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Chefe da ONU questiona uso de militares contra criminalidade no Brasil

Em sua primeira coletiva de imprensa, Michelle Bachelet também indicou que é contra dar maior acesso a armas e disse que o Brasil viveu uma ditadura.

Bachelet: ela apontou que vai acompanhar o que ocorrer no Brasil em termos de direitos humanos (Fabrice Coffrini/Reuters)

Bachelet: ela apontou que vai acompanhar o que ocorrer no Brasil em termos de direitos humanos (Fabrice Coffrini/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 5 de dezembro de 2018 às 13h48.

Última atualização em 5 de dezembro de 2018 às 16h28.

Genebra - Dar maior acesso a armas, como tem sido proposto pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, não seria um passo positivo. O alerta é da Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet, que também indicou ser contrária ao uso de militares para lidar com a delinquência.

Em sua primeira coletiva de imprensa no cargo de chefe das Nações Unidas, Bachelet apontou que vai acompanhar o que ocorrer no Brasil em termos de direitos humanos, lembrando que esse é um trabalho que seu escritório faz sobre todos os países.

Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro deixou claro que quer rever as leis de acesso às armas, hoje limitada em muitos casos diante da exigência de que alguém comprove a "efetiva necessidade". "A orientação nossa é que a 'efetiva necessidade' (exigida no Estatuto) está comprovada pelo estado de violência em que a gente vive no Brasil. Nós estamos em guerra", afirmou o presidente eleito.

Depois, o indicado de Bolsonaro para ocupar o cargo de ministro da Justiça, Sérgio Moro também falou sobre o caso, indicando que poderá maior flexibilização do porte de armas. "As regras atuais são muito restritivas. Existe a proposta de flexibilização do porte de armas. Será discutida a forma como ela será realizada", disse.

Questionada pela jornal O Estado de S. Paulo sobre a ideia do governo eleito, a ex-presidente do Chile reagiu de forma negativa. "Não sou a favor de dar armas sem controle", disse Bachelet nesta Quarta-feira.

"Vimos o que ocorre em muitos lugares, com morte de crianças em escolas. Eu acredito que armas são muito perigosas nas mãos das pessoas que possam não saber usar da forma correta. portanto, Espero que esse anúncio (do governo eleito)(...), quer dizer, até agora não vimos, é um anúncio. Vamos ver o que ocorre", disse. "No Brasil, assim como em qualquer outro país, vamos acompanhar de perto", emfatizou.

Intervenção militar e ditadura

Também está no radar da ONU a presença extensiva de militares e de operações como a do Rio de Janeiro, que já foram oficialmente criticadas por relatores das Nações Unidas durante o governo de Michel Temer.

Bachelet, que foi torturada durante o regime militar chileno e teve sua família também como vítima, respondeu ao ser questionada sobre o fato de Bolsonaro insistir em negar a existência da ditadura no Brasil.

"Acredito que, na América Latina, tivemos um tempo em que tivemos muitas ditaduras", disse. "E no Brasil houve uma ditadura. E tivemos vítimas, tortura e tivemos comissões para olhar todo isso. No Chile, também tivemos uma ditadura. Pinochet não foi eleito pelo povo. Foi um golpe de estado. E muita gente desapareceu, mortas e torturas", insistiu.

"Espero que na América Latina tenhamos aprendido a lição de que, mesmo que as democracias não sejam perfeitas, a democracia é a melhor forma para que as pessoas possam se desenvolver e ter os direitos que merecem", apontou.

A Chefe da ONU também fez questão de desaprovar a ideia do uso de militares para lidar com a violência. Segundo ela, diante da insegurança, há uma tendência por algumas pessoas de acreditar que o caminho é "uma solução forte".

"Pensando no envolvimento muito mais de militares, por exemplo, para lidar com a delinquência ou violência", disse. "Eu não concordo com isso. Eu não acho que isso seja como devemos fazer", disse Bachelet, que foi ministra da Defesa no Chile.

'Saudoso Pinochet'

O jornal O Estado de S. Paulo revelou que Bolsonaro, pediu, em telegrama enviado à Embaixada do Brasil no Chile, que fosse transmitida sua mensagem de solidariedade ao neto do general Augusto Pinochet, Augusto Pinochet Molina, após esse ter sido afastado do Exército por ter feito pronunciamento no sepultamento do avô.

Na mensagem, Bolsonaro afirma sua admiração por Molina não ter se curvado às "mentiras da esquerda" e fala do "saudoso" General Pinochet. O telegrama foi enviado à embaixada brasileira em 2006 e o pedido de Bolsonaro foi negado pelo Ministério das Relações Exteriores.

Em programa de TV do apresentador João Cleber, Bolsonaro disse que Pinochet "fez o que tinha de fazer" para enfrentar uma suposta ameaça comunista. "Tinha que ser de forma violenta para reconquistar seu país", afirmou.

Bachelet ainda usou sua primeira coletiva de imprensa para alertar que, na comemoração dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, comemorada neste mês de dezembro,líderes em diferentes países "parecem ter se esquecido daquelas palavras proféticas".

"Temos de lembrá-los todos os dias", insistiu. "Esse texto é uma das construções mais importantes. Mas esse progresso está ameaçado", apontou a chilena, lembrando que direitos de milhões são ainda violados todos os dias. Segundo ela, instituições criadas nos últimos anos estão sendo "minadas" e "tratados internacionais estão sendo ameaçados por lideres que passaram a adotar um foco mais estreito de seus objetivos nacionalistas".

Pedindo para que as pessoas "se levantem" para questionar essa ameaça contra os direitos humanos, ela admitiu que a comunidade internacional vive um "um ambiente desafiador". "O multilateralismo está passando por uma erosão. Ao mesmo tempo, ninguém pode ser uma ilha. Não vai funcionar. Temos visto pressões sobre os direitos humanos, discursos de ódio", alertou.

"Líderes precisam liderar por exemplo e apontar como os direitos humanos fazem parte importante de sua linguagem e mensagem. É assim que sociedades vão se comportar", completou Michelle Bachelet.

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