PEC de demarcações aumenta risco de conflitos, diz Cardozo
O governo considera um risco à já instável situação entre povos indígenas e proprietários rurais a tramitação da PEC 215
Da Redação
Publicado em 28 de outubro de 2015 às 21h42.
Brasília - O governo brasileiro considera um risco à já instável situação entre povos indígenas e proprietários rurais a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição 215, aprovada nesta semana por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, que transfere ao Legislativo o poder de definir as demarcações das terras indígenas.
Em entrevista à Reuters, o ministro da Justiça , José Eduardo Cardozo, afirmou que a proposta, além de inconstitucional, serve apenas para acirrar os ânimos em um situação potencialmente perigosa.
"Isso joga contra o próprio agronegócio. O acirramento do tensionamento com os grupos indígenas não ajuda ninguém, nem produtores, nem indígenas. É querer apagar fogo com querosene e correr o risco de se queimar", disse o ministro nesta quarta-feira.
"Não só não resolve o problema como incendeia. Todo o esforço que o governo vem fazendo hoje para fazer mediação, fazer com que as terras sejam demarcadas sem conflito e sem judicialização, acaba. Porque quando vai para a Justiça demora décadas para resolver e o conflito permanece." A PEC foi aprovada na última terça-feira, apesar dos apelos do governo para que o texto não fosse votado, pela comissão especial criada para analisá-la, por 21 votos a zero, já que deputados do PT, PCdoB, PV, Psol e Rede, contrários à proposta, recusaram-se a participar da votação e deixaram a sessão em protesto.
O texto transfere do Executivo para o Congresso o direito de dar a palavra final sobre as demarcações. Os parlamentares terão a prerrogativa de aprovar todas as novas demarcações e ainda ratificar aquelas já homologadas, o que, na prática, permitiria ao Congresso revisar todas as áreas já demarcadas.
Para além do risco de aumentar um conflito que faz vítimas todos os anos --de acordo com os dados mais recentes, 15 indígenas foram assassinados em conflitos agrários em 2013-- o governo alega que a PEC é inconstitucional por usurpar um poder exclusivo do Executivo.
"A PEC transforma o cumprimento de uma questão técnica, que é dizer o que é ou não terra indígena, em uma questão política. Isso claramente é inconstitucional", afirmou Cardozo.
"Transformar a demarcação em uma questão de conveniência política traz um problema terrível. Porque ou as terras são indígenas ou não são. Não é uma decisão política ser ou não ser. A Constituição já disse o que é, são aquelas tradicionalmente ocupadas por populações indígenas." O ministro reconheceu que hoje as demarcações que ainda restam dificilmente serão feitas pacificamente. Nessa área, o que podia ser feito sem conflitos já foi.
"O que permanece hoje são terras muitas vezes ocupadas por pequenos proprietários, grandes ou médios, que têm títulos e se sentem injustiçados quando há demarcação. Os índios, quando não têm a demarcação, se sentem injustiçados porque lhes é negado um direito. O governo tem ao máximo que mediar isso", afirmou o ministro.
Essa tem sido, explicou ele, a solução que o governo tem tentado adotar: criar mesas de mediação juntando agricultores, indígenas, Ministério Público e governos estaduais para que se tente chegar a um ponto comum.
Cardozo admitiu que há sucesso em alguns casos, mas outros ainda não prosperaram. Ainda assim, diz que não há nenhuma solução que não passe pelo diálogo e um acordo entre todas as partes.
A PEC 215 está há 15 anos no Congresso, mas nunca tinha avançado. Neste ano, em uma legislatura em que a bancada do agronegócio ganhou força, a comissão especial para analisá-la foi finalmente criada e aprovou o texto em sete meses.
A avaliação do governo é de que dificilmente o texto terá os 308 votos necessários para passar no plenário da Câmara dos Deputados e será quase impossível obter os 49 votos exigidos no Senado Federal, mas a simples tramitação já causa perturbação suficiente.
Para tentar barrar a 215, o governo decidiu discutir a PEC 71, aprovada no Senado e encaminhada para a Câmara. Apesar de inicialmente ser contrário ao texto, que basicamente equipara a demarcação de terras a operações de desapropriação, prevendo que o governo pagará uma "prévia e justa indenização" aos proprietários de terra, o governo acredita que o texto pode ser ajustado.
"O governo vê muitas falhas, mas o espírito pode ser trabalhado e discutido numa pactuação. Há algumas inconstitucionalidades e situações que devem ser ajustadas, mas é uma PEC que pode ensejar uma discussão. E nós achamos que apenas uma pactuação em torno de uma mudança constitucional com produtores, governo, indígenas, Ministério Público, Judiciário, pode chegar a um bom termo", disse Cardozo.
"A 215 não admite discussão até pelo caráter simbólico, com uma das partes do conflito tentando impor a derrota ao outro." O problema da PEC 71, explicou o ministro, é o fato de prever que a indenização seja paga antes da demarcação ser feita. Ainda assim, admitiu, o governo concorda que é possível, sim, indenizar proprietários que tenham títulos das terras onde vivem. É preciso apenas encontrar uma forma adequada.
O texto da 215 ainda precisa ser aprovado por duas vezes pelo plenário da Câmara e outras duas vezes no Senado para se tornar realidade. Se aprovado, poderá ser questionado no Supremo Tribunal Federal.
Brasília - O governo brasileiro considera um risco à já instável situação entre povos indígenas e proprietários rurais a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição 215, aprovada nesta semana por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, que transfere ao Legislativo o poder de definir as demarcações das terras indígenas.
Em entrevista à Reuters, o ministro da Justiça , José Eduardo Cardozo, afirmou que a proposta, além de inconstitucional, serve apenas para acirrar os ânimos em um situação potencialmente perigosa.
"Isso joga contra o próprio agronegócio. O acirramento do tensionamento com os grupos indígenas não ajuda ninguém, nem produtores, nem indígenas. É querer apagar fogo com querosene e correr o risco de se queimar", disse o ministro nesta quarta-feira.
"Não só não resolve o problema como incendeia. Todo o esforço que o governo vem fazendo hoje para fazer mediação, fazer com que as terras sejam demarcadas sem conflito e sem judicialização, acaba. Porque quando vai para a Justiça demora décadas para resolver e o conflito permanece." A PEC foi aprovada na última terça-feira, apesar dos apelos do governo para que o texto não fosse votado, pela comissão especial criada para analisá-la, por 21 votos a zero, já que deputados do PT, PCdoB, PV, Psol e Rede, contrários à proposta, recusaram-se a participar da votação e deixaram a sessão em protesto.
O texto transfere do Executivo para o Congresso o direito de dar a palavra final sobre as demarcações. Os parlamentares terão a prerrogativa de aprovar todas as novas demarcações e ainda ratificar aquelas já homologadas, o que, na prática, permitiria ao Congresso revisar todas as áreas já demarcadas.
Para além do risco de aumentar um conflito que faz vítimas todos os anos --de acordo com os dados mais recentes, 15 indígenas foram assassinados em conflitos agrários em 2013-- o governo alega que a PEC é inconstitucional por usurpar um poder exclusivo do Executivo.
"A PEC transforma o cumprimento de uma questão técnica, que é dizer o que é ou não terra indígena, em uma questão política. Isso claramente é inconstitucional", afirmou Cardozo.
"Transformar a demarcação em uma questão de conveniência política traz um problema terrível. Porque ou as terras são indígenas ou não são. Não é uma decisão política ser ou não ser. A Constituição já disse o que é, são aquelas tradicionalmente ocupadas por populações indígenas." O ministro reconheceu que hoje as demarcações que ainda restam dificilmente serão feitas pacificamente. Nessa área, o que podia ser feito sem conflitos já foi.
"O que permanece hoje são terras muitas vezes ocupadas por pequenos proprietários, grandes ou médios, que têm títulos e se sentem injustiçados quando há demarcação. Os índios, quando não têm a demarcação, se sentem injustiçados porque lhes é negado um direito. O governo tem ao máximo que mediar isso", afirmou o ministro.
Essa tem sido, explicou ele, a solução que o governo tem tentado adotar: criar mesas de mediação juntando agricultores, indígenas, Ministério Público e governos estaduais para que se tente chegar a um ponto comum.
Cardozo admitiu que há sucesso em alguns casos, mas outros ainda não prosperaram. Ainda assim, diz que não há nenhuma solução que não passe pelo diálogo e um acordo entre todas as partes.
A PEC 215 está há 15 anos no Congresso, mas nunca tinha avançado. Neste ano, em uma legislatura em que a bancada do agronegócio ganhou força, a comissão especial para analisá-la foi finalmente criada e aprovou o texto em sete meses.
A avaliação do governo é de que dificilmente o texto terá os 308 votos necessários para passar no plenário da Câmara dos Deputados e será quase impossível obter os 49 votos exigidos no Senado Federal, mas a simples tramitação já causa perturbação suficiente.
Para tentar barrar a 215, o governo decidiu discutir a PEC 71, aprovada no Senado e encaminhada para a Câmara. Apesar de inicialmente ser contrário ao texto, que basicamente equipara a demarcação de terras a operações de desapropriação, prevendo que o governo pagará uma "prévia e justa indenização" aos proprietários de terra, o governo acredita que o texto pode ser ajustado.
"O governo vê muitas falhas, mas o espírito pode ser trabalhado e discutido numa pactuação. Há algumas inconstitucionalidades e situações que devem ser ajustadas, mas é uma PEC que pode ensejar uma discussão. E nós achamos que apenas uma pactuação em torno de uma mudança constitucional com produtores, governo, indígenas, Ministério Público, Judiciário, pode chegar a um bom termo", disse Cardozo.
"A 215 não admite discussão até pelo caráter simbólico, com uma das partes do conflito tentando impor a derrota ao outro." O problema da PEC 71, explicou o ministro, é o fato de prever que a indenização seja paga antes da demarcação ser feita. Ainda assim, admitiu, o governo concorda que é possível, sim, indenizar proprietários que tenham títulos das terras onde vivem. É preciso apenas encontrar uma forma adequada.
O texto da 215 ainda precisa ser aprovado por duas vezes pelo plenário da Câmara e outras duas vezes no Senado para se tornar realidade. Se aprovado, poderá ser questionado no Supremo Tribunal Federal.