Senador Aloysio Nunes, autor da PEC que instaura o parlamentarismo: para ele, só mudança de sistema não é suficiente para mitigar a crise (Gerdan Wesley/Divulgação/Flickr)
Talita Abrantes
Publicado em 10 de abril de 2016 às 06h00.
São Paulo - Nos bastidores da crise política brasileira, começa a tomar corpo no Senado Federal um plano que pode mudar a maneira como o Poder Executivo opera no Brasil.
No começo do mês passado, o Senado aprovou a criação de uma comissão especial para analisar a possibilidade de se instaurar um sistema parlamentarista misto no país. Por ora, o tema aguarda a movimentação de Renan Calheiros, que preside a Casa, para nomear os membros do grupo.
O modelo com mais chance de aceitação entre os parlamentares foi apresentado pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) no início de março.
A Proposta de Emenda à Constituição de autoria dele defende a instauração de um sistema que mantém a figura do presidente, a quem cabe a função de chefe de Estado, e cria o cargo de primeiro-ministro, que responde pela chefia de governo.
O senador argumenta que o sistema parlamentarista vai aprimorar a democracia do país. Mas ele admite: essa não é a solução para a atual crise política. “Não vejo possibilidade de superar a crise com a presença da presidente Dilma”, afirmou o tucano em entrevista à EXAME.com.
Eleito em 2010 para o Senado pelo PSDB, Nunes foi deputado federal entre 1995 e 1999 pelo PMDB. Entre 2001 e 2002, foi ministro da Justiça do governo do também tucano Fernando Henrique Cardoso. Em 2014, se candidatou à vice-presidência da República na chapa encabeçada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG).
Veja trechos da entrevista concedida a EXAME.com no dia seguinte à apresentação da PEC:
EXAME.com: No texto da Proposta de Emenda à Constituição que versa sobre o Parlamentarismo, o senhor defende que tal sistema vai aprimorar a democracia brasileira. Por quê?
Aloysio Nunes: É um regime político que torna o Parlamento responsável em primeiro lugar por suas decisões: Se [o Congresso] não encontrar caminhos para manter a governabilidade, corre o risco de ser dissolvido pelo presidente.
Ao mesmo tempo, [o parlamentarismo] permite abreviar sem maiores traumas um governo que perca o apoio parlamentar em consequência de seu mal desempenho político e administrativo.
Hoje, quando um governo - como é o da presidente Dilma - fracassa, a solução para abreviar o seu mandado é o impeachment, que só pode ser invocado em caso de crimes de responsabilidade. No caso do parlamentarismo, se o governo perde a confiança do Parlamento, a sua duração pode ser abreviada.
O importante é que, na minha proposta, para que o Congresso reduza a duração do governo, ele precisa ter uma alternativa. Quem propõe a desconfiança precisa apresentar a solução para a crise.
O Congresso teria que propor o nome de um novo primeiro-ministro?
Não só o nome, mas também a coalizão e o programa. Essa proposta precisa ser endossada pelo presidente.
Isso não traria mais instabilidade para o sistema político brasileiro?
Daria estabilidade. O fato do governo precisar ter maioria parlamentar assegura a chamada governabilidade: a capacidade política de implementar propostas.
Foi o que aconteceu durante o governo de João Goulart?
O parlamentarismo instaurado no Brasil [em 1961-1963] foi adotado para resolver uma crise. Se não houvesse o parlamentarismo, não haveria posse de João Goulart e haveria um golpe militar. Foi uma solução para preservar o sistema democrático.
Foi uma solução precária porque se previa um plebiscito para aprovar ou não a continuidade do sistema parlamentarista. No dia seguinte à posse de João Goulart, ele começou a trabalhar contra o sistema. Mas, durante esse período, tivemos grandes primeiros ministros e governos num nível como não se encontrou depois.
Seria uma solução para a atual crise também?
Não se pode ter o parlamentarismo como um remédio para a crise atual. O parlamentarismo é uma proposta para aperfeiçoar o nosso sistema de governo.
Para sair da crise atual há três caminhos: ou a renúncia da presidente, ou o impeachment ou a solução judiciária pelo Tribunal Superior Eleitoral. Não vejo possibilidade de superar a crise com a presença da presidente Dilma.
Que papel cabe ao presidente nesse sistema?
O presidente é o chefe de Estado e o ministro, chefe de governo. O presidente tem algumas funções em que ele representa o Estado brasileiro: na política, na nomeação de determinados cargos que devem escapar do embate político-partidário, como ministros do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores em geral. Além do que, o presidente funciona como uma espécie de árbitro em momentos de crise.
Sua proposta prevê uma consulta popular?
Não. É uma decisão puramente do Congresso. O Congresso tem poderes para emendar a Constituição.
Delegar ao Congresso a função de escolher o chefe de Governo não parece uma proposta que conquistaria apoio popular. O eleitorado, inclusive, já reprovou ideia semelhante na década de 90 ...
O sistema parlamentarista favorece a participação popular e fortalece o poder mais representativo das diferentes correntes da opinião, que é o Congresso Nacional.
Tendo em vista que poder Executivo não é o único alvo da desconfiança de uma parte do eleitorado e que o Congresso também é visto com muitas ressalvas, como garantir que a escolha indireta de um primeiro-ministro seja coerente com as aspirações das ruas?
Os deputados periodicamente são submetidos à reeleição e, no caso de dissolução, podem ser submetidos também à reeleição em um período mais curto do que quatro anos. Evidentemente, deputados e senadores haverão de trabalhar muito de olho naquilo que representa a aspiração popular porque senão não serão eleitos e reconduzidos [aos cargos].
Como isso seria possível em um Congresso pulverizado por uma infinidade de siglas?
É claro que para o parlamentarismo funcionar bem precisaria ser apoiado em um sistema político diferente desse que está aí. É preciso fazer uma mudança profunda principalmente com o voto distrital, que detém a proliferação de partidos que não representam coisa nenhuma a não ser interesses de grupos, de famílias, de corporações.