Quatro pessoas depõem em 1º dia do júri da Chacina de Osasco
O júri foi marcado pelo argumento de que as provas contra os suspeitos dos ataques, que resultaram na morte de 17 pessoas ano passado, são frágeis
Agência Brasil
Publicado em 19 de setembro de 2017 às 06h58.
Quatro testemunhas foram ouvidas no primeiro dia do julgamento da Chacina de Osasco: três investigadores e um sobrevivente. A sessão, que estava marcada para começar às 13h, teve início por volta das 16h.
O júri foi marcado pelo questionamento das provas pela defesa, que argumenta fragilidades nos indícios que levaram dois policiais militares e um guarda civil a julgamento.
Para a promotoria, a defesa se comportou de forma desrespeitosa com as testemunhas que respondiam pelas investigações, o que, na avaliação do promotor Marcelo Oliveira, demonstra "desespero". O julgamento começou nessa segunda-feira (18).
"Eu vi um capitão da Corregedoria da PM [Polícia Militar] ser tratado como réu. Vi um delegado ser tratado como bandido pela forma como as perguntas foram feitas e, o pior, eles vão ter que ficar incomunicáveis para fazer uma acareação amanhã, que, na minha avaliação, não tem sentido nenhum", disse o promotor.
Ele se refere aos depoimentos de Rodrigo Elias da Silva, chefe da equipe de investigação da Corregedoria Militar, e de José Mário de Lara, delegado de polícia do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
A pedido da defesa, os dois depoentes ficaram recolhidos para participar de uma acareação com uma testemunha protegida.
De acordo com os advogados dos réus, o confronto de posições é necessário para esclarecer a versão de um sobrevivente que reconheceu o policial Fabrício Emmanuel Eleutério.
Os defensores sustentam que não há certeza de que Elias, codinome da vítima que está sob proteção, tenha sido realmente atingido pelos disparos dos homens encapuzados.
Segundo a advogada de defesa de Eleutério, Flávia Artilheiro, Elias consta como tendo sido atendido no pronto-socorro naquela noite, mas o fato não foi registrado em boletim de ocorrência.
Ela aponta que "duas testemunhas da fase inquisitorial relatam que naquele local, na Rua Suzano, foi alvejado um adolescente entre 14 e 17 anos". Flávia explica que essas características não se aplicam a Elias.
"A não ser o fato dela alegar ser vítima desse episódio, não há qualquer lastro documental que o vincule a este fato", diz. Para a promotoria, o questionamento não cabe, pois as investigações mostraram que Elias foi atendido no hospital e a falta de registro policial decorre do grande número de atendimentos feitos no dia dos ataques.
Para Oliveira, a associação da vítima a um adolescente decorre das vestimentas dele no momento. "A ideia [da defesa] é tirar a credibilidade de qualquer pessoa que tenha participado das investigações", disse o promotor. Foi por causa do atraso da testemunha que participará da acareação que a sessão teve início após três horas do horário previsto. Ela foi trazida por policiais.
"Ela estava com medo. Penso eu, não queria ter vindo, tanto é que teve que ser conduzida para cá. Todo mundo tem receio. Uma matança dessa proporção faz com que quem a presenciou e saiba de alguma coisa pense: 'Se eu falar algo, a mesma coisa pode acontecer comigo'", disse Oliveira.
As oitivas terão continuidade nesta terça-feira (19) a partir das 10h. O plenário do Fórum Criminal de Osasco está reservado para 12 dias de julgamento.
Por uma questão de segurança, a rua em frente ao tribunal foi interditada a pedido da juíza Élia Kinosita Bulman, que preside a sessão.
O caso
Os réus são acusados de participação nos ataques ocorridos na região metropolitana de São Paulo, que resultaram na morte de 17 pessoas e no ferimento a bala de mais sete em 13 de agosto de 2015. Os assassinatos aconteceram em um intervalo de aproximadamente duas horas.
Eleutério e o policial Thiago Barbosa Henklain respondeu por todas as mortes, enquanto o guarda civil Sérgio Manhanhã, que teria atuado para desviar viaturas dos locais onde os crimes ocorreriam, foi denunciado por 11 mortes.
Eleutério, Henklain e Maranhã vão responder por organização criminosa e homicídio qualificado. Somadas, as penas podem chegar a 300 anos de prisão, disse o promotor do caso.
De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério Público, os assassinatos ocorreram para vingar as mortes do policial militar Admilson Pereira de Oliveira, que foi baleado ao reagir a um assalto a um posto de gasolina onde fazia "bico" como segurança, e do guarda civil de Barueri Jeferson Luiz Rodrigues da Silva, que foi morto também após reagir a um assalto.
Provas
Para a defesa de Fabrício Eleutério, o reconhecimento dele por uma vítima não seria suficiente pois as circunstâncias em que Elias se apresenta como sobrevivente são questionáveis.
"Desde o começo, sem o auxílio de nenhum advogado, ele conta a mesma versão. Ninguém anda por aí criando álibi. Ele efetivamente contou o que ele fez naquele dia com detalhe, se deram importância ou não para apurar, é responsabilidade da acusação, porque a responsabilidade de prova é deles", dissse Nilton Nunes, um dos advogados da defesa do policial.
Eleutério é descrito como um homem dissimulado pela promotoria. Durante o julgamento, após a entrada dos jurados, o réu chorou por diversas vezes, segurando uma Bíblia.
"É o que mais está acostumado com aquele banco, infelizmente. Cada um que tire a sua conclusão", disse Oliveira aos jornalistas após o término da sessão. Fabrício responde por participação em chacinas similares à de 2015. Para os advogados, o policial estava emocionado. "Ele está muito esperançoso, apesar da alma angustiada, de que a Justiça vai se realizar", disse Flávia Artilheiro.
A troca de mensagens entre Manhanhã e Victor Cristilder (policial também acusado pelos crimes, mas que recorreu e será julgado em separado) é a principal prova de ligação do guarda civil com o crime.
A defesa questiona a validade da forma como os conteúdos, que tinham sido apagados, foram recuperados. As mensagens foram trocadas antes do início dos fatos, com uma mão fazendo sinal de positivo, e, ao final, com o mesmo símbolo e com outro representando um braço forte.
"O telefone teria que ser periciado pelo Instituto de Criminalística e não um relatório [da Unidade de Inteligência Policial]", diz Abelardo Rocha, advogado do guarda.
Em relação a Heinklain, há relato de testemunha de que o policial discutiu com a esposa, que o teria reconhecido em imagens de câmeras de segurança divulgadas por emissoras de televisão sobre o caso.
A discussão foi ouvida por uma pessoa, que relatou o ocorrido para outra pessoa próxima, que, por sua vez, testemunhou à Polícia Civil.
Essa testemunha é chamada de "Gama" nos autos. No entanto, a testemunha teve medo de reafirmar o depoimento perante a juíza.
Para o advogado Fernando Capano, responsável pela defesa de Heinklain, a investigação falhou ao não procurar diretamente a pessoa que ouviu o relato que incriminaria o policial.
"O delegado responsável diz que, na verdade, ele sabe, tem ciência, sabe quem é que teria ouvido a discussão presencialmente, mas que simplesmente achou que não deveria ouvi-lo", criticou.
O delegado Andreas Schiffmann, que ficou responsável por parte das investigações e também foi ouvido, disse que o medo da testemunha foi determinante para que esse caminho não fosse perseguido.