Manifestações: as passeatas estão programadas no dia em que o país pode atingir os 500 mil mortos pela covid-19. (Taba Benedicto/Agência Estado)
Agência O Globo
Publicado em 29 de maio de 2021 às 20h42.
Última atualização em 31 de maio de 2021 às 22h08.
Diversas cidades do país registraram neste sábado manifestações contra o governo Jair Bolsonaro. Os protestos ocorreram em pelo menos 15 capitais, além de municípios no interior dos estados. Os manifestantes criticaram a gestão federal da pandemia do novo coronavírus, pediram maior velocidade no processo de vacinação e o impeachment do presidente.
Os atos foram convocados por entidades e políticos de oposição em resposta às mobilizações bolsonaristas realizadas nas últimas semanas, na esteira do desgaste que o governo tem sofrido na CPI da Covid, no Senado. Pela manhã, os protestos aconteceram no Rio, Brasília, Salvador, Belo Horizonte, Recife e Belém, entre outras cidades. Em Recife, a Polícia Militar atirou balas de borracha e gás lacrimogêneo contra os manifestantes, e o comandante da PM foi afastado do cargo.
No meio da tarde, milhares de pessoas se concentraram em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista, para a manifestação na capital paulista. Outros protestos estavam previstos para ocorrer em Porto Alegre, Vitória, Curitiba, Natal, Macapá e Fortaleza.
No Rio, os manifestantes começaram a se concentrar às 10h no Monumento a Zumbi dos Palmares, na Avenida Presidente Vargas, e paralisaram parcialmente três das quatro faixas da via, entre a Avenida Marquês de Sapucaí e a Rua de Santana. Depois, a partir das 11h30m, seguiram em passeata até a Cinelândia, onde ocuparam as escadarias do Palácio Pedro Ernesto, que abriga a Câmara de Vereadores, e do Theatro Municipal. O ato se dispersou por volta das 13h30m.
Homens da Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio (CET-Rio) fizeram o controle do trânsito enquanto agentes da Polícia Militar (PM) ficaram responsáveis pela segurança. Não houve conflitos envolvendo participantes do ato ou policiais. Ao fim das atividades, na Cinelândia, um grupo ateou fogo a dois bonecos com o rosto de Bolsonaro. A corporação, que observava à distância, não interveio. O fogo foi controlado pelos próprios manifestantes.
Antes de seguir até a Cinelândia, o ato permaneceu concentrado enquanto seus organizadores discursavam sobre dois carros de som. Eles informaram que, ao fim do ato, políticos seriam convidados a discursar. O momento, no entanto, não chegou a acontecer.
Estavam no ato parlamentares como os vereadores da capital Chico Alencar, Tarcísio Motta e Mônica Benicio, ambos do PSOL (ela viúva da vereadora Marielle Franco, do PSOL, asassinada em 2018); as deputadas estaduais Renata Souza e Dani Monteiro, também do PSOL e a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB).
Também marcaram presença integrantes da classe artística, como o ator Paulo Betti e as atrizes Camila Pitanga e Maria Ribeiro — a última homenageou com cartazes o humorista Paulo Gustavo, morto no início do mês aos 41 anos, vítima da Covid-19.
Houve apelos sucessivos dos organizadores para que os participantes usassem máscaras de proteção facial e mantivessem distanciamento uns dos outros.
O item de proteção foi utilizado pela ampla maioria dos manifestantes, mas aglomerações se formaram em momentos diversos, nos pontos próximos aos caminhões de som e nas áreas de sombra, onde era possível se proteger do sol forte. Quando a passeata adentrou a Avenida Passos e a Rua da Carioca, mais estreitas, os participantes não conseguiram se manter distanciados. Muitos deles buscaram rotas alternativas até a Cinelândia, onde o espaço disponível era mais amplo.
Problemas de aglomeração também foram registrados no início da manifestação em São Paulo, especialmente no trecho da Avenida Paulista em frente ao Masp. Ao longo da via, entretanto, os espaços entre manifestantes era mais respeitado. A maioria dos presentes usava máscaras de proteção.
No Rio, entre palavras de ordem diversas, os manifestantes entoaram gritos de “Fora Bolsonaro”, “Bolsonaro genocida” e fizeram rimas com menções à CPI da Covid. Os mais de 459 mil mortos pelo coronavirus também foram lembrados nos discursos dos organizadores e nos dizeres de cartazes, que pediam respeito às vítimas e vacina para a população. Ainda houve críticas às políticas econômicas do governo federal: “Cemitério cheio, geladeira vazia” foi uma das frases utilizadas em camisetas e adereços, que incluíam mensagens pedindo a manutenção do auxílio emergencial.
A operação policial que deixou 28 mortos no Morro do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, no início do mês, também foi lembrada nos discursos e classificada como uma “chacina” pelos manifestantes. As menções ao episódio renderam críticas ao governador Cláudio Castro (PSC), a quem a PM está subordinada. Policiais que trabalhavam no local não reagiram às falas — a corporação perdeu um oficial de 48 anos durante a ação contra o tráfico de drogas na comunidade.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi lembrado nas peças de roupa e em um boneco inflável de cerca de 10 metros de altura. Além do político vestindo a faixa presidencial, a peça incluía a inscrição “Lula Livre”, remanescente do período de um ano e sete meses que o petista passou preso no âmbito da Operação Lava-Jato — as condenações dele, nos casos do tríplex do Guarujá (SP) e do sítio em Atibaia (SP), foram anuladas em março pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Marielle Franco também foi lembrada com bandeiras de grandes proporções.
Episódios de hostilidade aconteceram quando alguns motoristas que passavam pela única via liberada da Presidente Vargas cruzaram com a concentração do protesto. Apoiadores de Bolsonaro, eles trocaram ofensas com os manifestantes, abreviadas conforme o trânsito fluía.
Procurada pelo GLOBO, a PM informou que colocou efetivos dos 4º e 5º batalhões (São Cristóvão e Saúde, respectivamente) à disposição para garantir a segurança do ato. Não foi informado o número de agentes por “questões estratégicas”. A corporação também afirmou que não se responsabiliza mais por estimativas de públicos de protestos.
Em Recife, durante o protesto, a Polícia Militar atirou balas de borracha e gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes. Vídeos mostraram as pessoas correndo após a chegada dos PMs e as bombas de gás sendo jogadas. A confusão ocorreu, também, na Rua da Aurora.
A vereadora do Recife Liana Cirne (PT), que participava do ato, divulgou nas redes sociais que foi atingida por spray de pimenta por policiais. Ela precisou de atendimento médico após ser atingida nos olhos.
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), informou que afastou o comandante da PM e os agentes envolvidos na agressão à vereadora.
"O oficial comandante da operação, além dos envolvidos na agressão à vereadora Liana Cirne, permanecerão afastados de suas funções enquanto durar a investigação. Sempre vamos defender o amplo diálogo, o entendimento e o fortalecimento de nossas instituições dentro da melhor tradição democrática de Pernambuco", afirmou o governador.
Vacinação e saúde foram dois dos temas mais presentes nas faixas e cartazes no ato na Avenida Paulista, em São Paulo. Muitos manifestantes lembraram as recusas do governo federal na compra dos imunizantes ao longo da pandemia. Sindicalistas e grupos trabalhistas aproveitaram o evento para se manifestar também por melhores condições de trabalho.
— Até aqui a gente fez carreata, outdoor, CPI. Mas os congressistas diziam que sem o povo nas ruas não teria como avançar o impeachment. O que vão dizer agora? — disse Março Martines, líder do Movimento Acredito em São Paulo, responsável pelo boneco "Capitão Cloroquino".
Ex-candidato a prefeito de São Paulo em 2020 e a presidente em 2018, Guilherme Boulos (PSOL) chegou aplaudido à manifestação. Ele é uma liderança da organização Povo Sem Medo, um dos grupos que convocaram as manifestações nacionais deste sábado.
Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, afirmou que a manifestação inaugura uma "conjuntura com muita força para derrotar Bolsonaro" e que os organizadores fizeram orientações para evitar a aglomeração dos manifestantes.
— Tivemos comissões de saúde distribuindo máscaras, álcool em gel, pedindo distanciamento todo tempo no carro de som. E em várias imagens dos atos pelo Brasil foi possível perceber que houve essa cuidado. Estamos na rua porque é preciso interromper o genocídio promovido pelo Bolsonaro. A pressão das ruas pode salvar vidas no futuro — declarou.
A aposentada Cândida Braga, de 73 anos, compareceu à manifestação com a bandeira do Brasil, que nos últimos anos se tornou símbolo dos protestos em apoio do presidente Bolsonaro. Segundo ela, a intenção é "retomar a bandeira e o orgulho que ficou apagado nos últimos anos". Ela afirma que se orgulha de ter tomados as duas doses da vacina.
— Essa bandeira é muito importante pra mim. É o símbolo do Brasil, de todos os brasileiros — disse ela.
Em Brasília, os manifestantes se reuniram na Esplanada dos Ministério na manhã deste sábado, usando máscaras. A orientação dos organizadores era de manter distância entre as pessoas, o que nem todos seguiram, embora os grupos tenham ficado dispersos no gramado.
No início da manhã, houve também uma carreata no local. Os cartazes pediam "fora Bolsonaro", "impeachment já" e "vacina já". Manifestantes ergueram um boneco inflável do presidente Jair Bolsonaro com sangue nas mãos. Havia milhares de pessoas no local, mas a PM não calculou o tamanho da multidão.
Compareceram representantes da União Nacional dos Estudantes (UNE), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), entre outros.
Em Belo Horizonte, a concentração do protesto foi na Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul da capital e, no fim da manhã, o grupo saiu em passeata em direção ao Centro.
Por volta das 9h30, os manifestantes começaram a se reunir, usando máscara e levando faixas, cartazes e bandeiras diversas, como a do Brasil, de movimentos sociais, de partidos políticos e do movimento LGBT+.
Nos cartazes, os manifestantes levam mensagens como “fora Bolsonaro genocida”, “o governo é mais perigoso que o vírus”, “comida no prato, vacina no braço”, “menos cortes mais vacinas”, “nem tiro, nem vírus, nem fome”.
O n[umero de mortos pela Covid no país também foi lembrado no protesto. Com pratos vazios, os manifestantes fizeram uma cruz no chão da Praça da Liberdade. Alguns moradores do entorno também acompanham o protesto das janelas e afixaram faixas e cartazes na fachada dos prédios.
Já em Salvador, na Bahia, manifestantes fizeram uma caminhada na manhã deste sábado protestando contra o presidente.
Com cartazes, os manifestantes também protestaram contra o vice-presidente, Hamilton Mourão, contra os cortes nas universidades públicas e a reforma admirativa. Eles também pediram a volta do auxílio emergencial de R$ 600 e vacina para todos.
A concentração do ato ocorreu no Campo Grande, por volta das 10h. Em seguida, o grupo caminhou pela Avenida Sete, passou pela Praça da Piedade e por volta das11h30 chegaram à Praça Castro Alves, onde o protesto foi finalizado.
Os manifestantes usaram máscaras e um representante que estava em um carro de som pedia que todos mantivessem o distanciamento.
Em Belém do Pará, a concentração começou por volta das 8h na Praça da República. Participantes levaram faixas e cartazes. Por volta das 10h, eles iniciaram uma caminhada que percorreu as avenidas Presidente Vargas, Nazaré e Magalhães Barata até o Mercado de São Brás. As ruas ficaram totalmente bloqueadas.
O grupo reivindicou o impeachment do presidente Bolsonaro e a compra de mais vacinas contra Covid-19.
A convocação e a organização das manifestações foi feita pelas frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, acompanhadas do Fórum pelos Direitos & Liberdades Democráticas.
No Rio, foram empunhadas bandeiras de partidos de esquerda (PT, PSOL, PCdoB e PSTU), de países alinhados com esse lado do espectro político (como Cuba e Venezuela) e de movimentos estudantis e sindicalistas ligados à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj e à Universidade Federal Fluminense (UFF).
Organizações sindicais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) encorparam o ato na capital fluminense. (Com G1)