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Por que o Brasil para quando os caminhoneiros fazem greve

A paralisação desta semana expôs um problema quase invisível da dinâmica econômica do país: os gargalos de infraestrutura

 (Ueslei Marcelino/Reuters)

(Ueslei Marcelino/Reuters)

Luiza Calegari

Luiza Calegari

Publicado em 27 de maio de 2018 às 08h30.

Última atualização em 27 de maio de 2018 às 08h30.

São Paulo — Na hora de escolher um candidato nas eleições, poucos brasileiros consideram as propostas apresentadas para investimento em infraestrutura no país. Essa indiferença, somada à tendência de os governantes pensarem só no curto prazo ao determinar os investimentos do país, nos levou ao quadro atual: uma economia totalmente dependente do transporte rodoviário.

O último levantamento da Empresa de Planejamento e Logística do governo federal (EPL) mostra que 65% da carga do país é transportada por meio das rodovias e só 15% circulam por ferrovias. Outros 11% são transportados por cabotagem (quando um navio se desloca entre portos do mesmo país); 5% por hidrovias; 4% por dutovias; e só 0,2% por via aérea.

Não é de se espantar, portanto, que uma única categoria – a dos caminhoneiros – tenha tamanha influência no funcionamento da dinâmica econômica do país. Esse é um problema que se arrasta desde a década de 1960, segundo Luiz Vicente Figueira de Mello Filho, especialista em mobilidade urbana do Mackenzie Campinas.

Desde os “50 anos em 5” (lema de Juscelino Kubitschek, que enfatizou a construção de estradas em seu governo, entre 1956 e 1961) o país não consegue abandonar a predominância do modal rodoviário para o  transporte de cargas. Mello Filho explica que, na época, o desenvolvimento acelerado do país só foi possível porque é cerca de três vezes mais rápido construir uma estrada do que uma ferrovia.

Mas esse modelo vai na contramão do que fizeram (e fazem) os principais países desenvolvidos do mundo. Estados Unidos, Canadá, Japão e a maior parte da União Europeia priorizam o transporte de carga por trilhos, tanto dentro quanto fora das cidades.

A gestão dos trilhos, nesses países, normalmente é descentralizada, o que faz com que, quando há greve ou paralisação, o impacto não seja tão dramático quanto o que está acontecendo agora no Brasil com os caminhoneiros.

As consequências

A aposta nas rodovias não é uma escolha sem custos. Paulo Roberto Feldmann, professor de economia da USP, usa o exemplo da soja para explicar as consequências:

“A soja brasileira é considerada uma das melhores do mundo e tem produção barata. A dos Estados Unidos é a segunda mais competitiva. Nos últimos anos, no entanto, o aumento do custo dos transportes tem feito os especialistas acreditarem que, em pouquíssimo tempo, perderemos o posto de maiores exportadores de soja para os Estados Unidos. O transporte aumenta demais o custo da soja aqui”, explica.

Mello Filho, do Mackenzie, ainda destaca que, por causa do modelo de logística brasileiro, um aumento no imposto dos combustíveis impacta toda a cadeia produtiva, gerando o efeito cascata. Além disso, há os custos de pedágio, a precariedade das estradas no Brasil e a alta frequência dos acidentes e roubos de carga.

O advogado Carlos Sanseverino, da Comissão de Infraestrutura e Desenvolvimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), chama atenção para outro aspecto negativo da dependência brasileira das rodovias: o uso excessivo de combustíveis fósseis, que faz o Brasil caminhar na contramão das tendências mundiais de substituição da matriz energética.

Por que nada mudou em 50 anos?

A principal responsabilidade pela manutenção do modal rodoviário como principal matriz de transporte do país foi do governo militar, diz o professor de economia da USP Paulo Roberto Feldmann.

De acordo com ele, na época, os militares decidiram privilegiar a construção de estradas e deixaram que as ferrovias existentes ficassem sucateadas, acreditando que, no futuro, o transporte rodoviário ficaria mais barato que o ferroviário. “Nunca ficou”, diz o professor.

Depois que o país foi redemocratizado, o problema foi a falta de continuidade dos planos de governo. “O governante começa a construir uma ferrovia, mas quando ela fica pronta, já é o mandato do próximo”, diz Feldmann, explicando o desinteresse dos políticos em fazer esse tipo de investimento.

E o que fazer?

A única saída para o país, segundo os especialistas ouvidos por EXAME, é investir na diversificação da infraestrutura brasileira, especialmente nas ferrovias. No ano passado, o Brasil investiu apenas 1,4% do PIB (Produto Interno Bruto) em infraestrutura. A China, por exemplo, tradicionalmente investe cerca de 8%; e a Índia, 5%.

De acordo com o Infra2038, projeto surgido durante um encontro da Fundação Lehmann, também partimos de um referencial baixíssimo – ou seja, a infraestrutura atual do país já é insuficiente. O nosso estoque (a soma de todos os ativos de infraestrutura do país dividida pelo PIB) é de 36%. No Japão, por exemplo, essa proporção chega a 179%.

Segundo Luiz Vicente Mello Filho, do Mackenzie, as empresas brasileiras têm capacidade técnica para expandir a malha ferroviária. Só precisam de investimentos e incentivos, como concessões e parcerias público-privadas (PPPs).

Já para Creso de Franco Peixoto, professor de engenharia civil da Fundação Educacional Inaciana, uma "boa sabatina de candidatos à presidência" também ajudaria, já que pressionaria os futuros governantes a apresentar propostas de investimento em outros meios de transporte no país.

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