(Nelson Junior/VEJA)
Fabiane Stefano
Publicado em 8 de novembro de 2020 às 13h15.
Última atualização em 8 de novembro de 2020 às 13h33.
O mundo assistiu nos últimos dias o complexo sistema eleitoral americano em funcionamento, o qual, após dias de indefinição, deu a vitória ao democrata Joe Biden, presidente eleito dos Estados Unidos. Lá, o sistema é de colégio eleitoral, em que o presidente é eleito por voto indireto.
O formato vem de sua primeira e até hoje única Constituição. Cada um dos 50 estados (mais o Distrito de Colúmbia) têm uma certa quantidade de votos dos 538 que compõem o chamado colégio eleitoral — a Califórnia é a que mais tem votos, 55. O candidato vencedor precisa de 270 desses votos.
Assim, há “51 eleições” diferentes: quem ganha a maioria em um estado leva todos os votos do colégio eleitoral, não importa o quão apertada seja a eleição. As únicas exceções são Maine e Nebraska.
Mas e se o sistema do colégio eleitoral fosse aplicado no Brasil? Funcionaria? EXAME fez uma simulação para entender como esse modelo de votação indireta impactaria as eleições presidenciais se aplicado no país.
EXAME calculou o peso de cada estado na disputa: 26estados e o Distrito Federal. Na regra americana o número de delegados é distribuído conforme a população do estado, sendo o mínimo 3 (1 deputado + 2 senadores). Devido ao valor mínimo, alguns estados ficam sobrerepresentados e estados populosos tem peso limitado no colégio.
Aplicando a regra ao mínimo exigido, metade dos delegados totais no Brasil ficam para distribuição mínima de cada estado e a outra metade segundo a população. Como Roraima tem a menor população, com 631 mil habitantes, ela ficaria com o número mínimo de representantes no colégio eleitoral brasileiro, 11, já que cada estado tem direito a uma bancada mínima de 8 deputados e 3 senadores. Seria o equivalente ao estado menos populoso dos Estados Unidos, o Wyoming (que tem três votos no colégio eleitoral americano).
Já São Paulo, o mais populoso, com quase 46 milhões de habitantes, teria importância equivalente à da Califórnia, e congregaria 78 delegados. Dessa forma, o colégio eleitoral brasileiro seria formado por 594 deputados. Nesse exercício, o colégio brasileiro acabaria sendo maior que o americano, mesmo que a população seja 63% do tamanho da americana e o país tenha quase a metade do número de estados, por causa da nossa distribuição federativa - regra que estabelece o mínimo da bancada estadual na Câmara e pelo Senado mais volumoso.
A partir da aplicação dessas regras, uma simulação feita pela MAF DataScience com os votos das últimas eleições em 1º turno mostra como seria o sistema americano aqui nas eleições presidenciais. Aplicado a todas as eleições desde 1989, o colégio eleitoral não mudaria o resultado de nenhuma delas. Em 2018, Jair Bolsonaro receberia os votos de 375 delegados, contra os 195 de Fernando Haddad e os 24 de Ciro Gomes.
Nesse cenário, Minas Gerais se tornaria um dos estados mais cobiçados em uma eleição presidencial - assim como a Flórida ou a Pensílvânia nos Estados Unidos. Desde a redemocratização, nenhum presidente foi eleito do Brasil sem ser ter a maioria do eleitorado mineiro. Em 2018, Bolsonaro recebeu 5,3 milhões de votos no estado. Já Haddad teve 3 milhões de votos. Os 42 delegados mineiros nessa simulação iriam para Bolsonaro.
A dinâmica do colégio eleitoral viola os princípios de voto direto, universal e equânime previstos na Constituição de 1988. No Brasil, devido ao número de estados e padrão concentrado no litoral, o peso dos estados populosos é ainda maior no total de delegados.
O colégio eleitoral, se adotado, cria um incentivo para que haja um número maior de estados, e também mudaria a forma como os partidos se comportam no tabuleiro político. Além disso, como o voto no Brasil é obrigatório, exceto para menores de 18 anos, idosos e analfabetos, o comparecimento nas urnas é bastante grande.
O autor do levantamento, Marco Antonio Faganello explica que o colégio eleitoral não mudaria o resultado de nenhum eleição brasileira, mas o comportamento dos estados varia bastante. Nesse sistema, aumentaria a distância entre o primeiro e segundo colocado de uma eleição presidencial. Em 2014, o resultado nas urnas da ex-presidente Dilma Rousseff e do então senador Aécio Neves foi próximo, mas no colégio eleitoral essa distância seria acentuada.
“É bem difícil de precisar como seria o comportamento aqui dos partidos brasileiros nesse sistema pois o sistema partidário americano é essencialmente atrelado à disputa de Democratas versus Republicanos. Como essa disputa se dá há mais de 200 anos sem interrupção, os partidos ao longo da história conseguiram construir bases geográficas sólidas", diz Faganello.
Até 2006, o voto no Brasil não tinha a forte correlação geográfica que tem hoje, com todos os estados mudando seu eixo político de tempos em tempos. Aqui as disputas então concentradas no Partido dos Trabalhadores e o partido que lidera a chapa de oposição a ele. Entre as eleições de 1994 a 2014, essa polarização se deu entre o PSDB e o PT.
Em 2018, o PSL de Bolsonaro (hoje o presidente está sem partido) foi quem rivalizou com os petistas e se deu melhor nas urnas. Nessas eleições , houve uma repetição no padrão de voto que vigora no Brasil desde 2006, com concentração petista no Nordeste, antipetista no Sudeste e alguns estados do Norte e do Sul balançando para um lado ou outro conforme a conjuntura do ano.
Assim como nos chamados estados-chave dos EUA, entre eles Pensílvânia e Geórgia, quem quiser ser presidente do Brasil, seguindo a lógica do colégio eleitorial teria que concentrar sua campanha em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, estados decisivos e que têm mudado de posição nos últimos ciclos eleitorais. Mas também não poderia se esquecer do Amazonas, Amapá, Espírito Santo e Distrito Federal, onde não há uma hegemonia duradoura entre petistas e antipetistas.