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Se houvesse 10 presos de Mariana isso não teria acontecido, diz professor

"Nada realmente mudou desde Mariana, nem mesmo a sirene tocou em Brumadinho", diz Sérgio Médici de Eston, professor titular da Poli-USP

Barragem se rompe e lama invade Brumadinho, na Grande BH (Washington Alves/Reuters)

Barragem se rompe e lama invade Brumadinho, na Grande BH (Washington Alves/Reuters)

João Pedro Caleiro

João Pedro Caleiro

Publicado em 28 de janeiro de 2019 às 20h39.

Última atualização em 29 de janeiro de 2019 às 11h54.

São Paulo - "Se houvesse uns 10 presos do caso Mariana, acho que este caso teria sido evitado".

A frase é de Sérgio Médici de Eston, professor titular da Escola de Engenharia de Minas e de Petróleo da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), sobre o desastre do rompimento da barragem em Brumadinho (MG) que tem até agora 65 mortes confirmadas.

Em entrevista para e-mail com EXAME, o professor diz que nunca há risco zero, mas critica a escolha de um método (alteamento a montante, onde a barragem usa o próprio material descartado) mais barato só que mais arriscado do que o alteamento a jusante (de prismas de terra sólida apoiados no solo).

Com mestrado em Applied Earth Sciences pela Universidade de Stanford e doutorado também pela USP, Sérgio tem entre as suas especialidades a segurança na mineração.

Veja a íntegra da entrevista concedida por e-mail para EXAME:

Sérgio Médici de Easton, engenheiro da Poli-USP

EXAME - Temos agora o segundo acidente em projetos de mineração no Brasil com alto custo humano e ambiental em apenas 3 anos. Isso é comum em outros países e é inerente a esta atividade? Ou é algo próprio do Brasil?

Não é comum este descaso em outros países desenvolvidos, é algo da cultura do Brasil, que não investe em segurança, manutenção e em planejamento de risco. Há empresas que investem sim em gerenciamento de risco sério, mas são poucas.

Quais são as semelhanças e diferenças entre os casos de Mariana e Brumadinho?

Brumadinho é bem mais grave pois veio depois de 3 anos e as perdas humanas foram muito maiores. Não houve nada indicando melhorias nos programas de prevenção e resposta a emergência após Mariana.

Um relatório da Agência Nacional de Águas de 2017 classificou a barragem de Brumadinho como de baixo risco, e em setembro houve uma auditoria da empresa alemã Tuv Sud que considerou a barragem estável. Como é feita esse tipo de avaliação e qual a margem para erro?

Não sei responder pois não participei dos dois eventos, classificação e avaliação da estabilidade. Risco zero não existe em obra de engenharia, mas sim esforço para diminuir a probabilidade de ocorrência e a mitigação dos danos.

É estranho os alemães se recusarem a dar explicações, deviam mostrar imediatamente seus estudos.

Este caminha para ser o maior acidente de trabalho da história do país, e chama a atenção que houvesse tantos funcionários em um lugar vulnerável. O que diz a lei sobre as garantias que devem ser dadas nesse caso e onde houve falha?

Falhas óbvias foram as construções no caminho que a lama percorreria, facilmente modelado. É incrível ter refeitório e administração no caminho da lama! Há 3 anos eu disse, em entrevista na televisão, que não moraria a jusante de nenhuma barragem de terra no Brasil.

Alguns especialistas apontam que as leis ambientais já são rígidas e que o problema é de fiscalização. O senhor concorda?

Sem dúvida, e quando a fiscalização é feita, muitas empresas forçam resultados; somos o país das propinas.

E a impunidade é forte: se houvesse uns 10 presos do caso Mariana, acho que este caso teria sido evitado...

Há tecnologias que poderiam ter evitado o caso? Por que elas não são aplicadas?

Sim, a metodologia de construção a jusante em vez de montante. Ela custa três vezes mais, mas é mais segura e permite compactação e melhor colocação de drenos, piezômetros, etc.

Se o lucro vale mais que vidas... E existem técnicas de secagem do rejeito, mais seguras e mais caras.

Outro ponto levantado frequentemente é que as empresas acabam praticamente regulando a si próprias, tanto por falta de capacidade técnica e financeira do Estado quanto pela "porta giratória" de quadros entre setor público e privado. O quanto há de verdade nisso? 

Sim, o Estado é omisso, e existe porta giratória em altos escalões. Nada realmente mudou desde Mariana, nem mesmo a sirene tocou em Brumadinho, nenhum simulado é feito nas barragens pelo Brasil.

Pergunto eu: quem mora em prédio no Brasil, nos últimos 10 anos, de quantos simulados de evacuação de incêndio você participou? Isso deveria ser anual.

Como as barragens, as obras de engenharia necessitam de manutenção. Viadutos desalinham, pontes caem, museus pegam fogo, etc.

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