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Motivações divergentes estimulam consumo global de chocolate na pandemia

Dos lares brasileiros, 83% compraram chocolate em 2020, e o produto assume papel paliativo emocional em tempos de incertezas, como o isolamento social

Entender como encantar os sentidos dos consumidores é essencial para conquistar sucesso comercial (Baibaz/Getty Images)

Entender como encantar os sentidos dos consumidores é essencial para conquistar sucesso comercial (Baibaz/Getty Images)

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Publicado em 3 de setembro de 2021 às 18h04.

Última atualização em 3 de setembro de 2021 às 19h24.

Por Pedro Pio*

De acordo com pesquisa da agência Kantar, quase 83% dos lares brasileiros compraram chocolate em 2020, 1,5% mais do que em 2019. A receita do setor também aumentou, atingindo 11 bilhões de reais, valor 2,4% superior ao do ano anterior. Segundo pesquisa da Cargill, publicada no início deste ano, aproximadamente um terço dos consumidores americanos alega ter consumido chocolate com mais frequência por causa da pandemia. Diante das severas consequências socioeconômicas decorrentes da crise sanitária global, tal aumento aparentemente soa incompreensível. Se chocolates não são produtos de primeira necessidade, por que não foram cortados da lista de compras dos consumidores durante a crise da covid-19?

Chocolate transcende a função de nutrir o corpo para assumir o papel de paliativo emocional em tempos de incerteza. A combinação de cremosidade, doçura e sabor singular faz dele uma fonte de satisfação e conforto quando ingerido. Outros fatores como superfície brilhante, notas aromáticas e snap (o som que faz a barra sendo partida) geram expectativa e antecipam o prazer.

Os momentos de indulgência relacionados às características sensoriais do chocolate foram amplamente adotados como estratégia para enfrentar as circunstâncias adversas relacionadas à crise do novo coronavírus. Sete em dez consumidores americanos alegaram comer chocolate para melhorar o humor e mais da metade deles relatou fazê-lo para enfrentar um dia difícil.

Mais tempo em casa e teletrabalho reforçaram essa tendência. Segundo pesquisa da Fiocruz, o consumo brasileiro de chocolates e doces nos primeiros meses das restrições sociais devido à pandemia cresceu 7% entre mulheres e 5% entre homens em relação ao mesmo período no ano anterior, ao passo que o consumo de alimentos saudáveis, como frutas, legumes e feijão, diminuiu ligeiramente no período.

Em geral, consumidores relataram menor autocontrole frente à escolha de alimentos mais calóricos e menos nutritivos para refeições leves. Quem não trocou uma maçã por um bombom com mais frequência nos lanches durante o home office?

Grandes marcas já consolidadas no mercado nacional se beneficiam do reconhecimento dos consumidores, que desejam a familiaridade associada aos produtos que já conhecem e confiam. Nostalgia e alusão a tempos “mais simples” ganham destaque por meio de relançamentos, em que chocolates de outrora voltam repaginados às gôndolas dos supermercados. Mesmo marcas emergentes aspirando à inovação exploram o anseio por conforto indulgente ao lançar chocolates que recriam sobremesas clássicas da doçaria brasileira, como arroz-doce, torta de limão, churros e brigadeiro.

Além do consumo emocional, outro fenômeno tem impulsionado as vendas de chocolate durante a pandemia: as medidas de isolamento social impuseram significativas restrições à mobilidade e deslocamento dos indivíduos e, desse modo, as limitações às viagens motivaram alguns consumidores a buscarem experiências sensoriais que os permitissem romper a rotina e viajar sem sair do lugar.

Segundo relatório de tendências do gigante Barry Callebaut, três quartos dos consumidores da região Ásia-Pacífico anseiam por experimentar chocolates diferentes e empolgantes, especialmente aqueles com sabores raros e exóticos. Além disso, 66% dos consumidores europeus consideram mais sofisticados e premium chocolates que narrem a história da origem dos ingredientes e de como foram feitos.

Destacam-se produtos que reflitam a autenticidade de outras culturas por meio da utilização de ingredientes inusitados em chocolates, como curry, matchá, chili e wasabi. Nesse contexto, nichos do mercado brasileiro têm motivado uma espécie de destropicalização do sabor, um movimento contrário à tendência de adaptação dos pratos estrangeiros às preferências nacionais que ganhou força no final do século passado.

A demanda por chocolates com cacau de origem também tem crescido entre consumidores mais conscientes e viajados, devido às nuances de sabor e aroma relacionadas ao terroir do cacau que incentivam experimentação e escapismo pelos sentidos.

Chocolate é um alimento extraordinário por sensibilizar indivíduos em duas necessidades humanas essencialmente contraditórias, que são o senso de conforto e pertencimento e a busca por aventura e novidade. No fim das contas, entretanto, ambas se resumem à recompensa hedônica provocada pelas suas características sensoriais.

Portanto, entender como encantar os sentidos dos consumidores é essencial para conquistar sucesso comercial. Apesar dos desafios tecnológicos envolvidos na criação de produtos de qualidade excepcional, existem oportunidades pouco exploradas de inovação no mercado brasileiro de chocolates.

*Pedro Pio, MSc, é especialista técnico em chocolates

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