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Bia Santos: por que pretos e pardos investem pouco no Brasil

A grande maioria das pessoas negras não reserva valor algum para investir e as razões vão além da falta de dinheiro

Os brancos são maioria quando se fala em retenção de dinheiro (Inside Creative House/Getty Images)

Os brancos são maioria quando se fala em retenção de dinheiro (Inside Creative House/Getty Images)

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Publicado em 1 de novembro de 2022 às 16h30.

Última atualização em 8 de novembro de 2022 às 17h42.

De acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), apenas 29% dos brasileiros pretos e pardos investem seu dinheiro em produtos financeiros. A informação faz parte de um estudo divulgado pela Anbima este ano, o Raio X do Investidor Brasileiro 2022, no qual são apresentados os perfis e — escancarados — os reflexos da desigualdade racial no mundo das finanças no país.

Segundo a pesquisa, que está na sua quinta edição, a maioria dos entrevistados (61%) das classes A/B/C não possui dinheiro aplicado. Mas além do recorte social, este é um dos primeiros estudos em que se compara dados entre brancos e negros no Brasil, mostrando que apenas 29% dos entrevistados autodeclarados pretos e pardos disseram fazer algum tipo de investimento no mercado financeiro,  enquanto pessoas brancas representam 37% dos investidores.

O relatório também mostra que homens (34%) investem mais do que as mulheres (27%) brasileiras. Além disso, o relatório mostra ainda que 63% das pessoas pretas e pardas que responderam à pesquisa não guardam dinheiro de forma alguma: a grande maioria  das pessoas negras não reserva valor algum para investir. E as razões podem ir além da falta de dinheiro.

Para mudar esta realidade, o trabalho que é preciso fazer — seja nas esferas governamentais, seja nas esfreras privadas — é de análise e proposição. Como conselheira da cidade do Rio de Janeiro na área de Equidade e Inclusão e fundadora de uma startup de inclusão e educação financeira, posso afirmar que entendo que esta desigualdade tem origens históricas e sociais que vão muito além de mera barreira econômica.

O paciente zero desta doença remonta ao tempo da escravidão no Brasil. Como se sabe, nessa época, a população negra era mantida à margem do sistema financeiro, pois não tinha acesso ao conhecimento e, claro, viviam entre uma série de empecilhos que não permitiam que ganhassem seu próprio sustento.

Isso porque diversas políticas e práticas de mercado racistas foram implementadas ao longo da história e acabaram influenciando na forma como negros e pobres lidam com suas próprias finanças, inclusive nos dias de hoje, mesmo após uma série de avanços — alguns reais, alguns ‘para inglês ver’.

A publicação da Lei nº 2.040/1871, por exemplo, autorizava a Caixa Econômica a recolher os depósitos dos escravos em forma de pecúlio, ou seja, uma poupança para compra da própria liberdade e de outros cativos, criada por meio de doações, heranças ou renda proveniente do trabalho. O problema é que havia enorme resistência por parte de senhores de escravos, que impediam seus escravizados de abrir uma conta poupança e ainda cobravam preços altíssimos para a alforria. Em consequência, os escravizados eram obrigados a recorrer a empréstimos com terceiros, prática que deixou a população negra ainda mais endividada e longe de alcançar a própria liberdade.

Outra questão importante é a inclusão de pessoas negras no mercado de trabalho, uma dificuldade que acontece desde a época da escravidão e perdura nos dias atuais, gerando impactos que passam de geração em geração e fazem com que nossa população sofra ainda mais os efeitos da pobreza, que teve o quadro agravado pela pandemia de covid-19.

Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) de 2021, cerca de 8,8 milhões de pessoas perderam seus empregos nos primeiros seis meses de 2020 no Brasil. Dessas, mais de 70% eram negras. As mulheres negras são as mais afetadas, enfrentando inúmeras dificuldades para entrar — ou retornar ao mercado de trabalho e driblando obstáculos como administrar um salário mais baixo que as mulheres brancas.

Em conclusão, é urgente a criação de políticas públicas de reparação histórica, que coloquem a população negra no centro da discussão. Somente com a inclusão do olhar segmentado, trazendo luz à questões como enfoque racial, é que será possível pensar ações focadas na população negra, que promovam sua valorização e inclusão, sobretudo com educação financeira, disponibilidade de informação para a compra de ativos financeiros, oferta de serviços personalizados, dentre outras tantas possibilidades que existem e podem ser aplicadas.

É preciso olhar para trás e entender esse emaranhado para soltarmos os nós. Um a um. Quando o problema é complexo, a solução não pode ser simples.

*Bia Santos é CEO da Barkus

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