Rodrigo Abreu: uma solução de conflito inovadora e vantajosa para o País
O acordo sobre a Concessão de Telefonia Fixa (STFC) da Oi junto à Anatel é um assunto que precisa de algumas pontuações para que possa ser entendido mesmo com toda a sua complexidade
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Publicado em 2 de julho de 2024 às 07h00.
Última atualização em 4 de julho de 2024 às 13h50.
Por Rodrigo Abreu
Após um processo longo, complexo, mas sempre realizado com muita transparência e observando todos os cuidados legais e formais, tivemos a satisfação de obter, de maneira unânime no Plenário do TCU, a aprovação do acordo referente à Concessão de Telefonia Fixa (STFC) da Oi junto à Anatel, TCU e Ministério das Comunicações, em processo com a participação da SECEX Consenso, órgão do TCU criado para mediar conflitos relativos a concessões públicas e disputas entre empresas privadas e a União.
Essa aprovação corrobora a nossa visão de que algumas matérias e repercussões recentes, referentes à negociação do acordo, infelizmente pecam, de maneira grave, pois trazem uma análise enviesada, incompleta e incorreta de todas as discussões, que já duram quase dois anos, sobre o referido acordo. Em uma delas o erro aparece já no título - "TCU e Governo planejam das desconto de até R$17 bilhões para a Oi", que não poderia ser mais equivocado, pois nunca esteve em discussãodesconto ou perdão de dívidas, e sim uma compensação que envolve, como toda mediação, pleitos acerca de direitos tanto de um lado quanto do outro.
Talvez o aspecto mais gritante de algumas dessas matérias seja o fato de as mesmas ignorarem solenemente, sem absolutamente NENHUMA menção, o fato de que a negociação consensual mediada pela SECEX Consenso envolve, de um lado,alguns valores históricos devidos pela Oi, relativos a multas regulatórias (absurdas e bilionárias), bem como valores que poderiam ser devidos em uma migração de regime regulatório de Concessão para Autorização, por OPÇÃO da Oi, e de outro, uma Arbitragem aberta pela Oi contra a Anatel, em montante superior a R$50 bilhões em valores atualizados, já em etapa bastante avançada, e que decorre da absoluta inação do estado na atualização regulatória e contratual ligada aos contratos de concessão de telefonia fixa, regime este sabidamente já deficitário há quase uma década, e que vem causando prejuízos incalculáveis à operação da Oi e à sua própria sobrevivência. Logo, não há que se falar, nunca, em qualquer tipo de desconto ou de perdão ou de "abrir mão de direitos". Ao contrário! A Oi, na negociação, é que potencialmente abre mão de alguns direitos, concordando com valores elevados de investimentos futuros absolutamente deficitários, para pôr fim às absurdas condições regulatórias enfrentadas hoje.
Para que se possa entender de maneira razoavelmente simples um tema muito complexo, e que decorre de ações e inações ao longo dos últimos mais de 20 anos, vale pontuar alguns fatos principais, primeiro em relação à Concessão deficitária e à Arbitragem, e depois em relação aos valores contestados pela matéria.
Em relação à Arbitragem, como é de conhecimento público, a telefonia fixa foi, na prática, integralmente substituída pela telefonia móvel, e a Concessão tornou-se deficitária há muitos e muitos anos, sem qualquer ação do poder concedente que alterasse as obrigações de cobertura do serviço e custos da concessão (o que era previsto contratualmente), fazendo com que, de maneira obrigatória, a Oi passasse a sofrer prejuízos bilionários com a manutenção de um serviços gerador de vultosos prejuízos e de baixo interesse público. Como um exemplo que ilustra essa questão, a empresa foi obrigada a manter centenas de milhares de telefones públicos em todo o país, absolutamente sem uso, ao custo de centenas de milhões de reais ao ano, apenas para cumprir uma obrigação desatualizada. A empresa decidiu, inclusive, liberar gratuitamente todas as chamadas dos "orelhões", pois a receita referente à telefonia de uso público foi literalmente a zero e ainda haviam custos elevados de distribuição de cartões indutivos que ninguém queria comprar.
Ao mesmo tempo redes enormes ociosas e geradoras de grandes prejuízos tiveram que ser mantidas mesmo sem usuários que as sustentassem, sujeitas por exemplo a furtos de cabos de cobre cuja reposição também custa até hoje centenas de milhões de reais ao ano, sob pena da aplicação de multas astronômicas pela indisponibilidade do serviço. Por essas e diversas outras razões (reajustes contratuais nos preços de telefonia fixa não autorizados mesmo que previstos contratualmente, investimentos obrigatórios para a manutenção do serviço não contabilizados como autorizados pela Anatel, como alguns exemplos), a Oi se viu obrigada a entrar com uma Arbitragem contra a União, relativa à insustentabilidade e desequilíbrio econômico financeiro da concessão, em valores bilionários, comprovados por farta documentação e auditorias, e em estágio avançado no Tribunal Arbitral aplicável.
Do outro lado da mesa, os supostos valores "a serem perdoados" incluem obrigações de cerca de R$ 8 bilhões, e que decorreram de multas abusivas e absurdas no passado, incluindo, como exemplos reais e anedóticos, multas superiores a R$ 1 milhão por eventos como "entregar um relatório de informações cadastrais em formato PDF, quando deveria ser formato PDF editável", bem como valores que poderiam ser devidos, por OPÇÃO DA OI, no caso de migração do regime de Concessão para Autorização, de maneira a compensar supostamente a posse de bens reversíveis que de outra maneira se reverteriam para a União ao fim da Concessão.
Esses valores, calculados de maneira notadamente incorreta, e que seriam questionados inclusive judicialmente pela empresa caso necessário, incluíram cálculos desprovidos de sentido, como por exemplo considerar terrenos vazios desde a privatização como ativos indispensáveis à prestação do serviço, bem como ignoraram completamente a modernização tecnológica que fez com que, por exemplo, apenas uma parcela pequena de ativos imobiliários seja utilizada hoje, contabilizando prédios inteiros como ativos regulatórios, quando na verdade deveriam ser consideradas frações de andares, em consonância com a revisão da Lei Geral de Telecomunicações, tal como aplicada pela Anatel quando de sua aprovação. Esses valores relativos à migração de regime NÃO seriam devidos pela Oi caso ela não optasse pela migração. No entanto, como parte do acordo negociado, se convencionou que a solução de maior vantajosidade para a União, para a sociedade e para a Companhia, seria que isso acontecesse, e então dados atualizados da própria Agência sobre o valor dos bens efetivamente aplicáveis foram utilizados, em números substancialmente inferiores aos divulgados na matéria ou calculados já há mais de 5 anos por metodologia defasada e superada.
Ainda sobre o tema dos bens reversíveis, a Justiça Federal do DF inclusive extinguiu, na data de publicação da própria matéria, uma Ação Civil Pública movida por algumas associações, que questionava aspectos ligados ao tratamento funcionalista dos bens reversíveis dado pela Lei Geral na adaptação das concessões do STFC, e pleiteava a suspensão do acordo mediado no TCU. A decisão da Corte foi expressa ao reconhecer a constitucionalidade e legalidade dos dispositivos que embasam a discussão dos bens no acordo prestes a ser votado, bem como reconheceu a pertinência de que o acordo seja realizado no âmbito da SECEX Consenso / TCU como solução prioritária para conflitos, dado que existe regulamentação específica para tal dentro da Administração Pública.
Em resumo, a negociação extensa conduzida pela SECEX Consenso, com a participação de todos os atores envolvidos, chegou a uma solução que apresenta clara vantajosidade para a União e para a sociedade, com compromissos de manutenção dos serviços públicos onde necessários, novos investimentos, quitação das multas passadas em sua integralidade (e de forma aderente à legislação em vigor sobre a transação de créditos públicos), evitando ainda que a União tenha que assumir um serviço deficitário, com custos bilionários. O custo para o interesse público caso o acordo não tivesse sido aprovado seria enorme e incluiria, além da assunção da operação reconhecidamente deficitária, indenizações também bilionárias que teriam que ser pagas à Oi em caso de devolução da Concessão, para que a mesma pudesse compensar os investimentos realizados até aqui e não amortizados. A própria Anatel reconheceu a dificuldade de atrair qualquer interessado para tal operação e por isso já havia previsto que, caso fosse necessária outra solução, deveria haver a utilização de recursos públicos vultosos que pudessem subsidiar os serviços no futuro (sem falar no risco operacional associado a uma transição dessa natureza, sem empresas interessadas).
A existência da SECEX Consenso representa, por si só, uma modernização louvável das disputas entre poder público e privado, de maneira legal, transparente e objetiva, envolvendo todas as partes interessadas, como seria o caso em disputas entre entes privados, mas ainda respeitando um princípio básico, que é a obtenção de acordos que apresentem clara vantajosidade para a União e para a sociedade, além de atender a condições propostas e negociadas pelas empresas participantes. Cabe destacar que a SECEX Consenso é uma iniciativa criada há algum tempo pelo TCU, diante da quantidade e variedade de conflitos a mediar, e que a mesma já atuou de maneira efetiva em um grande número de casos, envolvendo concessões de rodovias, aeroportos, portos, energia, e agora no caso da Oi (e em paralelo de outra concessionária do STFC), telefonia fixa. Felizmente, cumprido o rito de análise, discussão, apresentação de fatos e dados, negociação de alternativas e proposição de solução, o Tribunal, Anatel e Ministério entenderam pela aprovação unânime do acordo, que segue agora para os demais aspectos de sua implementação, incluindo as interações com a AGU no que concerne às quitações da transação existente (e vale lembrar que a AGU também vem conduzindo processos de solução de litígio via consenso, por meio de sua Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal - CCAF, onde se encontram outros processos relativos a concessões de telefonia fixa).
Tentar transformar esse acordo, que sempre seguiu regras claras e transparentes, em um evento de favorecimento à empresa, diante de todo o relatado, nos parece, no mínimo, um enorme desconhecimento e uma análise muito superficial de todos os elementos envolvidos.
*Rodrigo Abreu é conselheiro e ex-CEO
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