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Refugiados estudam sistema bancário brasileiro para evitar armadilhas

Lidar com as regras bancárias novas é apenas um dentre os diversos desafios enfrentados por quem busca recomeçar suas vidas em um novo país

Refugiados: grupo do Rio de Janeiro estuda sistema bancário brasileiro (Rovena Rosa/Agência Brasil)
AB

Agência Brasil

Publicado em 7 de setembro de 2019 às 11h45.

Lidar com as regras de um desconhecido sistema bancário é apenas um dentre os diversos desafios enfrentados por quem busca recomeçar suas vidas em um novo país. Mas a falta de certas informações pode levar a escolhas ruins que dificultam a busca pelo equilíbrio financeiro. Buscando evitar as armadilhas, um grupo de refugiados e imigrantes residentes no Rio de Janeiro a se mobilizarem em busca de conhecimento.

"Pude compreender melhor sobre os créditos. Não se deve aceitar o que os bancos estão oferecendo sem pensar com calma. Tem que ter consciência", disse a venezuelana Yennifer Zarate, após participar na última terça-feira (3) do painel Refugiados e a Empregabilidade no Brasil, que tratou do assunto. A iniciativa é da gerência de responsabilidade sociocultural da estatal Furnas. Venezuelanos, congoleses, sírios e outros estrangeiros puderam acompanhar gratuitamente a exposição de diversos especialistas.

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O russo Andrei Kisselev, que morava no Uruguai e se mudou para o Brasil há cinco meses por enxergar no país um melhor cenário econômico, saiu satisfeito. "Acho que posso fazer aqui alguns negócios com mais êxitos. E o que foi falado é extremamente importante, porque são coisas muito específicas. Me interessa muito os detalhes que possam ter relação com importação e exportação, porque é algo que estou começando a negociar. E essas informações ajudam a evitar problemas e a nos preparar antes de começar uma atividade".

Claudia Regina Tenório, assistente social de Furnas, conta que os próprios refugiados, durante a edição anterior do painel, reivindicaram uma discussão específica sobre sistema financeiro. Ela destaca como o conhecimento pode ser determinante e cita casos em que estrangeiros perderam oportunidades de trabalho porque não estavam previamente informados sobre a possibilidade de se registrarem como microempreendedor individual (MEI).

O registro de MEI dá ao profissional autônomo o status de pequeno empresário. Ele passa a figurar no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), o que pode ajudar a abrir portas no mercado de trabalho. "Não basta que as oportunidades existam. É preciso oferecer conhecimento para que eles possam estar preparados para aproveitar essas oportunidades", diz Cláudia.

Engenheira industrial, Yennifer trabalhou por anos em uma mineradora na Venezuela e decidiu deixar o país há um ano e cinco meses. Ela precisou andar por oito dias antes de alcançar Boa Vista, capital de Roraima. De lá, sem recursos e passando fome, conseguiu uma carona que lhe levasse até Manaus, onde teve apoio para chegar ao Rio de Janeiro.

"Meu filho e meu marido faleceram, o que me fez decidir sair do meu país. Meu filho morreu recém-nascido por falta de oxigênio. Nenhum hospital na região estava equipado. E depois meu marido sofreu um acidente. Fiquei desesperada e pensei: 'se eu fico, vou morrer também'. A crise econômica afetava tudo. Mesmo uma gripe poderia matar porque não havia condições mínimas de atendimento".

No Brasil, ela está reconstruindo sua vida. Tornou-se artesã e obteve, no ano passado, seu registro como MEI. Ela cita como fundamental o acolhimento da Cáritas, entidade humanitária vinculada à Igreja Católica. "Cheguei no Rio, não sabia o que fazer, não falava nada de português. Mas fui informada na Cáritas sobre o curso de cuidador que é oferecido por Furnas e me inscrevi. Com o curso, consegui um trabalho com pacientes com câncer e no tempo livre aprendi a costurar, o que me deu uma nova atividade. Hoje eu vendo produtos em várias feiras, em Copacabana, em Botafogo, na Freguesia", celebra.

Encontrar uma nova atividade econômica após deixar seu país, como no caso de Yennifer, é comum. Dados de uma pesquisa divulgada em junho pela Universidade Federal do Paraná, em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), revela que apesar de possuírem geralmente alta qualificação, a maioria dos estrangeiros refugiados no Brasil trabalha de forma autônoma e não consegue atuar na área de formação.

Dos 462 refugiados entrevistados, 315 desenvolviam atividades distintas daquelas vinculadas à sua profissão anterior, o que representa 68% do total. Além disso, 19% estavam desempregados neste período. O índice é superior à média nacional de 11,8% apurada no mês passado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O país reconhece mais de 11 mil refugiados , segundo dados da Acnur de dezembro de 2018.

Enquanto busca se preparar para crescer com suas novas atividades profissionais, Yennifer continua enfrentando dificuldades impostas pela situação econômica de seu país. "É muito difícil. Abri minha microempresa em novembro e só no mês passado consegui dar a minha mãe essa notícia. Onde ela mora, as condições de comunicação são precárias. Mas finalmente contei que minha empresa se chama Alice Artesanatos em homenagem a ela."

Alertas

No painel organizado por Furnas, Yennifer pôde aprender as diferenças entre uma conta corrente e uma conta salário e entender algumas taxas cobrados por bancos. Ela também foi alertada sobre o alto índice de endividamento e inadimplência no país.

"Falar para o refugiado é um desafio pois é um público muito heterogêneo. Você tem pessoas de nacionalidades diferentes e que vieram de realidades socioeconômicas muito diferentes. Há pessoas que mesmo vindo de realidades parecidas, vivem situações distintas no Brasil: umas mais outras menos estabilizadas. Fiz um exercício de me imaginar como estrangeiro. O que eu preciso saber para que não caia em armadilhas? Os brasileiros já têm dificuldade, imagina o estrangeiro que acabou de chegar?", disse um dos palestrantes, Victor Ayres, analista de projetos do Instituto Sicoob, entidade vinculada ao Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil.

Victor destaca os problemas advindos da falta de cautela no uso do cheque especial e do cartão de crédito, que possuem juros altos. Ele orientou os refugiados a pesquisar outras modalidades de crédito, com condições mais favoráveis, caso necessitem de recursos para impulsionar seus negócios.

Outra dica do palestrando foi sobre o pacote de serviço bancário. "Muitos refugiados estão vendo dinheiro sair de suas contas correntes e não sabem o porquê. Quando eles foram abrir a conta, o funcionário do banco ofereceu o pacote básico para eles que custa cerca de R$ 10 por mês. Mas provavelmente não contaram que existe a opção gratuita, que é o pacote essencial", explica. O pacote essencial permite ao correntista mensalmente efetuar quatro saques, realizar duas transferências entre contas da mesma instituição e retirar dois extratos no caixa eletrônico. Se esses limites forem suficientes para a pessoa, ela pode pedir o cancelamento do pacote básico.

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