Os amigos são sempre os piores inimigos dos políticos
Na política, os inimigos são previsíveis, mas nunca se sabe o que os aliados serão capazes de fazer
Bússola
Publicado em 24 de junho de 2021 às 14h55.
Última atualização em 24 de junho de 2021 às 16h21.
Por Márcio de Freitas*
Foi o irmão o estopim da crise que levou à queda do ex-presidente Fernando Collor. Foi o leal segurança, de anos, o arquiteto do atentado contra Carlos Lacerda que levou ao suicídio de Getúlio Vargas. Foram amigos de debate econômico os pedaleiros de orçamento que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff.
Em política, cuidado redobrado com os amigos e aliados. Nunca se sabe o que serão capazes de fazer. Os inimigos são previsíveis, querem o seu mal. Já os amigos podem fazer o mal até sem querer… é por isso que alguns poderosos afastam todas pessoas próximas e preferem exercer o poder na ampla solidão dos palácios.
O presidente Jair Bolsonaro sentiu o poder destrutivo dos aliados ao assistir, nesta semana, as declarações do deputado federal Luiz Miranda (DEM-DF). Frequentador dos corredores do poder, Miranda chegou a levar ao presidente o irmão Luiz Ricardo Miranda, funcionário público de carreira, para relatar esquemas suspeitos na aquisição da vacina Covaxin, do laboratório Bharat Biotech. E o local foi a residência oficial de Bolsonaro, num final de semana. Era um aliado de portas abertas a qualquer momento, o que demonstra proximidade, certo grau de intimidade e confiança. Até agora, não se sabe de providência tomada para apurar o caso.
Miranda foi eleito na onda conversadora que trouxe muitos direitistas ao Congresso Nacional e levou Bolsonaro ao Palácio do Planalto em 2018. É um personagem controverso, afinal morava em Miami, nos Estados Unidos, e acabou eleito pelos brasilienses numa campanha de redes sociais em que destacava a diferença dos impostos brasileiros com dos EUA – bandeira que exibia em sua propaganda eleitoral. Coisa peculiar, mas sinal dos tempos. Também tem histórico de acusações na Justiça, desde ações trabalhistas a estelionato, passando por calotes.
Com os 65 mil votos obtidos, ganhou um passaporte de acesso ao poder. E o usava com desenvoltura, tanto que chegou a reivindicar a relatoria de pelo menos alguma fatia da reforma tributária – assunto complexo, com grande impacto na vida dos brasileiros e que pode ajudar, ou atrapalhar, o desenvolvimento futuro do país.
Na recente eleição para a Presidência da Câmara dos Deputados, Miranda se distanciou de Rodrigo Maia (DEM), então seu correligionário, e ajudou a insuflar os votos de Arthur Lira (Progressistas-AL). O alinhamento ao governo fez crescer sua cotação no parlamento governista.
Raramente a política se faz sem a conjunção adversativa. E Miranda a produziu num momento complicado para o governo, quando a pandemia já ceifou mais de meio milhão de vidas brasileiras. O governo perdeu essa batalha, mas se agarra em dois pilares: a economia e a honestidade do presidente. A primeira, vai bem apesar das ameaças de falta de nuvens no céu.
O pilar da honestidade, Miranda acabou por albaroar. Os danos terão ainda que ser avaliados. Ele acabou por revelar que houve pressões pela aprovação da vacina Covaxin, representada pela Precisa Medicamentos, do empresário Francisco Maximiano – representante da Bharat Biotech no Brasil. Justamente um caso em que está fora da curva da agilidade do governo nas negociações para compra de imunizante, onde até se registra telefonema de Bolsonaro ao primeiro-ministro indiano Narendra Modi intercedendo pelo laboratório brasileiro.
O governo tenta reverter o jogo e acusa o acusador. Alega que não pagou nada e não houve dano ao erário. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, bateu forte e sinalizou um acerto de contas com Miranda. Revelou mais tensão do que deveria em suas falas.
Há muitas dúvidas no caso a serem esclarecidas. E o acusador tem que ser observado com todo cuidado pelo seu passado nebuloso, mas anjos em geral não frequentam ambientes onde ocorrem crimes. Se ele tiver provas irrefutáveis, ganhará pontos nesta sexta, dia 25. Caso contrário, Bolsonaro sai fortalecido.
O fato em si deu novo gás à Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, que girava em torno de depoimentos já redundantes e cansativos. Para o quê servirá essa energia que tanto falta faz às hidrelétricas brasileiras, não se sabe ainda.
É sempre bom lembrar momentos críticos onde tudo pode dar em nada. Quando estourou o escândalo do mensalão em 2005, o marqueteiro Duda Mendonça foi ao Congresso e revelou crimes de caixa 2 quando trabalhou nas campanhas do PT de Lula. A oposição refugou e Lula foi reeleito em 2006.
*Márcio de Freitasé analista político da FSB Comunicação
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