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População de baixa renda teme impacto de medidas fiscais no RJ

Hoje ( o movimento Rio de Paz vai realizar às 17h30 ato público contra cortes em programas sociais nas escadarias da Alerj

Dinheiro: as consequências das medidas fiscais e financeiras propostas pelo governo são alvo de críticas de diferentes setores da sociedade (Andrew Harrer/Bloomberg)

Dinheiro: as consequências das medidas fiscais e financeiras propostas pelo governo são alvo de críticas de diferentes setores da sociedade (Andrew Harrer/Bloomberg)

AB

Agência Brasil

Publicado em 10 de novembro de 2016 às 17h25.

"Estou sem chão. Isso é uma desumanidade", disse a diarista Deborah Martins Carvalho Rodrigues, 48 anos, ao saber que os cortes fiscais anunciados na semana passada pelo governo do estado do Rio de Janeiro incluem o fim do programa Aluguel Social, que atende famílias removidas de áreas de risco, desabrigadas em razão de vulnerabilidade temporária, calamidade pública ou de Obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

"Nosso desespero é grande, pois humildes ou não, todos tínhamos casa. Não foi essa a proposta que nos fizeram. A proposta era que eles ficariam com o terreno para fazer obra e nos realocariam depois", criticou ela.

Vera Lúcia morava em uma casa no Complexo do Alemão, na zona oeste da capital fluminense, que foi demolida em 2013, assim como outras 416 moradias, para a construção de um conjunto habitacional financiado pelo PAC.

Desde então, ela mora de aluguel na mesma localidade e paga mensalmente R$ 785 pelo apartamento de um quarto que divide com a filha de 21 anos.

O auxílio do governo é de R$400. "Eu ainda faço meus bicos e minha filha trabalha, mas há famílias em situação muito pior. E nos sentimos impotentes, mesmo sabendo que a lei está do nosso lado".

Em 2015, o conjunto habitacional ficou pronto, mas os apartamentos foram entregues a outras famílias. O aluguel social equivale a um custo mensal de R$ 5 milhões para beneficiar 10 mil famílias.

Desde maio, quando ocorreu o primeiro atraso no repasse do beneficio, a Defensoria Pública garante o pagamento do benefício por meio de medidas judiciais. O valor médio mensal do benefício é de R$ 400, originário do Fundo Estadual de Habitação.

As consequências das medidas fiscais e financeiras propostas pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro são alvo de críticas de diferentes setores da sociedade, que afirmam que os principais atingidos serão os mais pobres.

Protesto contra os cortes sociais

Hoje (10) o movimento Rio de Paz vai realizar às 17h30 ato público contra cortes em programas sociais nas escadarias da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

Manifestantes do Rio de Paz e moradores do Jacarezinho que recebem o Aluguel Social levarão para a manifestação 100 pacotes manchados de tinta vermelha, que representam a vida do pobre.

O fundador do Rio de Paz, Antônio Carlos Costa informou que o grupo pretende estender uma faixa de quatro metros de largura no local com a frase: "Governo do Estado do Rio de Janeiro, tire os pobres desse pacote".

"Não podemos permitir que justamente os mais necessitados, que vivem das migalhas oferecidas pelo poder público, sejam penalizados pelos inaceitáveis equívocos cometidos por aqueles que, enquanto ignoravam crise que se avolumava, divertiam-se em suntuosos restaurantes em Paris", declarou ele.

Desde o anúncio do pacote, a Alerj tem sido palco de protestos e confrontos.

Um grupo de manifestantes chegou a ocupar o plenário da Assembleia na terça-feira (8). O presidente da Alerj, deputado Jorge Picciani (PMDB), voltou atrás e devolveu ao governo o projeto de lei que aumenta a alíquota de desconto previdenciário dos servidores do estado para até 30%.

Os aposentados e pensionistas que recebem abaixo do teto do Regime Geral de Previdência Social (R$ 5.189,82) hoje são isentos de pagamento, mas passariam a contribuir com 30% dos vencimentos para a previdência.

Os demais projetos estão previstos para serem votados na quarta-feira (16). "Todas as outras mensagens serão discutidas, receberão emendas.

Vamos sentar e discutir cada emenda, depois vai à votação. Acredito que a maioria das mensagens serão aprovadas, pois é uma questão de estado. Ou recuperamos o Rio de Janeiro ou ninguém recebe salário", disse Picciani ontem.

Programas afetados

A Defensoria Pública, Ministério Público e Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já anunciaram que tomarão medidas judiciais para conter alguns cortes, como o dos programas Renda Melhor e Renda Melhor Jovem, que atendem famílias que vivem abaixo da linha da miséria, com renda mensal per capita inferior a R$ 100.

Criado em 2011, o Renda Melhor auxilia 154 mil famílias que geram custo mensal de aproximadamente R$ 13 milhões ao governo.

Para o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria, o corte comprometerá um dos mais importantes programas de inclusão social mantidos pelo estado, capaz de proporcionar condições mínimas de dignidade humana a milhares de famílias.

A fixação do teto de R$ 150 mensais para o bilhete único é outro tema polêmico do pacote que prejudica principalmente os moradores de municípios da Região Metropolitana e da Baixada Fluminense, como é o caso do zelador José Paulo Sousa, 48 anos.

Morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, ele toma três conduções para chegar ao trabalho em Copacabana, zona sul.

"Vai pesar demais no salário. Não sei como vou fazer para fechar as contas no fim do mês", comentou ele, que é pai de três meninos e vive de aluguel, com salário de pouco mais de R$1,5 mil.

O presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, declarou que as medidas quebram os princípios constitucionais da separação dos Poderes e da independência do Judiciário e alertou que o plano pode implicar o sucateamento do serviço prestado pela Justiça estadual, inclusive com o fechamento de fóruns e comarcas.

Previdência, a origem da crise

De acordo com o professor de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Carlos Cova, que é especialista em Previdência e Parcerias PúblicoPrivadas, o problema começou no início dos anos 2000, quando compromisso de pagamento do Fundo de Previdência deixou de ser vinculado ao Tesouro do estado, e parte da arrecadação dos royalties foi destinada a essa finalidade. "Gerou uma falsa impressão de que havia recurso sobrando no caixa do estado", analisa Cova.

Outro problema foi a falta de providências no tocante ao descasamento atuarial do fundo de previdência do estado, ou seja, o desencontro entre receitas e despesas previdenciárias.

O economista também avaliou que regras trabalhistas da Constituição de 1988 permitiram que pessoas se aposentassem muito cedo e que houve inconsistência entre as provisões matemáticas das contribuições e os encargos de pagamentos futuros.

"Tudo isso ficou gestando durante 15, 20 anos. Se as medidas necessárias tivessem sido adotadas antes - mas político nenhum quer falar de previdência, porque tira votos -, talvez o impacto das correções não fossem tão sérios", disse ele.

"Lamentavelmente, a ausência de medidas oportunas no tempo devido gerou este caos. A culpa, se existe, deve ser compartilhada por quem deteve o poder de gerenciamento desta questão nos últimos 20 anos".

Segundo Cova, o pacote é acertado do ponto de vista da correção do problema atuarial e de caixa, mas é insustentável politicamente.

"E o pior, não há outra saída. Não se gera dinheiro", opinou ele, que entende que não há como fugir do aumento das alíquotas de contribuição para todos os servidores da ativa e aposentados .

As renúncias fiscais que o governo deu e continua dando a empresas, na opinião do especialista, "são contradições que expõem mais ainda a inépcia dos tomadores de decisão e fragilizam politicamente qualquer iniciativa de correção dos rumos".

O economista sugeriu algumas alternativas ao pacote, dentre elas a suspensão por um ano da concessão de novas aposentadorias por tempo de contribuição, programa de demissão voluntária para o funcionalismo e venda de patrimônio do governo estadual.

Medidas necessárias, diz governo

O secretário da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro, Leonardo Espíndola, voltou a reafirmar a necessidade de aprovação do pacote de austeridade apresentado pelo governo à Assembleia Legislativa (Alerj).

"As medidas que estão sendo apresentadas são medidas absolutamente necessárias, embora duras, para que a gente tenha previsibilidade de pagamento do salário do servidor público do Estado. Então, não há possibilidade de recuo, o governo vai manter [o pacote de medidas]", disse ele em evento no Palácio da Cidade, na terça-feira (8).

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