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Rixa PDT, Lula x Bolsonaro e clamor por renovação: a disputa acirrada em Fortaleza

A dias do segundo turno, pesquisas eleitorais na capital cearense mostram empate técnico entre André Fernandes (PL) e Evandro Leitão (PT)

A eleição em Fortaleza é uma das mais importantes para o PT, que está fora do comando da capital desde 2016. Vitória do PL também seria representativa ao partido, que almeja ampliar presença na região do Nordeste com vistas para 2026 (Facebook/Reprodução)

A eleição em Fortaleza é uma das mais importantes para o PT, que está fora do comando da capital desde 2016. Vitória do PL também seria representativa ao partido, que almeja ampliar presença na região do Nordeste com vistas para 2026 (Facebook/Reprodução)

Publicado em 23 de outubro de 2024 às 10h32.

Última atualização em 24 de outubro de 2024 às 14h55.

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FORTALEZA, CEARÁ — "A cidade está muito dividida. Não tem como saber quem ganhará". A cinco dias da eleição para prefeito de Fortaleza neste segundo turno, é assim que resume à EXAME um motorista de aplicativo sobre o clima da disputa no quinto maior município do Brasil, com mais de 2,4 milhões de habitantes.

Pela orla da capital cearense, entre os populares que ganham a vida na região, seja trabalhando com transporte, seja atendendo em restaurantes à beira-mar, ninguém parece ter muita clareza de qual será o resultado nas urnas no próximo domingo, 27 — como também apontam as pesquisas eleitorais. De acordo com os principais institutos, até o momento, André Fernandes (PL) e Evandro Leitão (PT) estão tecnicamente empatados.

A incógnita fica evidente pelas ruas. Num trajeto de pouco mais de 15 minutos pela cidade, a EXAME notou que bandeiras e adesivos dos dois candidatos se dividem quase que na mesma proporção, principalmente nas áreas mais residenciais de Fortaleza. É comum ver uma sequência de carros com adesivos intercalados: ora do candidato do PL, ora de seu oponente do PT. Leitão já somou despesas de R$ 14, 3 milhões e Fernandes, R$ 11,2 milhões, segundo dados do TSE até o dia 21 de outubro.

"Aqui está uma guerra", descreve o motorista de aplicativo.

A metáfora bélica não parece exagerada. A disputa na cidade neste pleito trouxe à tona brigas afiadas de antigos aliados e divisões nos campos da esquerda e da direita que, sobretudo, podem dar sinais importantes para a disputa de forças a nível nacional em 2026.

Não à toa, esse é um dos pleitos mais importantes para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Não apenas por emplacar um candidato de seu partido em uma capital, mas por valores simbólicos que uma vitória de seu campo teria no município mais populoso do Nordeste depois de 8 anos, que pertence a um estado governado há 9 anos por petistas e que é berço de uma de suas apostas em renovação entre os petistas, o ministro da Educação, Camilo Santana.

A derrota ainda seria interpretada como um espaço de avanço da sigla de seu antecessor, o presidente Jair Bolsonaro (PL), representado na figura de Fernandes.

O deputado passou em primeiro no segundo turno, com 40,2% dos votos válidos, e sai na frente também por conseguir captar um sentimento de mudança e um discurso oposicionista ao governo da situação que vem se consolidando desde 2020, na época com o ex-deputado Capitão Wagner (União Brasil), como destaca a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM-UFC), Monalisa Soares.

"A eleição do atual prefeito José Sarto (PDT) foi complexa há quatro anos, porque estava saindo de uma liderança muito popular e carismática, o ex-prefeito Roberto Cláudio, para um candidato com uma imagem não tão forte e palatável (Sarto)", diz Soares.

Na época, o atual prefeito, que não chegou ao segundo turno neste ano, obteve a vitória por uma margem apertada de 51% contra 48% de Wagner em segundo turno. O confronto já sinalizava, na opinião da professora, um desgaste com as décadas de gestão da centro-esquerda na cidade — PT, PSB e PDT comandam Fortaleza desde 2005. Esse sentimento cresceu desde 2020.

O processo foi agravado pela gestão de Sarto, pouco evidente nos dois primeiros anos de gestão, e pela percepção de insegurança urbana na cidade, explica Soares, da UFC. A mobilização do grupo sobre a tônica da mudança permitiu o avanço do Capitão Wagner ao segundo turno para o governo do Estado em 2022 e garantiu Fernandes e Carmelo Neto (PL) como os deputados federal e estadual, respectivamente, mais bem votados pelo Ceará.

"Esse grupo bolsonarista fez vários movimentos para manter a base mobilizada, buscar o comando do PL no Ceará, tudo isso para centrar todas essas energias nesta disputa em Fortaleza", afirma a professora.

Mas é o discurso oposicionista de André Fernandes, acrescenta Soares, que organiza e captura esse sentimento de certo cansaço com as últimas gestões e ausência de atuação da direita.

"Ele se coloca como o candidato antissistema, anti-elite política e reforça muito o sentimento nas periferias da cidade. O tema da segurança também é muito forte", afirma a professora. "Nesse sentido, ele captura uma certa oposição que tem o candidato do PT, em virtude dos desafios que a gestão estadual (Elmano de Freitas) tem em enfrentar o tema [da segurança]."

André Fernandes e o tom por renovação

Aliado de Bolsonaro, o deputado federal André Fernandes tem apenas 26 anos, e na visão da coordenadora do Lepem tem conseguido reunir os símbolos de inovação que a população de Fortaleza mostra buscar nesta eleição, principalmente entre os mais jovens.

O resultado se deve à forte presença do deputado nas redes sociais, especialmente no TikTok, onde viraliza com jingles e danças. Um estudo do departamento de Comunicação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro mostrou que Fernandes foi o candidato com maior engajamento médio na plataforma entre 16 de agosto e 16 de setembro, classificado inclusive pela instituição como "influenciador político".

O deputado do PL se notabilizou como youtuber, com vídeos críticos à imprensa nacional, opiniões antipetistas, declarações sobre a segurança pública e polêmicas. Mas, nesta campanha, adotou um discurso moderado e focado em se apresentar como o candidato da mudança. Fernandes também soube, na avaliação da especialista, se mostrar como o candidato bolsonarista para o eleitor mais ideologizado, mas sem entrar na polarização nacional, ao abrir a campanha com a figura de Bolsonaro e depois "escondê-lo".

"Esse grupo [de eleitores que apoiam Bolsonaro] já fechou com ele. Fernandes não precisou ficar falando porque ele inclusive sabia que isso poderia ser um teto para sua campanha", diz Soares.

A força do candidato do PL também reside nas zonas eleitorais da periferia da cidade, onde em alguns casos abriu mais de 10 pontos percentuais de vantagem sobre seu oponente do PT e também sobre o eleitorado evangélico.

"Isso mostra o perfil de mobilização de sua campanha, super mobilizada desde o início com comitês nas periferias. Houve muito investimento nessa presença e conexão. E o fato de ter mobilizado uma discussão de futebol, também mobilizou esse eleitor jovem, com danças e musicas no TikTok. Ele faz várias divulgações, colocando-se quase como um artista".

LEIA MAIS: Capitais do Nordeste têm disputa liderada pela centro-direita e PL mais competitivo que o PT

Nesta reta final o maior desafio do candidato, porém, é atrair o eleitorado de mulheres. O instituto Quaest mostra, por exemplo, que o candidato reproduz o que aconteceu na disputa presidencial entre Bolsonaro e Lula em 2022. Com homens de renda alta e evangélicos ao lado do deputado do PL, enquanto mulheres, principalmente as de baixa renda e católicas, preferem Evandro Leitão.

"Isso é bem explorado pela campanha petista. Há imediatamente uma rejeição das mulheres a esse projeto mais alinhado ao bolsonarismo. E no caso de André Fernandes, tem muitos vídeos, inclusive usados por Capitão Wagner e Sarto – que fizeram uma forte campanha negativa contra ele no primeiro turno, ainda que agora o apoiem – explorando a pecha de machista, misógino, de apoiador de violência. Um vídeo clássico é ele segurando uma caixa e dizendo 'vamos supor que é minha namorada', e ele esfaqueia a caixa", afirma Soares.

"Ele tem feito movimento para atenuar essa rejeição. Agora lançou uma proposta 'Merenda Feliz', que se dirige às mulheres como 'mãezinhas' e diz que enviará merenda no final de semana".

As estratégias de Evandro Leitão

Nesta semana, o líder do governo Lula na Câmara e deputado federal, José Guimarães (PT-CE), divulgou um vídeo de Fernandes, em que o candidato do PL diz "dane-se" à quantidade de mulheres mortas por feminicídio.

O material não aponta a data de realização e a campanha tenta colar ao rival a imagem de "machista" e, diferentemente do adversário, aposta na polarização nacional para levar a disputa neste domingo. Isso porque Lula derrotou Bolsonaro com certa vantagem na eleição de 2022, por 58,18% a 41,82% dos votos válidos, em Fortaleza.

Mas parte da alavancada do petista na corrida eleitoral, que chegou a aparecer em quarto nas primeiras pesquisas eleitorais, deve-se mais, na avaliação da coordenadora do LEPEM-UFC, à associação com Camilo Santana, que conseguiu fazer a imagem relativamente desconhecida de Leitão ser revertida no primeiro turno por causa de sua força na região.

Como o candidato de Lula, o deputado estadual tenta cunhar em Fernandes a pecha de "mini-Bozo" e nessa semana vem fortalecendo suas ações e divulgações de propostas sobre as cidades em redes sociais como o Instagram, onde soma 135 mil contra 2 milhões do oponente do PL.

A busca pela aproximação ao eleitorado mais jovem também o fez levar à capital cearense o prefeito de Recife, João Campos (PSB), reeleito neste ano com mais de 70% dos votos, e também reconhecido como um fenômeno nas redes sociais.

Mas o principal desafio da campanha do petista, contudo, é se apresentar como "mudança", explica a professora da Universidade Federal do Ceará.

"Tendo em vista a gestão estadual do PT, a gestão nacional de Lula, inclusive o fato de que Evandro Leitão foi a pouco tempo atrás (dezembro de 2023) do PDT, o partido do atual prefeito Sarto, é difícil para ele encarnar esse perfil de mudança. E o contraste visual também é forte. O Leitão personaliza a imagem que se tem de um político tradicional, ele é um parlamentar, presidente da Alerce, inclusive do ponto de vista de sua performance. André tem várias músicas, brincando que o Evandro gagueja, troca as palavras", afirma.

"O desafio para sua campanha é conseguir projetar minimamente de que ele pode ser uma mudança, tanto que a campanha petista trabalha agora com a ideia de que André Fernandes é uma aventura. A campanha não foi muito mobilizada no primeiro turno, mas agora ela está. As lideranças se separaram, cada uma faz uma caminhada num bairro periférico da cidade. As redes sociais dele mudaram muito,  mas há uma apreensão sobre o debate final da TV Verdes Mares, afiliada da Globo".

A rixa PT e PDT e suas consequências

Nesse cenário de obstáculos para as forças petistas, Monalisa Soares ainda vê o bolsonarismo se fortalecendo com o racha entre o PDT e PT.

De um lado, a campanha de André Fernandes tenta fazer com seu adversário seja ligado ao grupo que nos últimos 12 anos esteve no comando da cidade. Mas, na prática, o ex-prefeito Roberto Cláudio declarou apoio ao candidato bolsonarista e o atual prefeito se neutralizou.

Parte do PDT que apoia Fernandes segue a ala mais "cirista" do partido, que rompeu com o PT nas eleições presidenciais de 2022 após 16 anos de aliança na região. A divisão também segue a divergência aberta pelo ex-governador e ex-presidenciável Ciro Gomes (PDT), com o irmão e senador Cid Gomes (PSB), que apoiou o candidato do PT contra Sarto, aliado de Ciro.

Nesse caso, o racha da esquerda em uma cidade governada por esse espectro político fortalece a candidatura de Fernandes que, embora tecnicamente empatada, aparece numericamente à frente de Leitão nas últimas pesquisas. O apoio de pedetista ainda coloca a força da máquina pública na candidatura do PL, segundo Soares, com repercussão no eleitorado que o apoiou na reeleição.

Reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que Sarto exonerou nos últimos dias secretários e funcionários comissionados que declararam apoio ao petista na disputa de segundo turno contra o bolsonarista.

Ainda assim, a professora e coordenadora do LEPEM-UFC não avalia que uma eventual vitória de Fernandes no domingo possa indicar que o eleitorado de Fortaleza está mais ou menos conservador, mas ele se apresentará com força em 2026, caso o PL consiga na capital construir uma "gestão vitrine", criando um novo desafio, dessa vez, para Lula e a candidatura do PT ao governo estadual.

"No geral, André Fernandes não fez uma campanha falando do conservadorismo. Ele encarna muito mais um sentimento forte de mudança, de desejo de renovação, que a cidade de fortaleza vem sinalizando. Se vencerem, terão a capital e a partir desse lugar que ele pode organizar um projeto oposicionista para 2026. Mas quem tem Fortaleza dificilmente consegue o estado, porque o governo no interior tem mais conexão com o atual governo (de Lula)", afirma.

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