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Bússola Vozes: por que a participação feminina na política ainda é tão baixa?

Um dos motivos é o fato de 85% do trabalho do cuidado no Brasil ser realizado por mulheres, que muitas vezes precisam encarar duplas, até triplas jornadas de trabalho

Close-up of unrecognizable female politician in rings standing at rostrum with microphones and clipboard while addressing conference (shironosov/Getty Images)
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Publicado em 30 de janeiro de 2024 às 08h00.

Última atualização em 31 de janeiro de 2024 às 18h01.

Por Dany Fioravanti

Talvez você já saiba que o Brasil ocupa uma das piores posições do mundo quando o assunto é participação feminina na política .

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Mas o que isso tem a ver com os cuidados?

A ausência e a fragilidade das políticas do cuidado são o cenário perfeito para a manutenção da divisão sexual do trabalho. Funciona assim: as mulheres são obrigadas a equilibrar o trabalho fora de casa com o trabalho doméstico, enquanto os homens dominam o debate público e as posições políticas.

As duplas e muitas vezes triplas jornadas que as mulheres precisam realizar para cuidar da casa, das crianças e dos mais velhos, são um desafio constante para elas poderem entrar e permanecer na política.

Neste sentido, a ONU Mulheres afirma que as políticas do cuidado devem reconhecer, redistribuir e reduzir o trabalho de cuidados, oferecendo condições de igualdade de gênero, em tempo e recursos, para que as mulheres tenham a possibilidade de conciliar a vida dentro e fora de casa.

E é preciso dizer que a desigualdade no acesso aos cuidados aprofunda não apenas a desigualdade de gênero, mas também a de raça, classe e território. Afinal, vemos que são mulheres negras, indígenas, pobres e periféricas que atendem às demandas de cuidados de domicílios com mais recursos.

E como a situação pode mudar?

O que acontece quando o trabalho dos cuidados é reconhecido, redistribuído e reduzido? O que acontece, por exemplo, quando as licenças maternidade e paternidade são equilibradas e o acesso a creches é garantido?

Para responder a esta pergunta podemos olhar para a Islândia, país que há mais de dez anos ocupa o melhor lugar no índice do Fórum Econômico Mundial sobre Equidade de Gênero no mundo .

Katrín Jakobsdóttir, eleita primeira-ministra da Islândia em 2017, afirmou em entrevista ao programa O Futuro é Feminino ”, que uma das coisas mais importantes para ela como mulher na política é não precisar escolher entre família e carreira, graças ao acesso à creche e às licenças parentais.

Já no Brasil, essa história é bem diferente

Embora a Constituição Federal garanta a licença maternidade de cento e vinte dias e a licença paternidade de cinco dias (sendo bem simbólica, vamos combinar?), segundo um levantamento que realizei em março de 2023, nas leis orgânicas de todas as capitais brasileiras, 70% das capitais não especificam licenças maternidade e 88% não especificam licenças paternidade, para cargos do executivo. Deixando, especialmente, as mulheres vulneráveis a perderem os seus mandatos municipais.

Quem se lembra do caso da Cinthia Ribeiro, única mulher eleita prefeita em uma capital brasileira nas eleições 2020? A história da prefeita de Palmas no Tocantins ganhou os jornais do país, depois que Cinthia colocou um berço na prefeitura para continuar administrando a cidade e cuidar do filho recém-nascido.

Cinthia e sua equipe adotaram essa estratégia porque o município não especifica a licença maternidade para dirigentes executivos em sua Lei Orgânica e ela poderia perder o mandato por ser mãe. A prefeita trabalhou até o dia do parto e sua licença durou menos de duas semanas.

A realidade para os cargos legislativos e estaduais

Há notícias recentes de estados que estão alterando as suas constituições locais para garantir a licença maternidade às suas representantes estaduais eleitas. É o caso do Mato Grosso, que alterou sua Constituição em 2020, após a única deputada do estado engravidar e gerar uma grande mobilização. No Mato Grosso do Sul, uma Emenda Constitucional foi aprovada somente em 2022 para que os benefícios da licença maternidade sejam válidos às ocupantes de mandato eletivo na Assembleia Legislativa.

Além de lutar pelo direito ao tempo para cuidar, algo que no Brasil já é garantido às mulheres trabalhadoras, mas não às mulheres políticas, quem ousa ser presidenta, governadora, prefeita, senadora, deputada ou vereadora tem que enfrentar uma cultura que vê as mulheres como frágeis para a política.

E aqui, peço licença para ecoar a pergunta feita por Manuela D'ávila, que já foi vereadora, deputada estadual, deputada federal e candidata à vice-presidência. Em uma reflexão feita em suas redes sociais sobre porque as mulheres desistem da política.

Um estudo realizado pelo Instituto Locomotiva em 2022, identificou às sete principais reivindicações das eleitoras no Brasil e elas estão diretamente no âmbito das políticas do cuidado: a redução da jornada de trabalho para cuidar dos filhos ou realizar obrigações domésticas; mais vagas em creches e serem mais acessíveis em termos de distância e horário de funcionamento; horário ampliado nos postos de saúde para que as mulheres trabalhadoras possam levar seus filhos; que as empresas paguem auxílios para creches; transporte público mais eficaz para facilitar as viagens com crianças e também mais seguro para as mulheres; maior ajuda econômica em tempos de crise; maior atenção à saúde da mulher.

No mesmo estudo, 43% dos homens afirmaram que pesquisavam diariamente notícias sobre política e apenas 25% das mulheres afirmaram o mesmo. Elas têm menos tempo para se informar e debater sobre política, embora sejam as que mais sentem os impactos concretos da política no seu dia a dia e que mais utilizam os serviços públicos.

No Brasil, onde 51,5% da população é composta por mulheres e apenas 12% das cidades são administradas por elas, falar sobre cuidados no contexto político-eleitoral é uma urgência. Para aumentar a representatividade na política precisamos de mais pessoas que cuidam no poder.

* Dany Fioravanti é comunicadora e especialista em políticas do cuidado com perspectiva de gênero. Atualmente, coordena a Im.pulsa, uma plataforma de aprendizagem política para mulheres latino-americanas idealizada pela Elas No Poder e pelo Instituto Update.

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