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Ex-coordenador das UPPs: força bruta não resolve segurança no RJ

Para ex-coronel, problemas estruturais influenciam mais do que corrupção na crise de segurança do Rio de Janeiro

RODRIGUES: para ex-coronel,  problema de segurança no Rio de Janeiro é estrutural (foto/Divulgação)

RODRIGUES: para ex-coronel, problema de segurança no Rio de Janeiro é estrutural (foto/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 21 de fevereiro de 2018 às 18h33.

O Senado aprovou na noite de terça-feira o decreto que estabeleceu uma intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. O texto dá ao general do Exército Walter Souza Braga Netto, indicado como interventor, poder de planejamento e decisão sobre as ações das polícias locais. Até agora, quase uma semana depois da assinatura do decreto, pouco se sabe como funcionará a intervenção, medida inédita desde a Constituição de 1988. O que se sabe é que Braga Netto deverá definir um plano de segurança para combater o crime organizado e diminuir os índices de letalidade violenta no estado.

EXAME Hoje conversou com o coronel da reserva da Polícia Militar, ex-Coordenador Geral das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e, atualmente, antropólogo e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, Robson Rodrigues, sobre as expectativas em torno da medida e os principais problemas das polícias do Rio de Janeiro. Uma certeza:

Em setembro do ano passado, o governo enviou tropas do Exército para ajudar no patrulhamento. Agora o que muda com o decreto pela intervenção federal na segurança pública do estado é diferente?

O que vai falar se é diferente ou não são as ações. Até agora estamos com uma indefinição muito grande, o que não é bom levando em consideração a grande expectativa que está sendo gerada, em função do medo que se estabeleceu não só no Rio de Janeiro, mas no Brasil como um todo. Sabemos que os desafios são imensos. Mas não ficaram muito claros os objetivos da intervenção, até porque tecnicamente uma intervenção não se justificaria, já que ainda não foram esgotadas todas as medidas possíveis. A intervenção é um ato político, é prerrogativa do presidente da República, e hoje já é praticamente um fato ao analisar a postura do Congresso, que a aprovou com facilidade. Tecnicamente falando, saindo da questão política, a gente entende que não houve um motivo para um ato tão extremo como esse. A intervenção toma uma autonomia federativa que é um dos princípios basilares da federação. Ora, o Rio de Janeiro vive um problema? Vive. Problemas que temos em outros estados da federação, inclusive.

Em quais outros estados, por exemplo?

Temos problemas sérios no Norte e Nordeste ao analisar os índices de letalidade violenta, as taxas de homicídio. Ainda existem outros problemas seríssimos com uma criminalidade se estabelecendo de uma forma muito violenta. Agora, se formos olhar o Rio, aqui o problema é muito mais por uma incapacidade gerencial das autoridades do Estado, que não têm criatividade nenhuma, e ficavam terceirizando a responsabilidade, não faziam uma auto-crítica e não regiam. O Rio de Janeiro realmente atingiu números preocupantes, passamos a faixa dos 30 mortes violantes por 100.000 habitantes, mas não chega nem na metade do que foi no pico dos anos 1990. Se o fato foi o Carnaval, os dados de segurança pública e dos registros de ocorrências mostraram que os números são similares aos do ano passado. Lógico que os números já estavam altos, mas o que subiu foi a temperatura. 

Quais outras ações poderiam ter sido tomadas?

O Plano Nacional de Segurança Pública, por exemplo, ficou na retórica, nunca foi prioridade do governo federal. A prioridade era a Reforma da Previdência e o plano nunca saiu do papel. E, agora, nessa situação especial que é a intervenção, houve a criação do Ministério de Segurança Pública, que não precisava de intervenção para ser criado, era algo que deveria ter sido feito antes. O que preocupa é que essa motivação política por trás possa estar orientando essas ações, que não têm muito a ver com as necessidades que nós sempre clamamos e reclamamos aqui no Rio de Janeiro. As polícias têm problemas, são anacrônicas, foram moldadas de acordo com uma política errônea e equivocada de guerra às drogas, uma política que nos levou a um aumento do consumo da droga, aumento da corrupção policial, aquecimento do mercado das armas, mortes. Quando se tentou fazer algo um pouco mais racional, que foi o caso das UPPs, mesmo com todas as fragilidades do projeto, tivemos um recuo desses números. Não vai ser com força bruta que vamos resolver a segurança no Rio, é preciso atacar fatores estruturais. E eu não vi nenhuma boa vontade nesse sentido nesses dois últimos anos. Vamos ter uma maquiagem e um despejo de recursos para amenizar momentaneamente a situação de uma forma cosmética, mas que pode até render alguns resultados, que não se sustentarão ao longo do tempo. Esse mesmo partido que também estava aqui no governo do estado não se preocupou com o longo prazo, muito pelo contrário.

Na sua avaliação, quais são esses problemas estruturais?

Os problemas estruturais começam pela política equivocada de guerra às drogas. É um problema porque não se atua com inteligência. A inteligência, em tese, deveria ser produzida pela Polícia Federal, que é quem tem a competência para isso. É um problema que já extrapolou as nossas capacidades técnicas e as nossas fronteiras, então as polícias improvisam. A maior parte do esforço as polícias aqui do Rio de Janeiro é no combate ao narcotráfico, que originalmente é uma missão da Polícia Federal. No caso da Polícia Militar a missão original é o policiamento ostensivo preventivo, mas a PM caiu nesse combate às drogas e acabou abrindo mão dessa sua principal missão. As ruas estão pouco patrulhadas, porque a Polícia Militar precisa improvisar, porque não há articulação federal para que se ataque com inteligência o narcotráfico. Não se fez investimento na polícia técnica e investigativa da Polícia Civil, por isso as taxas de elucidação de criminalidade são baixíssimas. São necessários planos de médio e longo prazo. Mas, em vez disso, se joga com o medo da população.

Uma das medidas apontadas como importantes para resolver problemas de segurança é uma maior integração institucional. Nesse sentido, concentrar os poderes de decisão e planejamento na mão de um interventor pode ser positivo?

Ainda está muito indefinido qual a extensão desse poder. Esse poder vai ter ingerência sobre o Ministério Público, por exemplo, que tem que fazer a fiscalização das polícias? Será que vai ser feito isso? Vai ter poder e gerência sobre a Justiça? Acho que não. Eu acho que tem que ter uma articulação que deve partir do Governo Federal, articular Ministério Público, Justiça, em nível federal. Diagnósticos de segurança pública não faltam, esses problemas estão sendo apontados há muito tempo, então tem que pegar e resolver. Mas será que é essa a vontade? Eu não sei. Estou bastante cético, esperando e aguardando.

Quais são os problemas que deverão ser enfrentados dentro da Polícia Militar?

O problema da reforma das polícias, não da PM só. A Polícia Civil tem baixas, precisa de uma reformulação gerencial urgente, tem que aumentar a capacidade de investigação, porque a baixa capacidade de investigação aumenta a sensação de impunidade e aumenta o crime, é mais trabalho para estruturas colapsadas, isso no curto prazo. Agora, tem que ter plano e tem que ter diagnóstico, isso já se tem. A polícia militar é problema de capacidade de entrega de policiamento ostensivo. Para isso, tem que desmilitarizar a polícia. Tem que definir muito melhor uma integração entre a polícia civil e a militar e criar um plano de carreira que motive os policiais.

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