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Avesso do avesso: o outro lado de um projeto fotográfico

O fotógrafo Arthur Seixas faz um relato do processo criativo da sua nova mostra, desenvolvida a partir de reflexões da pandemia, que será lançada no Rio no dia 11

Exposição abre dia 12 no Rio de Janeiro (Bússola/Reprodução)
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Bússola

Publicado em 6 de outubro de 2022 às 15h00.

Por Arthur Seixas

Vou lhe contar uma história. Nestes últimos anos, descobri que sou contador de histórias. Na verdade, descobri muito mais sobre mim. E, por isso, faço questão que ela seja contada em primeira pessoa pois, acima de tudo, é extremamente pessoal. Aviso que não é do tipo começa com “era uma vez”, não é uma fábula. É soturna, é densa, mas tem final feliz. Este é o avesso do “Avesso”, título do meu projeto de fotografia que será lançado no dia 11 de outubro. É o lado da história que nem sempre é contado, a minha jornada ao caos criativo.

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A narrativa se inicia em flashback, na pandemia. Eu sei que essa é a última palavra que qualquer brasileiro – ou habitante deste planeta – queira ouvir. Passamos praticamente dois anos enjaulados, paranoicos e carentes de contato. Frente ao inevitável, no entanto, tivemos a oportunidade de usar essa catástrofe como um catalisador de mudanças pessoais. Houve quem evitasse trazer para si o que se passava do lado de fora da porta de casa. Eu fiz o contrário.

Num momento de absoluta falta de perspectiva, resolvi cavar os motivos das minhas insatisfações e o porquê de certos comportamentos e escolhas que, no fundo, só me faziam mal. Minha vida era uma aparente verdade, embora não vivesse num mundo perfeito. Mas eu sentia, lá no íntimo, um vazio. Eu era puxado pela maré num barco à deriva. Minha alma tinha voado no içar das velas. Eu tentava apenas me manter à tona num mar de ondas que me engoliam.

Quando fui obrigado a parar, as perguntas que eu não tinha “tempo” para responder começaram a bombardear minha cabeça. Sim, aquelas que parecem ridiculamente simples, mas, no fundo, são as mais complexas. Quem eu era? O que eu de fato vim fazer aqui, já que no meio de tanta morte, eu tinha o privilégio de estar vivo? Veja, o existencialismo é o grande paradoxo do ser humano. Somos um caldeirão interno de traumas, medos e ressentimentos. Nós os compartimentalizamos e evitamos olhar para eles. Ao fazer isso, contudo, nos privamos também de nos conhecermos.

Fazemos o impossível para ficarmos imunes à dor, mas ela é inerente à natureza humana. É preciso experimentá-la para aprendermos a vencê-la. E recado àqueles que querem viver na Terra do Nunca: ela não se restringe aos adultos. É na infância que se encontra a raiz das nossas disfunções, lá que reside o acolhimento que nos permite sermos confiantes perante o mundo e as fragilidades que nos fazem recuar frente aos obstáculos. Eu até tinha consciência das minhas questões, mas nunca quis mexer em casa de marimbondo. Até este momento.

Sem entrar em pormenores sobre meus dilemas – pois isso seria assunto para horas de terapia – é preciso assumir que, mesmo depois de tanto tempo, eu ainda culpava meus pais por situações que passei ainda pequeno e que me formaram como adulto. Não que eles se abstenham de erros, mas é muito fácil nos fazermos vítimas das nossas próprias histórias. A virada de jogo se dá quando compreendemos que nossos pais são apenas seres errantes tentando agir com a maior perfeição que a imperfeição lhes permite. Quando paramos de apontar as falhas dos outros, também percebemos que, em muitos casos, fomos nós mesmos que nos colocamos naquele lugar. Fomos nós que interpretamos os acontecimentos de determinada forma, aquela que mais nos convém, aquela que estabelece que o algoz não seja nós mesmos.

Neste contexto, digamos, psicológico, se desenvolveu o projeto “Avesso”. Olhei ao meu redor, para a fazenda onde passei meu tempo de criança – também onde me isolei por grande parte da pandemia - e comecei a reviver memórias. Foi uma volta metafórica ao útero e um acerto de contas com meu pai, quem eu julgava ser o grande vilão da minha trama. Mas, sobretudo, foi um acerto de contas comigo mesmo. As locações, todas abandonadas, funcionavam como reflexos das minhas inquietações mais profundas. No fim, embora tudo estivesse a ruir, ainda havia salvamento para o menino que ficou soterrado nos escombros.

Como o propósito disso era ser verdadeiro comigo, despir-se de tudo era fundamental. Despir máscaras, emoções e, sim, vestimentas. A pele aqui se torna a matéria do intangível, um veículo externo para sentimentos que estão no escuro, surgindo para serem revelados. A nudez vira símbolo de coragem, de um querer encarar de frente tudo aquilo que me perturbava. Desvestir defesas, aquilo que não mais me servia, que me separava como ser social e primitivo, que me impedia de me apoderar de quem eu realmente era. Era, portanto, uma vontade de colocar para fora o âmago.

O corpo e a alma foram, então, a base para lapidar o conceito de inversão, da dualidade que não se opõe, é apenas face de uma mesma moeda. Então tive a ideia de trabalhar algumas imagens em negativo, a representação do inverso – e do primitivo – da fotografia, guardado dentro da câmara escura. Atingir este ponto não foi fácil. Eu não sabia exatamente onde iria chegar ao fotografar, mesmo com meses prévios de pesquisa. Por fim, entendi que tinha que deixar meu inconsciente se pronunciar.

Das cores passei para o preto e branco, contrastes que sugerem a passagem da sombra à luz, a maior das simbologias deste projeto. Assim evoluí para as composições de negativo e positivo, que traduziram a confusão das minhas angústias, o turbilhão interno numa linguagem expressionista. O ápice do processo foram as sequências de movimento, que me remeteram ao flerte adolescente que eu tive com o cinema, parte intrínseca da minha pessoa. Quadro a quadro, os fotogramas moviam-se em ações que, por sua vez, se encaixavam como peças de um quebra-cabeça. Eram fragmentos que me proporcionavam uma visão mais ampla do meu crescimento. A criança partida nos destroços, que ainda me habitava, agora assistia a tudo do alto do teto.

Ao mesmo tempo em que descobria que tipo de autor gostaria de ser para a minha fotografia – seja por escolhas conceituais, seja visuais –, esse desenvolvimento gradual permitiu com que eu me desvendasse, me compreendesse e desse os primeiros passos para os meus impasses. Tudo funcionou como um sistema simbiótico. Ainda que este seja um novo viés do meu trabalho, conceber essa coleção foi a minha principal vitória, meu verdadeiro caso de sucesso pessoal. Aqui estou agora, exposto, vulnerável como nunca antes. E não há nada mais libertador do que ser honesto consigo mesmo.

SERVIÇO

Casa da Santa

Rua Eduardo Santos, 139, Santa Teresa, Rio de Janeiro

Próximo ao Largo das Neves

Aberto ao público no dia 12/10 das 18h às 21h

Como

Rua Miranda Valverde, 64, Botafogo, Rio de Janeiro

Obras expostas sem a experiência imersiva

Aberto ao público de 18/10 a 19/11, das 8h às 20h (exceto sábados, domingos e feriados)

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