Brasil

Reformas para fortalecer a economia

Nenhum país vai escapar ileso da crise. Mas o governo brasileiro poderia adotar uma série de medidas que, em pouco tempo, ajudariam a economia a sair mais forte lá na frente

Presidente Lula no campo de Jubarte, no Espírito Santo: mais uma estatal para o petróleo?

Presidente Lula no campo de Jubarte, no Espírito Santo: mais uma estatal para o petróleo?

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Da Redação

Publicado em 16 de outubro de 2010 às 12h43.

Após dois meses de crise global acirrada, o mundo todo já se acostumou com a idéia de que ninguém vai escapar ileso desta - a questão agora é saber a magnitude do impacto. Para que o baque seja o menor possível, o governo brasileiro tem uma oportunidade única de promover uma "operação faxina" no funcionamento da economia, eliminando o cipoal burocrático que atrasa investimentos, inibe a criação de empregos e deprime o crescimento. Segundo o Banco Mundial, que publica um ranking sobre o ambiente de negócios em 181 países, em 2009 o Brasil despontará na 125ª colocação, atrás do Paraguai e da Etiópia. Entre outros prejuízos, a barafunda burocrática retarda a construção de hidrelétricas, pereniza o caos nos aeroportos e eleva os custos de exportação - todos esses setores integram o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado há quase dois anos pelo governo e que até agora não decolou. Não se trata de ignorar que o país ainda tem pela frente uma necessidade gritante de reformas constitucionais profundas que dependem de maioria qualificada no Congresso e tendem a levar anos até ser aprovadas. O ponto é notar que, no curto prazo, muitos gargalos da economia podem ser eliminados pelo Poder Executivo com a revisão de regras esdrúxulas e com mais agilidade decisória. "Além de posicionar o país para uma futura retomada do crescimento global, a diminuição da burocracia melhoraria a percepção do Brasil perante os investidores", diz Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib). A seguir, seis exemplos de gargalos que, se removidos, beneficiarão o crescimento.

1) Terceirização de funcionários

Com algum empenho do governo junto às suas lideranças no Congresso, seria possível aprovar rapidamente o Projeto de Lei no 4.302, que acaba de desembarcar na Câmara e trata da regulamentação do mercado de trabalho de aproximadamente 10 milhões de funcionários terceirizados no país. A grande novidade do texto é permitir a contratação de terceirizados não apenas nas chamadas atividades-meio, como segurança e limpeza, já autorizada hoje, mas também nas atividades-fim das empresas. "Esperamos que a lei seja aprovada até o próximo mês de maio", diz Francisco Gadelha, porta-voz da Confederação Nacional da Indústria para questões trabalhistas. Mas, apesar de garantir amplos direitos aos funcionários, a matéria, que vem sendo negociada há 14 anos no Congresso, ainda enfrenta resistência das centrais sindicais. "Essa lei seria um avanço enorme para o mercado de trabalho brasileiro", diz José Pastore, professor da Universidade de São Paulo e especialista em questões do trabalho. "Estudos feitos no mundo inteiro confirmam que a terceirização adequada aumenta a eficiência das empresas e a qualificação dos funcionários terceirizados."


2) Setor elétrico

Segundo um levantamento da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia Elétrica (Abiape), que representa empresas como Vale e Gerdau, existem nada menos do que 12 pedidos de licenciamento de usinas pendentes há pelo menos seis anos no Ibama e nas secretarias de Meio Ambiente de Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina. Juntas, tais hidrelétricas têm potencial de geração de mais de 2 300 megawatts, o equivalente às usinas operadas pela AES Eletropaulo no rio Tietê. Uma vez licenciados, esses empreendimentos devem gerar um investimento de 7 bilhões de reais e a criação de 28 000 empregos diretos durante sua construção. O caso mais flagrante é o do licenciamento da usina de Santa Isabel, do consórcio Gesai, liderado pelas mineradoras Vale e BHP Billiton, que já dura sete anos. Leiloada em 2001, a concessão de Santa Isabel, a ser erguida no rio Araguaia, entre Pará e Tocantins, custou 123 milhões de reais ao consórcio. Em 2002, alegando que o rio deveria permanecer virgem, o Ibama declarou que a usina era inviável. Mas, recentemente, sinalizou que vai reavaliar a licença de Santa Isabel. "Se a usina for licenciada, as obras poderiam começar já em 2009", diz Mário Menel da Cunha, presidente da Abiape. "O atraso penaliza o próprio meio ambiente e os consumidores, pois a alternativa são as termelétricas, que produzem energia mais cara e poluente." No curto prazo, o Ibama e os estados deveriam dar prioridade ao licenciamento dessas usinas. Mais à frente, é preciso que as leis ambientais do país sejam revistas e que o processo de licenciamento seja racionalizado.

3) Turismo

Para atrair mais visitantes estrangeiros, sobretudo os americanos, uma boa providência é o fim da exigência de visto para turistas. Nesse caso, o governo teria de vencer a resistência do Itamaraty, que prega a reciprocidade em relação ao tratamento dado ao turista brasileiro nos Estados Unidos. Segundo a Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), em 2007 o Brasil recebeu cerca de 700 000 turistas americanos. "Se o Brasil desistir do visto, mesmo com a crise o número de turistas americanos cresceria cerca de 30%, gerando uma receita adicional de 350 milhões de dólares por ano", diz Pedro Fortes, autor de um estudo sobre o tema para a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih).


4) Aeroportos

A fim de eliminar o caos aéreo, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estuda um modelo de concessão privada para os 68 aeroportos geridos pela Infraero, estatal célebre por apadrinhamento político e por corrupção em obras de ampliação de aeroportos como o de Guarulhos, em São Paulo. A Anac não comenta o assunto, mas estima-se que o plano de concessões seja anunciado em 2009. "Se o governo quiser garantir o cumprimento do cronograma da Copa do Mundo de 2014, deve fazer a concessão dos aeroportos à iniciativa privada", diz André Castellini, consultor da Bain especializado no setor aéreo. Outra questão importante é o futuro da Infraero. O governo tem emitido sinais contraditórios a respeito, ora sinalizando que vai privatizá-la, ora dando a entender que ela permanecerá como estatal. O ideal seria que o governo a privatizasse, tornando-a mais eficiente. "No futuro, a exemplo do que já acontece com a Eletrobrás no setor elétrico, o monopólio da Infraero precisará ser quebrado e ela deverá se submeter a licitações, como as demais empresas do ramo", diz Paulo Godoy, da Abdib. O resultado deve ser ganhos de eficiência, segurança e conforto para os 110 milhões de passageiros que utilizam os aeroportos do país.

5) Gás e petróleo

Eis um caso único em que o que se espera do governo é a inércia - que ele aposente de vez os planos de mudar a Lei do Petróleo para criar mais uma estatal a fim de cuidar dos lucros da camada do pré-sal. "Só assim o governo restauraria a segurança jurídica para os investidores privados, facilitando a exploração dos novos campos", diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura. Num país que já tem a Petrobras, a manutenção do atual marco regulatório facilitaria o financiamento privado da exploração de petróleo em águas ultraprofundas, uma empreitada estimada entre 400 bilhões e 1,3 trilhão de dólares. Nem a Petrobras nem a União têm os recursos necessários.

6) Criação e fechamento de empresas

Nesse quesito, a solução passa pela alteração da legislação federal. Mas o benefício para o país mais do que justifica o esforço do governo no convencimento dos congressistas. Segundo o tributarista e ex-diretor da Receita Federal Everardo Maciel, com uma nova lei seria possível abolir a atual via-crúcis de 18 procedimentos exigidos para abrir um negócio no país. A solução é criar um cadastro fiscal unificado, dispensando as inscrições municipal e estadual, entre outras obrigações, como o alvará do Corpo de Bombeiros. Outra novidade seria a permissão para que novas firmas fossem abertas e fechadas em qualquer órgão tributário ou junta comercial, e não apenas nos cartórios de registro. "Essa nova lei seria uma verdadeira revolução no ambiente de negócios do país, beneficiando cerca de 400 000 firmas por ano", diz Maciel. Segundo ele, o prazo atual de 152 dias para abrir uma empresa cairia para menos de uma semana.


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