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Se “perder” os direitos políticos, Lula não pode mais nem votar

Na tramitação do processo, no entanto, essa decisão pode levar ainda mais cinco anos; entenda a diferença entre inelegibilidade e os direitos políticos

Lula: depois do julgamento de 24 de janeiro, existem vários desdobramentos possíveis (Cris Faga/NurPhoto/Getty Images)

Lula: depois do julgamento de 24 de janeiro, existem vários desdobramentos possíveis (Cris Faga/NurPhoto/Getty Images)

Luiza Calegari

Luiza Calegari

Publicado em 28 de janeiro de 2018 às 07h30.

Última atualização em 29 de janeiro de 2018 às 16h54.

São Paulo – O Brasil ainda não teve, desde a promulgação da Constituição Federal em 1988, duas eleições consecutivas com as mesmas regras. Por isso, é comum ficar confuso quanto à legislação eleitoral e ter dúvidas sobre o futuro de Luiz Inácio Lula da Silva como candidato.

Uma questão que pode causar confusão diz respeito à inelegibilidade, que é uma punição da esfera eleitoral, e à suspensão (erroneamente chamada de “perda”) dos direitos políticos, que pertence à esfera da justiça penal.

No caso de Lula, ele já está inelegível após a condenação em segunda instância; mas, se perder todos os recursos no processo do tríplex, pode também perder os direitos políticos.

Entenda a diferença e o que significa cada uma dessas penalidades:

Direitos políticos

A suspensão dos direitos políticos significa que Lula não poderia votar ou ser votado, não poderia exercer cargo público (por concurso ou indicação, nem ser ministro ou ter mandato eletivo como presidente, senador, deputado, governador, prefeito, vereador), nem ser filiado a partido político ou ser editor ou redator-chefe de veículo de comunicação, além de enfrentar restrições colaterais, como não poder tirar passaporte (já que a Polícia Federal exige o comprovante de quitação eleitoral para a confecção do documento).

Essa suspensão é válida durante o tempo da pena; no caso, uma pena de 12 anos e um mês faria com que esses direitos políticos ficassem suspensos por todo esse tempo.

Ela só passa a valer, no entanto, depois de a sentença ter “transitado em julgado”, ou seja, quando todas as possibilidades de recurso já tiverem sido esgotadas.

Isso quer dizer que os direitos políticos de Lula só devem ser suspensos se o Supremo Tribunal Federal decidir pela manutenção da sentença dada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4).

Para chegar a isso, é preciso aguardar os trâmites dos embargos de declaração no próprio TRF4 e, depois, apresentar os recursos especiais (ao Superior Tribunal de Justiça) e extraordinários (ao Supremo Tribunal Federal).

Para Marco Aurélio Florêncio Filho, professor de direito penal do Mackenzie, o prazo para que o recurso extraordinário seja julgado no STF é de, no mínimo, dois anos. “É humanamente impossível dar conta desse tipo de recurso nas cortes superiores em menos tempo”, explica.

Francisco Emerenciano, advogado especialista em Direito Eleitoral, é menos otimista no cálculo, e aposta que deve demorar de três a cinco anos para que o STF consiga chegar a julgar esse caso.

A suspensão dos direitos políticos é uma punição atrelada a qualquer condenação criminal. Até 2016, tanto a suspensão dos direitos políticos quanto a prisão só podiam ser efetuadas depois de todos os recursos esgotados. Naquele ano, no entanto, o STF mudou o entendimento e passou a permitir a prisão após condenação na segunda instância.

Depois do cumprimento da pena, passa a valer a inelegibilidade prevista pela lei da ficha limpa, com duração de oito anos.

Inelegibilidade

Segundo Emerenciano, o julgamento da inelegibilidade equivale a uma “fotografia” da condição legal do candidato no momento em que ele está tentando se eleger.

Portanto, se o STJ aceitar o pedido da defesa de Lula e conceder uma medida cautelar suspendendo a inelegibilidade, ele pode continuar a fazer campanha, obter o registro no Tribunal Superior Eleitoral e ser eleito – e nada disso interfere no andamento do resto do processo.

É possível, portanto, que Lula consiga uma medida cautelar que o permita participar das eleições e virar presidente, cumprir o mandato, e depois disso, ser julgado pelo STF e ter suspensos os direitos políticos (se a regra não mudar de novo até lá).

Também é possível que o STJ mantenha Lula inelegível, e, nesse caso, ele ainda pode pedir o registro da candidatura, que será alvo de um pedido de impugnação por parte de partido político, coligação ou do próprio Ministério Público.

Nesse caso, abre-se um processo no TSE e Lula tem o direito de se defender. Ainda assim, durante o andamento do processo, ele pode continuar em campanha.

Se o TSE decidir a favor de Lula, ele pode ser eleito (embora, segundo os especialistas, ele tenha pouca base jurídica para fazê-lo, sem uma decisão favorável do STJ); se ele decidir contra Lula antes das eleições, o PT tem dez dias, a contar da decisão, para substituir seu candidato.

Se acontecer de o processo se arrastar e Lula vencer as eleições no segundo turno, mas depois o TSE decidir que ele é inelegível, os votos dados a ele serão considerados nulos.

Nesse caso, entra em cena a regra sobre nulidade: se mais da metade dos votos do país nas eleições presidenciais forem nulos, será convocada uma nova eleição.

20 anos inelegível?

Se a sentença for ratificada pelo STF, Lula pode passar até mais de 20 anos inelegível. Isso porque o tempo que ele passa com os direitos políticos suspensos não conta como parte da pena da inelegibilidade determinada pela Lei da Ficha Limpa.

Diogo Rais, professor de Direito Eleitoral do Mackenzie, explica que, quando a pessoa está com os direitos políticos suspensos, ela já não tem o direito de ser eleita; portanto, apesar de já estar inelegível, isso ainda não conta como a punição da Ficha Limpa, mas entra na punição criminal.

Depois que a pessoa volta a gozar dos direitos políticos, ao fim da pena, aí sim entra a inelegibilidade, porque agora ela voltou a “dispor” do seu direito de votar e ser votada – e ela pode voltar a votar e se filiar a um partido, mas não pode se candidatar por mais oito anos.

A pena criminal, no entanto, só vem quando todos os recursos já se esgotaram, mas até que isso ocorra, a pessoa estará inelegível enquanto os trâmites estiverem acontecendo. Mesmo assim, depois do cumprimento da pena (prisão e suspensão dos direitos políticos), a inelegibilidade começa a contar de novo, do zero.

Cristiano Vilela, especialista em direito eleitoral e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, explica que esse é um dos “defeitos” da lei da Ficha Limpa.

“Já tive clientes que desistiram de recorrer às instâncias superiores, para cumprirem a pena logo e readquirirem seus direitos políticos, porque depois da pena ainda seriam oito anos de inelegibilidade. Eles fizeram o cálculo e estimaram que, até o caso ser julgado nas instâncias superiores, eles já poderiam ter cumprido uma boa parte da sentença”, afirma Vilela.

Já Diogo Rais acredita que, como o caso de Lula tem repercussão nacional, se todo esse processo acontecer com ele, o ex-presidente poderia tentar entrar com recurso para fazer valer o período que passou inelegível antes de cumprir a pena.

“A lei da Ficha Limpa ainda é muito nova, de 2010, então em vários aspectos a jurisprudência ainda não está consolidada”, explica.

 

 

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