Bússola

Um conteúdo Bússola

Opinião: a IA criou uma nova era de liderança, onde autonomia e decisão vão além da gestão 

A autonomia técnica migrou para cada profissional e quem não domina o uso crítico das ferramentas se torna refém delas e compromete resultados estratégicos

A autonomia com IA traz consigo a responsabilidade de aderir às normas de governança corporativa (Getty Images)

A autonomia com IA traz consigo a responsabilidade de aderir às normas de governança corporativa (Getty Images)

Bússola
Bússola

Plataforma de conteúdo

Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 10h00.

Por Diego Nogare*

Até pouco tempo, a hierarquia corporativa definia processos de trabalho de forma rígida e top-down, mas a Inteligência Artificial Generativa rompeu a barreira que separava a liderança estratégica da execução técnica. Agora, cada desenvolvedor júnior, ou analista de dados possui um "exército" de assistentes virtuais ao seu dispor.

Essa mudança transfere a liderança operacional do gestor para o executor da tarefa, afinal, decidir se um algoritmo deve ser otimizado manualmente ou via sugestão de IA é uma escolha de liderança técnica. A competência central deixa de ser apenas a execução braçal e passa a ser a estratégia de uso da ferramenta.

Segundo o relatório MIT Technology Review Brasil em parceria com a Peers Consulting + Technology recém-divulgado, 73.5% das empresas ainda consideram ter dificuldades plenas de estarem preparadas para os projetos de IA.

Isso mostra uma dissonância entre o uso de ferramentas de IA Generativas para fins pessoais, que são mais direcionadas para tarefas de lazer e entretenimento, e o uso corporativo, com regras de privacidade, governança e ética mais duras.

O copiloto e o ceticismo necessário

A relação com a IA deve ser a de um piloto com seu copiloto. A ferramenta auxilia, sugere e agiliza, mas o comando final permanece humano. Confiar cegamente na tecnologia é um erro grave que pode comprometer projetos inteiros.

A IA Generativa é propensa a alucinações, inventando fatos ou códigos que parecem plausíveis, mas são incorretos. O profissional deve atuar como um curador implacável, validando cada linha de código ou parágrafo gerado. Essa postura cética é, em essência, uma característica de liderança e responsabilidade.

Desta forma, a revisão técnica torna-se mais importante do que a criação inicial. O profissional precisa ter o conhecimento fundamental sólido para identificar erros sutis que a IA possa cometer. Sem essa base, o copiloto assume o controle, o que representa um potencial risco para a qualidade do produto final.

Escolher a ferramenta certa é decisão estratégica

A liderança individual manifesta-se claramente na seleção da ferramenta adequada para cada contexto específico. O mercado oferece soluções distintas para gerar código, criar imagens, resumir textos ou analisar documentos extensos. Saber qual utilizar é uma decisão de negócio que impacta a eficiência.

Utilizar um modelo de linguagem genérico para refatorar um código crítico de segurança pode ser inadequado, por exemplo. Ferramentas especializadas em desenvolvimento seguro seriam a escolha de um líder técnico consciente. A criação de ativos visuais exige plataformas específicas que respeitem os direitos autorais.

Assim como a análise de documentos sensíveis requer ferramentas que garantam a privacidade dos dados. Enviar um relatório financeiro confidencial para uma IA pública é uma falha de liderança grave. O discernimento sobre a adequação da ferramenta é uma competência diária e indispensável.

Governança não é burocracia, é sobrevivência

A autonomia traz consigo a responsabilidade de aderir às normas de governança corporativa. As empresas estabelecem políticas de uso de IA para proteger a propriedade intelectual e evitar vazamento de dados. Seguir essas regras é um ato de liderança, ética e profissionalismo.

Ignorar as diretrizes de segurança ao usar ferramentas não homologadas, conhecido como Shadow AI, coloca a organização em risco. 

O próprio relatório do MIT aponta que mesmo com apenas 40% das empresas possuindo assinaturas corporativas de modelos de linguagem, mais de 90% dos funcionários admitem usar ferramentas pessoais de IA em suas rotinas de trabalho, porém sem governança formal na maioria dos casos.

Importante: o profissional deve alinhar suas escolhas individuais às estratégias de compliance da empresa. A inovação não pode custar a segurança jurídica ou técnica da organização!

Portanto, a verdadeira liderança na era da IA envolve saber quando não usar a tecnologia. Se uma ferramenta viola uma política interna, o profissional deve buscar alternativas ou reportar a necessidade aos gestores. Essa postura proativa demonstra maturidade e alinhamento com os objetivos macro do negócio.

O novo perfil sênior do mercado

A descentralização da liderança operacional altera profundamente o perfil esperado dos profissionais de tecnologia. Não basta mais ser um exímio codificador ou redator. É preciso ser um gestor de eficiência pessoal. 

Essa tendência valoriza o pensamento crítico acima da execução mecânica, redefinindo o que significa ser sênior no mercado.

Para as empresas, isso representa um ganho potencial de produtividade, mas também um aumento na superfície de risco. A qualidade do software ou do conteúdo passa a depender diretamente da capacidade de curadoria de cada indivíduo. O gargalo da produção se desloca da criação para a revisão e validação.

Socialmente, isso empodera o trabalhador, permitindo que ele foque em tarefas de maior valor agregado e criatividade. Entretanto, cria uma barreira de entrada maior para quem não domina essas ferramentas ou não possui o senso crítico necessário. 

A lacuna entre profissionais que lideram suas IAs e aqueles que são liderados por elas aumentará significativamente.

A liderança na era da IA não elimina a necessidade de gestão corporativa, mas redefine as responsabilidades individuais. Enquanto os gestores continuam essenciais para definir a direção estratégica e os objetivos de negócio, a liderança tática migrou para as mãos de cada colaborador.

No cenário atual aprontado pelo MIT, no qual 27,7% dos 322 executivos e lideranças de tecnologia de empresas brasileiras ouvidos afirmam ainda não ter resultados mensuráveis com IA Generativa, enquanto apenas 15,2% apontam ROI positivo, conclui-se que o problema não é a falta de ferramentas, mas a falta de critério no uso delas. 

E este fato pode gerar ineficiência e riscos de segurança.

Assumir essa liderança pessoal não é opcional. É a única forma de garantir relevância e segurança na carreira moderna.

*Diego Nogare tem 25 anos de experiência na área de Dados, com foco em Inteligência Artificial e Machine Learning desde 2013 e já passou por grandes empresas como Microsoft, Deloitte, Bayer e Itaú.

 

Acompanhe tudo sobre:Inteligência artificialIA generativaLiderança

Mais de Bússola

Opinião: com recordes no Rio, turismo sustentável brasileiro está no caminho certo

Segurança de dados para PMEs não precisa ser complicada

Mobilidade global e dados confiáveis: o papel das DTCs no controle de fronteiras

Nem prompt, nem hype: o que vai legitimar as novas marcas de IA é a verdade