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Dilemas da era digital: a quem pertencem os arquivos armazenados em nuvem

Os chamados bens digitais são, muitas vezes, ameaçados por falta de transparência por parte da plataforma

Todo usuário dos serviços de nuvem têm direito inquestionável à transparência quanto ao que é feito de seus bens digitais. (NTT DATA/Divulgação)
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Bússola

Publicado em 5 de fevereiro de 2022 às 12h12.

Por Danielle Biazi*

Para quem passou o ano de 2021 se questionando sobre o que eram as NFT’s, já nem parece soar como novidade a possibilidade de arquivos exclusivamente existentes no ambiente digital. Todos aqueles que usam internet hoje, se não usam com frequência, no mínimo, já ouviram falar do armazenamento em nuvem, facilidade oferecida de forma gratuita ou mediante assinatura pelas chamadas big techs.

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Neste sistema o usuário pode criar uma conta e transferir documentos, fotos, músicas, livros e quaisquer arquivos de valor pessoal ou patrimonial do desktop para uma espécie de backup virtual. As promessas são excelentes, redução no uso da memória dos dispositivos, possibilidade de acesso ao acervo de qualquer lugar e, talvez o mais importante, segurança quanto à proteção dos dados e informações armazenadas.

Por isso é que muitas pessoas hoje possuem acervos gigantescos em nuvem, construídos ao longo de décadas e, muitas vezes, como único espaço de armazenamento de tais arquivos.

Esse conjunto de informações levadas ao ambiente virtual por um usuário é o que tem se chamado de bens digitais, ou seja, o conjunto de arquivos e informações de natureza intangível pertencentes a uma pessoa natural ou jurídica, que possuam ou não valor patrimonial e que podem englobar não apenas arquivos transferidos para a nuvem, mas também contas em redes sociais, acervos em bibliotecas que incluem músicas e e-books.

Agora, imagine só uma pessoa que ao longo de 20 anos tenha acumulado toda sorte de documentos digitais para o desenvolvimento de sua profissão e também para fins pessoais. Imagine que esta pessoa tinha diversas pastas em seu desktop com fotos de sua família, amigos e momentos importantes, tenha ainda pastas com milhares de documentos profissionais, textos e planilhas essenciais para sua atividade de trabalho.

Imagine agora que essa pessoa, visando facilitar o acesso a tais arquivos, decida transferir e manter em regime de exclusividade todo o acervo para uma conta de armazenamento em nuvem e, após um longo tempo de assinatura, receba uma mensagem da empresa responsável de que a conta dela se encontra suspensa, sem qualquer justificativa a respeito das razões que levaram à suspensão.

Este cenário fictício é mais real do que se imagina. Não são poucas ações em trâmite pelos Tribunais brasileiros que tem como objeto a discussão da titularidade do patrimônio digital, pessoas que tiveram de uma hora para outra o acesso a email ou nuvens negadas de forma abrupta e injustificada, num verdadeiro exercício expropriatório por parte da big tech responsável.

É importante ressaltar que todo usuário desse tipo de serviço se submete aos termos de uso da plataforma, mas de outro lado, esses mesmos usuários confiam à plataforma o depósito e guarda um verdadeiro patrimônio digital e, por serem consumidores, têm direito inquestionável à transparência quanto ao que é feito de seus bens digitais.

O que se observa da análise de casos levados ao Poder Judiciário é que as plataformas, em violação direta ao Código de Defesa do Consumidor, Marco Civil da Internet e à recente Lei Geral de Proteção de Dados, não atuam com transparência quanto aos métodos que recaem na suspensão ou bloqueio de contas, negam o direito de defesa do usuário e sequer indicam os arquivos eventualmente problemáticos.

Parece urgente pensar num espaço concreto e eficaz de defesa do usuário, uma vez que os arquivos contidos em nuvem constituem seu patrimônio e, ainda que haja eventual violação à política e termos de uso da empresa, essa não autoriza uma espécie de sequestro privado de todo o acervo digital do titular dos bens.

Não podemos esquecer que a maioria absoluta das decisões de suspensão e bloqueio de contas de armazenamento em nuvem, ou de redes sociais, por exemplo, são automatizadas, isto é, tomadas por robôs e, por sua vez, também sujeitas a equívocos.

Ao consumidor que se identifica com tal cenário, é preciso adotar cautelas o quanto antes, a fim de não se ver prejudicado com o perdimento integral da conta, isso porque, muito embora os Tribunais tenham muitas decisões determinando a restauração e restituição dos arquivos em nuvem, é preciso destacar que tais decisões, não raras vezes, não são cumpridas pelas empresas sob a alegação de impossibilidade técnica e, por isso, resolvem-se em perdas e danos, ou seja, arquivos de décadas são engolidos pelas big techs, que ao final tem se contentado ao pagamento de indenizações, muitas vezes ínfimas quando equiparadas ao prejuízo pessoal e profissional do usuário.

*Danielle Biazi é advogada, doutora em Direito pela PUCSP, professora em cursos de pós-graduação e autora do livro “Propriedade – Reconstruções na Era do Acesso e do Compartilhamento”

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