ESG: É hora de falar do etarismo, preconceito osso duro de roer
Vencer a discriminação contra os mais velhos no mercado de trabalho não é tarefa fácil – e pior: nós, veteranos, não temos todo tempo do mundo...
Sócio-diretor da Loures Consultoria - Colunista Bússola
Publicado em 2 de março de 2023 às 09h55.
Última atualização em 8 de novembro de 2023 às 14h57.
Foi em novembro último. Entrei numa van com amigos do trabalho para percorrermos 320 quilômetros entre São Paulo e Penedo (RJ), onde ocorreria um evento de sócios da nossa empresa – não só ocorreria, como ocorreu e foi magistral. Na van, o motorista avisou ao fechar a porta: “Se quiserem parar, é só falar”. E meus colegas em coro: “Vamos direto”. Protestei no ato, em tom de troça: “Isso é etarismo!”.
Bem, eu era o único 50+. O único que despacha goela abaixo dois remédios para hipertensão por dia, um dos quais imiscuído com um diurético. Sabem o que aconteceu? Fomos direto. Aguentei numa boa, sem parar nenhuma vez. Muito provavelmente em razão do meu espírito jovem, que, no entanto, já nasceu velho.
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Brincadeiras à parte, olhe bem para o etarismo verdadeiro. Penso que ele é o mais resistente dos preconceitos. Não o pior, de forma nenhuma. Os homens cinquentões brancos, por exemplo, estamos longe de passar as agruras que enfrentam as mulheres ou as pessoas pretas para entrar e/ou se manter no mercado de trabalho.
Mas tenho a impressão de que do etarismo é mais difícil a gente se livrar. O preconceito está incrustrado em nós. Eu mesmo já perpetrei uma coluna aqui na Bússola cujo título era: “Velhos, rejuvenesçam rapidamente”. É mole? Em minha defesa digo que o título era uma brincadeira com o conselho que Nelson Rodrigues dava à juventude, “Jovens, envelheçam rapidamente”, e o texto, um convite aos mais experientes a renovarem as ideias e os ideais e assim ajudar os menos vividos a salvar o mundo.
Suponha que você tenha 30 anos e possua um cargo de gestor. Você se sentiria à vontade em contratar uma pessoa de 55, quase o dobro da sua idade? A gente se acostumou a associar à juventude coisas como inovação, disrupção e inquietude. Não está de todo errado, mas veja: o midas digital do Brasil tem 68 anos. Um dos publicitários mais criativos está com 64.
Uma coisa a juventude nunca, jamais, terá: experiência. Lembro de uma história que ilustra bem a importância da dita cuja na atividade em que eu cresci, o jornalismo. Em 1994, a polícia paulista e os veículos de imprensa destruíram a vida de quatro pessoas, acusando-as injustamente de abuso sexual contra crianças. Virou um caso famoso nacionalmente. O caso da Escola Base. Eu era um jovem repórter e participei disso.
Um único jornal de São Paulo, o Diário Popular, não publicou nenhuma linha sobre o episódio. Seus repórteres, lado a lado com todos os outros, estavam mergulhados em toda a apuração, durante semanas, mas nada foi parar nas rotativas. Diariamente o Diário tomava furos de reportagem com a sucessão de detalhes escabrosos que vinham à tona em velocidade de dilúvio.
Não publicar nada foi uma decisão do mandachuva do jornal, Miranda Jordão, que, não à toa, era o mais veterano dos diretores de redação em atividade na época. Tinha 62 anos. Cobrira o suicídio de Getúlio. Do alto de sua vasta experiência, ele olhou aquela história e, ao contrário de todos nós, viu que ela não parava de pé. A verdade é que você pode desenvolver inquietude, inconformismo e novas habilidades em qualquer idade, mas experiência não pode. O único jeito é esperar o tempo passar.
Contra o etarismo existe um remédio natural: o envelhecimento da população. Já aconteceu com os países mais desenvolvidos e agora está acontecendo com a gente. O diacho é que esse remédio tem um efeito colateral pior que o próprio etarismo: a estagnação econômica.
Reparem nos números do Brasil: em 1985, tínhamos 72% da força de trabalho com vínculo CLT entre 18 e 39 anos, e somente 24,3% acima dos 40 anos. Em 2021, a turma mais jovem caiu para 56% e a mais velha cresceu para 43,5%. Em números absolutos, houve um crescimento de três vezes no total de trabalhadores acima de 40 anos. Eram 5 milhões em 1985 e passaram a ser 21 milhões em 2021. A numeralha está toda nas planilhas da Rais (Relação Anual de Informações Sociais).
E como escapar da estagnação? “Precisaremos encher o funil com gente jovem, e a solução será a migração. Isso nos tornará um país mais aberto e ainda mais diverso”, afirma Antonio Napole, da consultoria de estratégia Kaiser Associates. Há mais de 20 anos Antonio estuda as ondas populacionais no mercado de trabalho. O ideal, diz ele, é combinar as duas coisas: a experiência dos veteranos e a força dos jovens.
Faz todo sentido para a formação de uma sociedade saudável. Individualmente, o desafio é maior do que simplesmente estarmos prontos para percorrer a Dutra de van sem precisar parar. O segredo é que sejamos capazes de sair da juventude, sem deixar jamais de lembrá-la com afeto. Oxalá, sem esquecer de carregá-la conosco, numa parte especial de nós. Ir saindo devagar, e sabendo bem para onde se está indo: para as idades avançadas, com toda a sua sabedoria.
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