UNIÃO: bancada ruralista já demonstrou descontentamento com proposta de união de ministérios (REUTERS | Marcelo Teixeira/Reuters)
Carolina Pulice
Publicado em 5 de novembro de 2018 às 17h02.
“Estou me perguntando até agora quem é que apoia tal união dos ministérios”. A frase é de André Guimarães, representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e Diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). A Coalizão, que representa 179 Organizações, Instituições e empresas (como a Cargil, Carrefour, Danone, Gerdau, Unilever e Fibria) enviou na terça-feira (30) um posicionamento oficial se mostrando contrário à união do Ministério da Agricultura e do Meio Ambiente.
Na quarta (31), o Ministério do Meio Ambiente do Brasil criticou a anunciada fusão com a pasta da Agricultura, o que deve ocorrer no governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). Segundo o atual ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, o novo ministério teria “dificuldades operacionais” que poderiam prejudicar as duas agendas e resultar em retaliação comercial por parte de países importadores de produtos agropecuários. Além das instituições, uma petição online contra a união foi assinada por mais de 500.000 pessoas, somente entre segunda e quarta-feira.
Até mesmo o atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, se posicionou contra a união. Segundo o maior produtor individual de soja do mundo, a fusão traria prejuízos ao agronegócio nacional, “muito cobrado pelos países da Europa pela preservação do meio ambiente”. “Existem muitos fóruns importantes nos quais o Brasil deve marcar sua posição, mas não será possível para um ministro participar de todos sozinho”, afirmou.
O presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antônio Nabhan Garcia, também já se mostrou contrário à fusão dos dois ministérios e chegou a dizer que a proposta seria revista. “Não posso defender com a mesma ênfase como defendia antes, porque a gente precisa ouvir mais segmentos”, afirmou Garcia.
A informação de que os dois ministérios se uniriam foi dada pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), futuro chefe da Casa Civil de Jair Bolsonaro, na terça-feira (30). Nesta quinta, o presidente eleito afirmou que os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente devem permanecer separados, abandonando a proposta de uma fusão entre as pastas.
“Tivemos uma ideia que seria a fusão do Ministério do Meio Ambiente e da Agricultura, (mas) pelo que tudo indica serão dois ministérios distintos, mas com uma pessoa voltada para a defesa do meio ambiente sem o caráter xiita como feito nos últimos governos”, disse Bolsonaro em entrevista a TVs católicas. “Nós pretendemos proteger o meio ambiente sim, mas não criar dificuldade para o nosso progresso. Por exemplo, muitas vezes você precisa de uma licença ambiental, isso leva 10 anos ou mais e dificilmente se consegue. Isso não vai continuar existindo”, acrescentou.
A proposta já teve outras idas e vindas. No início da campanha, o então candidato à presidência tinha afirmado que realizaria a união, de forma a evitar “ataques à produção agropecuária do país”, e de enxugar o Estado brasileiro. Após pressão e para não desagradar parte de seus eleitores, Bolsonaro voltou atrás, afirmando que a união não aconteceria. Foi no primeiro dia de diálogo entre as equipes do governo de transição que o assunto foi retomado.
O ministério da Agricultura é responsável “pela gestão das políticas públicas de estímulo à agropecuária, pelo fomento do agronegócio e pela regulação e normatização de serviços vinculados ao setor”.
Por sua vez, o ministério do Meio Ambiente foi criado com o intuito de “formular e implementar políticas públicas ambientais nacionais de forma articulada e pactuada com os atores públicos e a sociedade para o desenvolvimento sustentável. ” O orçamento de 2017 do ministério do Meio Ambiente foi de 1,074 bilhão de reais. Já o do ministério da Agricultura foi de 27,41 bilhões de reais. Além da fiscalização da produção pecuária, o Ministério do Meio Ambiente é Ministério do Meio Ambiente é responsável pelo licenciamento de obras, o controle da poluição, o uso de produtos químicos e a segurança hídrica.
“Os dois órgãos são de imensa relevância nacional e internacional e têm agendas próprias, que se sobrepõem apenas em uma pequena fração de suas competências”, afirmou a nota do Ministério do Meio Ambiente. As agendas, portanto, seria o ponto inicial da incoerência da união dos ministérios. “O risco de unir as agendas seria o de perder a capacidade de regular corretamente, além de confundir a atividade de estimular. Ou seja, seria criar um conflito dentro da mesma pasta da promoção e do bom controle. É um jogo de ‘perde perde’”, apontou o representante da Coalizão.
Segundo os especialistas ouvidos por EXAME, um conjunto de reveses seria sentido no médio e longo prazo pela economia brasileira, que veria a quebra da boa reputação que tem em produção sustentável e selos ambientais com a possível fusão dos ministérios. O próprio presidente eleito afirmou que o excesso de fiscalização ambiental impedia o desenvolvimento do setor agropecuário do país. Mas, segundo o próprio ministério do Meio Ambiente, dos 2.782 processos de licenciamento que estão tramitando no Ibama atualmente, apenas 29 estão ligados à agricultura.
A atual produção agropecuária do país baseia-se em uma nova legislação ambiental e em respeito a exigências internacionais. Os selos ambientais – como ficaram conhecidos os certificados e padrões internacionais exigidos nas exportações e importações – foram desenvolvidos ao longo dos últimos 20 anos, e têm se tornado um dos principais critérios de promoção da economia agroexportadora. Um exemplo dessas compensações é o REDD+, incentivo desenvolvido no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de Redução de Emissões de gases de efeito estufa provenientes do Desmatamento e da Degradação florestal.
“É um verdadeiro tiro no pé, porque os mercados mundiais estão exigindo dos fornecedores de matérias primas que tenham qualidade, além das exigências de que as exportações agropecuárias que não comprometam os serviços ecossistêmicos do qual a humanidade depende”, afirma Ricardo Abramovay, professor titular do Departamento de Economia da FEA, autor de “Muito Além da Economia Verde” e coautor de Lixo Zero: Gestão de Resíduos Sólidos para uma Sociedade Mais Próspera. Desta forma, quebrar o ciclo de fiscalização e estímulo a uma produção sustentável seria o mesmo que dificultar o comércio dos produtos agrícolas produzidos no país.
“Existe uma certa incoerência no discurso do atual presidente”, afirma Luiz Eduardo Rielli, consultor de sustentabilidade da consultoria Novi. “Seu programa de governo fala sobre se aproximar de economias ocidentais mais desenvolvidas. Mas são justamente elas que exigem produções e reputação sustentáveis”, coloca o consultor, que ainda questiona o fato de como as duas pautas “poderão ser acomodadas juntas”. Todos os fundos internacionais buscam pautas mais sustentáveis, e quem compra soja, suco de laranja, pede padrões mais sustentáveis. A realidade vai se impor”, a firma.
Embora a pauta não precise ser discutida com os outros poderes do Estado, a medida desagrada até mesmo a bancada Ruralista, da Câmara dos Deputados. Durante a campanha, a deputada Tereza Cristina, presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) afirmou que a medida precisaria ser avaliada “com clareza”, já que a questão ambiental não se resume ao meio rural. “Acho que foi uma coisa grande voltar atrás e colocar em banho-maria. Para a agricultura, não é condição sine qua non”, disse ela na época, em entrevista ao Globo Rural.
Mas então para quem seria positiva a união dos Ministérios? Para o pesquisador Ricardo Abramovay, “é a criminalidade que vai aumentar com a união, não a produtividade”. A Embrapa Territorial mostram que 66% do território brasileiro se mantém preservado graças à ação dos produtores.
A resposta definitiva deve sair na próxima semana.