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Melhores e Maiores 50 anos: 'Se o marco do saneamento funcionar bem, o governo tira vantagem', diz Gesner Oliveira

Governo decidiu editar decretos de abril que alteravam pontos das novas regras aprovadas em 2020; segundo ex-presidente da Sabesp, investimentos no setor precisam dobrar de tamanho

Saneamento: investimento em 2021 foi de R$ 17,3 bilhões (Leandro Fonseca/Site Exame)

Saneamento: investimento em 2021 foi de R$ 17,3 bilhões (Leandro Fonseca/Site Exame)

Raquel Brandão
Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Publicado em 13 de julho de 2023 às 07h20.

Última atualização em 31 de julho de 2023 às 13h59.

Prestes a serem analisados no Senado, o governo federal resolveu, na última terça-feira, 11, suspender os decretos de abril que alteravam pontos do marco legal do saneamento. O conteúdo dos decretos permitia contratos sem licitação com empresas estatais e ampliação do prazo de comprovação de condições econômico-financeiras para 2025, pontos que geraram conflitos com o Congresso e poderiam atrasar ainda mais os investimentos no setor, segundo especialistas. Agora, a expectativa é pelo o que será apresentado.

"Uma parte do governo entendeu que é importante investimento em saneamento. Então acho que se prefere um acordo, algo que não gere ruído. Se o marco funcionar bem, o governo tira vantagem, pois se estimula economia", diz Gesner Oliveira, economista e sócio da GO Associados em entrevista à EXAME. Oliveira também foi presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), entre 1996 e 2000, e esteve à frente Sabesp, empresa de saneamento básico de São Paulo, entre 2007 e 2010.

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Gesner Oliveira: investimento anual em saneamento tem que mais do que dobrar para alcançar meta de universalização/ Germano Luders

Aprovado em 15 de julho de 2020, o marco legal do saneamento tem como meta incluir 99% da população brasileira nos serviços de água potável e 90% aos de coleta e tratamento de esgoto até 2033, mas houve pouco avanço nesse sentido nos últimos anos. "O investimento em água e esgoto está abaixo de R$ 20 bilhões ao ano nos últimos cinco anos, mas seriam precisos mais de R$ 40 bilhões", calcula o economista.

De acordo com estudo publicado nesta quarta-feira, 12 de julho, pela Trata Brasil em parceria com a GO Associados, o país ainda tem mais de 33 milhões de habitantes sem água potável e a quase 93 milhões de habitantes sem coleta nem tratamento de esgoto. Em 2021, o investimento no setor não passou dos R$ 17,3 bilhões.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista.

EXAME: Que momento vive o setor depois do marco legal? 

Gesner Oliveira: O setor passa por um ciclo de investimento interessante. Para se ter uma ideia, desde a criação do marco, em julho de 2020, já se tem mais de R$ 60 bilhões de investimentos contratados. É bastante investimento. E muita gente não achava que a Cedae teria uma concessão de serviços e teve. Em Maceió, também teve uma concessão importante da Casal. Então, se tem um conjunto de investimentos que está realmente mudando a cara de várias regiões. Mas é preciso muito mais. O investimento em água e esgoto está gerando investimento de R$ 20 bilhões ao ano nos últimos cinco anos, mas seriam precisos R$ 40 bilhões. Precisaria mais do que dobrar. Esse é o grande desafio e para isso precisa do setor privado. Mas, para isso, ele precisa ter confiança nas regras.

Há um ambiente de incerteza quanto à preservação do que ficou estabelecido pelo marco, certo. Quais exatamente são os pontos de desconfiança? 

Gesner: Não se pode ter reserva de mercado. As empresas estaduais tinham reserva de mercado. Elas não tinham que fazer licitação. Então, [com o marco] se introduz competição. É um momento de ciclo de investimento, mas para esse investimento continuar tem que garantir que esses pilares do marco sejam preservados. A média brasileira de universalização dos serviços é muito ruim. Temos 135 milhões de brasileiros sem água tratada, metade da população brasileira sem acesso a serviço de coleta de esgoto e pouco mais da metade do esgoto gerado não é tratado e além de tudo isso tem média de 40% de perdas. Para mudar isso, precisa de esforço muito grande. Dá para fazer, tem interesse, mas não se pode fazer como no começo do ano um decreto que compromete as regras.

Pode dar alguns exemplos de quais pontos nos decretos federais geravam insegurança?

Gesner: Os novos decretos do governo permitiam a possibilidade de empresas estatais oferecerem os serviços sem licitação. Outra coisa que foi ruim foi o fato da ANA ter que seguir diretrizes estabelecidas pelo ministério de integração regional. Administração direta tendo interferência na atua da agência reguladora. Isso é ruim porque é uma entidade de estado e não de governo.

O tema iria para análise dos senadores, mas o governo anunciou na terça-feira, 11, a edição dos textos, conforme informou senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado. Já havia sido uma derrota para o governo na Câmara. Qual sua visão sobre essa sinalização de um acordo com o Congresso sobre o marco?

Gesner: Uma parte do governo entendeu que é importante investimento em saneamento. Então acho que se prefere um acordo, algo que não gere ruído. Se o marco funcionar bem, o governo tira vantagem, pois se estimula economia, distribui renda, aumenta produtividade, salário, aumenta o valor de propriedade das famílias pobres. Tudo isso é bom para renda, emprego e salário.

Como está o interesse dos investidores para os negócios?

Gesner: O setor tem atraído investimento de fundos de infraestrutura, como o Brookfield, que tem a BRK. A Iguá tem dois fundos canadenses investidos. O fundo australiano Macquire também está avaliando ativos. E são todos investidores importantes, muito sólidos e que desejam participar do mercado brasileiro.

A meta é chegar em 2033 na universalização. Mas os investimentos estão abaixo do necessário...

Gesner: Teoricamente, a meta é chegar em 2033 na universalização. É possível chegar antes? sim, mas acho que é pouco realista porque precisaria mover vários nichos e é mais complexo. Mas acho que até as eleições municipais vai avançar bem. Então acredito pode avançar melhor.

Há pontos que ficaram de fora do marco ou que precisam ao menos ser mais explorados?

Gesner: Montevidéu está com sede, não tem água. Como aconteceu em 2014 em São Paulo. É muito importante se pensar na reciclagem da água. Isso a gente deveria pensar com muito afinco. De pegar a água do consumo doméstico e reciclá-la. Há empresas no Brasil que tem empresas de reciclagem. A própria Sabesp tem uma empresa no polo petroquímico do ABC que oferece água de reúso. Isso é bacana porque dá mais segurança hídrica.

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