material publicitário, viajar, promover e atender a eventos. Seus adversários, você sabe, poderiam contar com um bom financiamento de quem te fez essa proposta, mas você só descobriria quanto de recursos iria para você no momento em que grande parte de seus gastos já estivesse em andamento, podendo te deixar com essa dívida pessoal para cobrir. Ainda assim, você iria?

É isso que acontece com a maioria das mulheres que é convidada pelos partidos a se candidatar. Poucos sabem, mas não há no Brasil uma regra sobre como a verba recebida pelos partidos para campanhas eleitorais deve ser distribuída entre seus candidatos e candidatas. O que a lei fala é que 30% do fundo eleitoral (Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC) deve ir para campanhas de candidatas mulheres. O montante que cada partido vai receber também é estabelecido proporcionalmente ao número de votos recebidos na eleição anterior na Câmara e no Senado. Por causa da Emenda à Constituição nº 111/2019, os votos dados a concorrentes negros ou a candidatas serão contados em dobro até 2030.

Como essas regras funcionam, na prática, é semelhante ao cenário contado lá no início. Perto da data limite de registro de candidaturas para as eleições, os partidos têm de ir atrás de lideranças femininas de fora de seus quadros, pois muitos não fazem o trabalho de formar e preparar mulheres dentro de suas estruturas para se candidatar. Isso porque a lei estabelece também que 30% dos candidatos de cada partido devem ser mulheres.

Para cumprir a cota, começa a correria atrás de possíveis interessadas. Durante as negociações, geralmente um representante do partido e a candidata acordam um valor que ela irá receber para colocar de pé a campanha que terá pela frente. Caso aceite, ela vai registrar sua candidatura em meados de agosto, mas, antes disso, para ter chances de vencer, muito trabalho já deve ter sido feito e uma equipe de campanha deve estar trabalhando. Toda a estrutura é montada baseada no valor acordado verbalmente com o partido.

Nas últimas eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou uma resolução obrigando os partidos a repassarem os recursos para mulheres e negros até o 13 de setembro, 19 dias antes da votação. Apenas nesse momento, muitas candidatas descobriram que o valor que receberiam seria muito menor que o acordado no momento do convite para a candidatura. Nesse momento, elas encontram-se endividadas, ou então, cortam gastos de forma consciente, sabendo que isso vai diminuir muito as chances de serem eleitas.

Vale lembrar que as verbas do Fundo não são uma doação do Tesouro Nacional aos partidos ou às candidatas e candidatos. Os valores devem ser empregados exclusivamente no financiamento das campanhas eleitorais, e as legendas devem prestar contas do uso dessas quantias à Justiça Eleitoral. Se houver sobras, o dinheiro volta para a conta do Tesouro Nacional.

Você deve estar pensando: pelo menos os 30% do fundo estão sendo destinados para as candidatas. Não exatamente. No mês passado, foi apresentada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/23, que proíbe a aplicação de sanções aos partidos políticos por descumprimento da cota mínima de recursos para as candidaturas femininas até as eleições de 2022 ou pelas prestações de contas anteriores. Caso aprovada, essa não seria a primeira vez que os partidos que não cumpriram as cotas são anistiados.

Em 2015, foi aprovada a primeira anistia, (Lei nº 13.165/2015). Em 2019, novamente os partidos que não cumpriram as cotas não foram penalizados (Lei nº 13.831/2019). Em 2022, novamente, por meio da uma Emenda Constitucional (EC) 117/2022 os partidos que descumpriram essa determinação foram anistiados, permitindo que utilizassem esses recursos nas eleições seguintes. A emenda também proibiu a Justiça Eleitoral de aplicar qualquer penalidade às legendas que não preencheram a cota de candidaturas de mulheres e negros ou que não destinaram os valores mínimos para essas pessoas em todas as eleições anteriores às de 2022.

Este texto tem o objetivo de contar aos eleitores um pouco da dinâmica de uma campanha de mulher. Porém, como demonstrado, essa não é uma dinâmica nova. Como acontece na linguística, o processo de investigação de um sujeito, que resulta na tomada de consciência sobre um objeto investigado, acompanha também a criação de um conceito na linguagem para defini-lo. Mais recentemente, toda essa dinâmica aqui narrada foi resumida no conceito “violência econômica”. Esperamos que ele não vire apenas recurso de retórica e sirva, de fato, para exigir mudança. Tomemos consciência e, depois, mudemos o que está errado.

*Fernanda Wolski é diretora de articulação política da Elas No Poder

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