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Publicado em 6 de novembro de 2024 às 10h00.
Por João Carlos Mello, fundador da Thymos Energia*
A abertura total do mercado de energia no Brasil está prevista para ocorrer até 2030 pelo discurso do Governo Federal. Não somos os únicos com o processo em curso, de forma que podemos olhar para fora e aprender com erros e acertos de outras nações. Austrália, Israel, Rússia e França têm conduzido ou já realizaram reformas com esse objetivo e acumulam experiências diversas em linha com as particularidades de cada mercado.
Foi com o intuito de fomentar debates e conhecer experiências internacionais que a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) enviou representantes de empresas do país para o Paris Session 2024. O evento bianual é organizado pelo CIGRE, entidade que promove o intercâmbio de conhecimentos do setor elétrico global, incluindo novas tendências e experiências envolvendo especialistas de todo o mundo.
Na ocasião, abordamos a adoção de uma estrutura de comercialização de energia no varejo. No recorte de mercados bem estabelecidos, Austrália e França são referências. Os franceses, inclusive, realizaram a abertura total de eletricidade em 2007, quando os consumidores passaram a escolher seus fornecedores entre entes chamados “alternativos” e operadores históricos, como as mais de 160 distribuidoras locais. Essa característica permitiu que a sociedade optasse por dois tipos de produtos: de mercado, com preços fixos ou variáveis; ou tarifas reguladas, definidas pelo governo e regulador. Hoje, 43% dos consumidores já optaram por produtos de mercado.
Porém, nem tudo é um sucesso. Há discussões em andamento sobre pontos de atenção no mercado francês como preços altos, reformas regulatórias e o fim de medidas de proteção que limitavam o aumento dos preços em uma crise energética, com impactos às contas de luz. Também é preocupante a evolução da transição energética no país e a segurança do suprimento de energia, além da estabilidade dos preços.
Na Austrália, os custos da energia também chamam a atenção. A crise energética de 2022 fez com que os preços do segmento atacadista alcançassem seu máximo histórico, bem como trouxe vários desafios à operação do National Electricity Market (NEM) – um sistema integrado composto por quatro submercados. Apesar de certa melhoria das condições de mercado, a volatilidade de preços daquele período ainda afeta os varejistas (retailers), influenciados pelos valores da energia nos mercados futuro e spot.
A comercialização varejista naquele país está sob uma contínua evolução para mitigar a concentração de mercado, com a implementação desde meados de 2000 em New South Wales, Victoria, South East Queensland e South Australia. Nas regiões de Queensland e Tasmânia e na capital, a maioria dos consumidores permanecem com preços regulados e ofertas padrão, atendidos por uma empresa de propriedade do governo australiano.
Em relação a aberturas de mercado em curso, o Brasil se prepara junto com Israel e Rússia para avançar em tal processo. Depois de passar por três importantes reformas nas últimas duas décadas, os israelenses anunciaram, no início deste ano, a abertura completa do mercado, incluindo o consumidor residencial. Até então, o acesso a esse ambiente era permitido a quem tivesse medidores inteligentes de consumo de energia. A expectativa do governo local é de redução de 5% a 20% nos gastos com a fatura de eletricidade.
Os russos, por sua vez, passaram por duas grandes reformulações desde a dissolução da União Soviética. A primeira, na década de 1990, visou transformar a indústria elétrica de um sistema centralizado para uma estrutura monopolista estatal. Nos anos 2000, houve a reestruturação do monopólio verticalmente integrado, contemplando a liberalização parcial do mercado. Apesar dos avanços, o sistema russo ainda é amplamente dominado por grandes empresas controladas pelo governo, que detêm mais de 70% do mercado. Adicionalmente, o país é dividido em zonas de preços, limitando a competição e impedindo a integração plena de diferentes fontes de energia, como carvão e gás, em diversas regiões.
O Brasil pode tirar lições valiosas de práticas internacionais. A liberdade de escolha traz muitos benefícios ao consumidor, porém, a jornada da Rússia alerta que a mudança deve ser plena. O controle estatal excessivo pode trazer complicações ao mercado. As experiências também evidenciam que as questões climáticas e seus impactos na oferta de energia podem impactar a volatilidade de preço e trazer problemas para o setor. Com uma ampla matriz renovável – e intermitente – como a do Brasil é fundamental que o processo de abertura seja acompanhado de uma robusta política de segurança e com fomento à reserva de capacidade, de modo a garantir o abastecimento com soluções firmes. Assim, poderemos unir liberdade econômica com confiabilidade.
João Carlos Mello é CEO e fundador da Thymos Energia, liderando os projetos de Consultoria, P&D e Gestão.
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