Brasileiros são os que mais acreditam em fake news no mundo, aponta levantamento (Ponomariova_Maria/Getty Images)
Bússola
Publicado em 2 de novembro de 2021 às 09h00.
Por Juliana Barros*
Não é de hoje que se fala sobre notícias falsas, que se popularizou como fake news, mas desde as eleições de 2018 elas vêm tomando as manchetes do Brasil com mais frequência. Mas quando surgiram? Existem relatos em toda a história da humanidade sobre mentiras que são divulgadas como verdades, mas essa disseminação de boatos e desinformações, no meio virtual ou até mesmo em alguns meios de comunicação tradicionais, ganha cada vez mais força no cenário político atual. Principalmente quando se trata de ataques às mulheres em campanhas eleitorais e mandatos, o que afeta diretamente a democracia e a defasagem de representatividade.
Um levantamento da organização não governamental Avaaz mostrou que os brasileiros são os que mais acreditam em fake news no mundo. Sete em cada dez se informam pelas redes sociais e 62% já acreditaram em alguma notícia falsa.
Não podemos esquecer que as fake news permeiam a violência política de gênero e houve uma maior difusão desses conteúdos falaciosos nos últimos anos, contando com a influência direta das chamadas milícias digitais — que são grupos organizados para difusão criminosa de informações falsas.
Com o crescente debate sobre o impacto das fake news em nossas vidas, torna-se também necessária a discussão sobre como essas práticas atingem as mulheres. Segundo levantamento da ONG Plan International, 87% das meninas e jovens mulheres sofrem efeitos negativos de fake news.
Mas como mudar essa realidade sem mexer nas estruturas patriarcais?
A resposta é: não existe essa possibilidade. A violência contra as mulheres na política é um reflexo da violência que existe hoje na sociedade contra todas as mulheres. Um estudo da ONU Mulheres mostra que 82% das mulheres em espaços políticos já sofreram violência psicológica, 45% já sofreram ameaças; 25 % sofreram violência física no espaço parlamentar; 20%, assédio sexual; e 40% das mulheres afirmaram que a violência atrapalhou sua agenda legislativa.
Entre janeiro de 2016 e setembro de 2020 foram registrados 327 casos de violência política de gênero — lembrando que são apenas os registrados, muitas, infelizmente ainda são caladas, fazendo com que tenham muitos casos subnotificados.
A misoginia — ódio ou aversão às mulheres — é um componente indissociável das fake news, que é um dos caminhos para impedir que as mulheres cheguem e permaneçam no poder. A multiplicação de ataques virtuais e campanhas de desinformação contra candidatas pode se transformar em mais um obstáculo para a entrada das mulheres na política.
Poucos anos atrás a violência causada pelas fake news existia, mas com menor intensidade e de forma mais solitária. E nesse sentido é muito importante falar sobre o assunto, pois dessa forma as mulheres não se sentem sozinhas e cria-se uma rede de empoderamento para que haja denúncias para possíveis punições. É preciso ter clareza de que desinformação e mentiras são formas de violência para silenciamento — e precisamos falar sobre isso.
Mas muito se fala sobre a violência e pouco se fala em como isso atinge as diversas mulheres de diferentes formas. As mulheres negras, por exemplo, além de sofrerem com as fake news, sofrem com o racismo, o que torna as coisas muito piores. A Anistia Internacional produziu uma pesquisa, em 2018, que mostra que mulheres negras em posições na política são os principais alvos para ataques.
A responsabilidade das redes sociais na propagação de informação falsa
Além de combater as fake news, precisamos criar mecanismos para propagar uma cultura de checagem de fatos e educação digital para o bom uso da internet. O enfrentamento judicial é importante, mas só resolve no sentido de mostrar que a internet não é “terra sem lei”, ao mesmo tempo isso torna a violência cumulativa, não existe a possibilidade de “desver” as inverdades.
E nesse sentido surge o debate em torno do Projeto de Lei n°2630/2020, para combater as fake news e a Regulação dos Meios de Comunicação Digitais, o que mostra a importância de se ter um mecanismo legal que dê suporte para pessoas impactadas e também para a sociedade que recebe esse tipo de conteúdo. Não existe caminho fácil para o combate das fake news, por isso é preciso falar sobre as discussões equivocadas que estão voltando sobre a segurança na internet, privacidade e liberdade de expressão.
A impunidade é a tônica do processo de exclusão das mulheres que tentam se inserir na política. Combater a desinformação é indispensável para manter e fortalecer a democracia. Para que mais mulheres se enxerguem nesses espaços, é preciso proteção e segurança.
*Juliana Barros é coordenadora de comunicação da ONG Elas no Poder
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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