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Opinião: Seca na Amazônia não surpreende, mas exige ações imediatas

O enfrentamento envolve três níveis de ações que precisam acontecer de maneira combinada para surtirem seu melhor efeito: mitigação, adaptação e compensação por perdas e danos

(Mídia Ninja)
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 25 de agosto de 2024 às 07h00.

Marina Piatto*

A tragédia já era anunciada: após a estiagem histórica de 2023, esperava-se que a Amazônia vivesse nova seca severa também neste ano. O que não estava tão evidente no roteiro era que, em 2024, a seca chegaria ainda mais cedo e, potencialmente, mais devastadora. Resquícios de um El Niño – com ondas de calor e picos de até 2,5 ºC acima da média histórica da região –, chegada de La Niña e diminuição do volume de chuvas são algumas das causas apontadas por especialistas para o fenômeno.

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Todas elas agravadas pela crise climática que afeta o planeta como um todo, mas também por fatores locais, como o desmatamento, que diminui a umidade, prejudica a absorção da água das chuvas pelo solo e amplia as queimadas, que superaquecem o ambiente e envolvem a região amazônica em uma grande e letal nuvem de fumaça.

Triste ironia. Dos nove estados do bioma, que abriga a maior bacia hidrográfica do planeta, cinco figuram no mapa do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) com seca extrema e severa. São eles Acre, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Tocantins.

Os dados tiveram grande repercussão na imprensa em julho e se somam a outras projeções pouco promissoras. A CarbonPlan, organização não-governamental da Califórnia (EUA), por exemplo, calcula que Manaus será a segunda cidade mais quente do mundo em 2050.

O quadro que se tem hoje corrobora o risco. Em pleno período de cheia, o Rio Negro, que corta a capital e é um dos principais afluentes do Rio Amazonas, já baixou 54 centímetros, embora tivesse recuperado sua cota em maio. E um terço dos 62 municípios do estado está em situação de emergência, com 10 mil pessoas afetadas.

Mais: imagens de satélite mostram que a Amazônia superou 13 mil focos de incêndio somente em julho, um dos piores números registrados desde que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) iniciou esse controle, em 1998.

Por mais desolador que seja esse cenário, quando se trata de mudanças climáticas, jogar a toalha não é opção. Isso porque as perdas são incalculáveis – econômicas, de vidas, de biodiversidade e da própria capacidade humana de frear radicalmente a emissão de gases de efeito estufa até 2050, desafio que o mundo possui hoje para evitar o colapso climático.

O enfrentamento dessas ameaças envolve três níveis de ações que precisam acontecer de maneira combinada para surtirem seu melhor efeito: mitigação, adaptação e compensação por perdas e danos. Significa atuar para alcançar a meta de emissão zero; promover mudanças para atenuar as consequências da crise já instalada; e desenvolver mecanismos multilaterais para garantir a compensação de prejuízos a nações e comunidades afetadas pelos extremos climáticos.

Com a seca na Amazônia, um dos setores mais diretamente atingidos é o agrícola. Na estiagem de 2023, 79 municípios registraram impacto em mais de 80% das suas áreas agriculturáveis, incluindo pastagens, de acordo com o Cemaden. Além da perda de produtividade das plantações e morte de animais, há dificuldade para escoar a produção, uma vez que a região depende grandemente dos rios para o transporte de mercadorias até as capitais e outras regiões.

Associações de produtores e comunidades indígenas parceiras do programa Florestas de Valor, que atua em São Félix do Xingu e em Oriximiná (PA), relataram queda na produção, aumento de queimadas, maior custo da pesca, impossibilidade de caça pela fuga dos animais, aumento de casos de gripe, diarreia e alergia. Houve mudança até na rotina de trabalho: se antes era possível se dedicar ao roçado até o meio do dia, com a seca, a jornada só era viável até 9h ou 10h. Consequentemente, foi preciso aumentar os dias trabalhados na semana.

A nova realidade já exigiu medidas de adaptação: a Associação de Mulheres Produtoras de Polpas de Fruta (AMPPF), de São Félix do Xingu, passou a contar com um sistema de irrigação, além de promover o reflorestamento como forma de enfrentar a crise climática. É um respiro, mas não basta.

No curto prazo, será necessário investir em outras frentes prioritárias, como abastecimento de itens de primeira necessidade para comunidades ribeirinhas, associações e pequenos produtores mais distantes, além de infraestruturas para armazenagem de produtos, a exemplo de castanha, cacau, guaraná e óleos, que podem aguardar um intervalo maior para serem escoados após períodos críticos de seca.

Em médio e longo prazos, entram em foco diversificação de produção, práticas de proteção do solo, uso de variedades mais tolerantes à seca, adoção de sistemas agroflorestais e silvopastoris, que conjugam a produção agropecuária com a manutenção de áreas florestais, e a recuperação de nascentes e outras Áreas de Preservação Permanente (APPs).

Também se faz necessário reforçar iniciativas para que a produção agropecuária diminua suas emissões de carbono, transformando o modelo atual de produção e consumo de alimentos, em busca de um agro mais resiliente a uma situação de eventos extremos constantes. Manter o curso atual deixou de ser alternativa e as populações amazônicas já vivenciam na pele o alto custo do modelo insustentável de ocupação e uso indefinido dos recursos do planeta.

*Marina Piatto é diretora executiva do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora)

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