Paulo Guedes e o candidato Bolsonaro são "dupla inesperada"
Ao anunciar conversas com o doutor pela Universidade de Chicago, o berço do liberalismo, o deputado reforça dúvidas sobre sua campanha
Raphael Martins
Publicado em 2 de dezembro de 2017 às 07h50.
Última atualização em 31 de agosto de 2018 às 10h37.
O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) vinha batendo à porta de economistas liberais para sustentar sua campanha à Presidência da República há pelo menos dois meses. Outrora crítico da abertura de mercado e de planos econômicos liberais, ele deu uma guinada em favor do eleitorado. Seus 4,85 milhões de seguidores no Facebook são entusiastas da redução do estado e da privatização de estatais como uma das formas de combate à corrupção. Bolsonaro procurava alguém que encampasse essa agenda e lhe desse credibilidade. Na última segunda-feira, durante evento da revista VEJA, anunciou seu tutor: o economista Paulo Guedes .
Aos 68 anos, Guedes é doutor em economia pela Universidade de Chicago, maior referência no campo liberal do pensamento econômico, e tem carreira fundamentada no setor privado. Fundador e ex-sócio do Banco Pactual — hoje BTG Pactual — também acumula a fundação e controle do grupo BR Investimentos, que faz parte da Bozano Investimentos. Procurado, o economista não deu entrevista, mas confirmou a aproximação com Bolsonaro. “Quer saber se a ordem encontrou o progresso? Sim, procede. Bolsonaro falou a verdade. Conversamos duas vezes”, diz Guedes.
Após a revelação do nome de Guedes como possível ministro da Fazenda, o deputado federal voltou a mostrar sua polêmica visão de país no evento da revista VEJA. Criticou publicamente a abertura de mercados, com ênfase na entrada de investidores chineses no Brasil, dizendo que os asiáticos estão “comprando o Brasil” em vez de fazer negócios. Mais uma vez jogando para o populismo, defendeu a atuação dos 20 policiais violentos identificados por reportagem do jornal O Globo pelo envolvidos na morte de 10% do total de mortes entre 2010 e 2015. “Policial que não mata não é policial”, disse. Em outro momento, perguntou: “Se o Kim Jong-Un [ditador norte-coreano] lançasse uma bomba H em Brasília e só atingisse o Parlamento, você acha que alguém iria chorar?”. Bolsonaro, não custa lembrar, está lá há sete mandatos.
Em ambas as declarações, foi aplaudido. A importância da claque para Bolsonaro bota em xeque seu ímpeto para agendas impopulares, caso chegue ao Palácio do Planalto. A declaração da bomba H mina ainda mais sua influência já restrita no Legislativo. O protecionismo em relação à China, principal parceiro comercial do Brasil, faz torcer o nariz de liberais. Paulo Guedes, contudo, ao que indicam os sinais, topou participar de alguma forma do projeto de Bolsonaro.
A distância de visões faz de Bolsonaro-Guedes uma “dupla inesperada”. O termo é o mesmo usado pelo ex-ministro Thomas Traumann para definir um recente duo de presidente e ministro da Fazenda: o Dilma-Levy. As semelhanças não param por aí.
A ex-presidente Dilma Rousseff é economista fundamentada na escola desenvolvimentista, caracterizada pela intervenção de um estado forte para controle da políticas econômicas. Chamado de “nacionalista”, Bolsonaro tenta gradualmente se afastar dessa vertente. O primeiro passo foi a carta aos brasileiros, em que defende o Banco Central autônomo e o “tripé macroeconômico”. Dias antes,passou aperto em entrevista à RedeTV! ao parecer não saber que a expressão significava os três pilares da economia desde 1999 — centrada na política de câmbio flutuante, em metas fiscais e de inflação.
Assim como o deputado, ao convidar o economista Joaquim Levy — também cria da Universidade de Chicago — para o Ministério da Fazenda em 2015, a ex-presidente também fez uma guinada em sua agenda tradicional em busca de sanar a crise econômica que dava os primeiros sinais no início de seu segundo mandato. Desde que Levy foi anunciado, as previsões eram de uma relação tensa com a chefe. “Vai haver uma relação instável porque são dois economistas que pensam de maneira diferente”, disse o economista Felipe Salto em uma previsão ao jornal O Globo em 2014. “O conflito será a chave da questão para que se possa antecipar o que vai acontecer com o resultado fiscal. Mas não será fácil”. O resultado se conhece: Levy durou apenas 11 meses no cargo e foi substituído por Nelson Barbosa.
A principal diferença entre Dilma e Bolsonaro nesta questão é a aderência da agenda liberal no processo eleitoral. Nas eleições de 2014, quando a sociedade sentia de leve a crise, mas iniciava uma insatisfação com as estatais na esteira da Operação Lava-Jato, ganhou a agenda do PT, contrária a privatizações e ajuste fiscal recessivo. Hoje, a situação é contrária. Há entendimento de que a reforma da Previdência é urgente para a recuperação da economia e as privatizações são uma alternativa para ganhos de produtividade e para tirar peso do orçamento da União.
Ainda assim, o prognóstico é de desconfiança de que o “namoro”, como chamou o candidato, possa dar certo. “Paulo tem ideias muito firmes sobre o que fazer em uma possível gestão da economia e ele dificilmente aguentaria o tranco da decepção que Bolsonaro imprimiria pela falta de trânsito no Congresso. A união duraria meses”, afirma o ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria, Maílson da Nóbrega. “Mais: não tem nenhum caso no Brasil de um ministro da Fazenda inteiramente inexperiente, que nunca trabalhou no setor público. Menos ainda associado a um presidente sem preparo. Seria um governo que nasceria em crise”.
Para o também ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, a provável dupla Bolsonaro-Guedes não terá força para bater candidaturas mais tradicionais a partir do momento que efeitos da recuperação da economia se refletirem na vida do brasileiro, “em meados de abril ou maio”. “Não levo a sério essas pílulas no quadro geral da campanha”, afirma Ricupero. “A campanha, quando começar de fato, vai apresentar um panorama diferente da situação do país. A recuperação da economia e a disposição para articular uma candidatura de centro vai se fazer sentir”.
A impressão no mundo político é parecida, dos tradicionais aos pré-candidatos mais alternativos. No mesmo evento de VEJA, a ex-senadora Marina Silva (Rede) afirmou que Bolsonaro depende do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para se “capitalizar” e vice-versa. Segundo estudo da consultoria Bites, especializada em monitoramento de redes sociais, Bolsonaro tira o máximo da reação de seu público sempre que se apresenta como “anti-Lula” e em debates polêmicos de cunho conservador.
A dúvida é quanto mais Bolsonaro precisará mudar seu discurso e suas propostas para chegar a um público mais amplo, sem perder seus eleitores cativos. O risco de se aproximar de nomes influentes, mas com visão de mundo diferente da sua, como o de Paulo Guedes, não é só criar um governo de difícil gestão. É criar uma chapa esquizofrênica. Bolsonaro, há 10 meses das eleições, é um candidato em construção.