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O que pesa mais no impeachment? O viés político ou jurídico?

Professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília detalha qual é o papel da Justiça e do Parlamento em tempos de crise política

Protesto do Movimento Vem pra Rua em frente ao Congresso Nacional com placar do impeachment na comissão especial que analisa o caso - 30/03/2016 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Protesto do Movimento Vem pra Rua em frente ao Congresso Nacional com placar do impeachment na comissão especial que analisa o caso - 30/03/2016 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 5 de abril de 2016 às 11h18.

São Paulo – Todo processo de impeachment é composto por um viés jurídico e outro político. Mas, na prática, são as ações políticas que determinam o seu resultado. É o que afirma o juiz Paulo Henrique Blair de Oliveira, professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília (UnB).

Na ação contra Dilma que tramita na Câmara dos Deputados, esse jogo fica ainda mais evidente uma vez que caberá exclusivamente ao Parlamento decidir se pedaladas fiscais configuram ou não um crime de responsabilidade – tema sem consenso no meio jurídico.

Em tempo: para que o pedido de abertura de impeachment tenha consistência, devem existir evidências de que o mandatário cometeu algum crime comum (como homicídio ou roubo) ou crime de responsabilidade – que envolve desde improbidade administrativa até atos que coloquem em risco a segurança do país.

Nesta entrevista, Blair explica a lógica que pauta esse processo  e o papel da Justiça em tempos de crise política.

EXAME.com: Não há consenso no meio jurídico se as pedaladas configuram ou não crime de responsabilidade. Por que o Supremo Tribunal Federal (STF) não se pronunciou sobre esse assunto?

Paulo Henrique Blair de Oliveira: Nos julgamentos de pedido de impeachment, cumpre ao Parlamento funcionar como tribunal político. Na verdade, quem tem que examinar se as pedaladas são ou não enquadradas como crime de responsabilidade será o Parlamento. Não há revisão judicial para o que for decidido nestes casos.

Tendo em vista isso, podemos afirmar que o processo de impeachment é mais político do que jurídico?

Sem dúvida alguma. É um processo político com um rito jurídico. Os acusadores são políticos, os julgadores são políticos. A forma deve preservar as garantias constitucionais, mas o conteúdo é político.

Diante disso, é possível afirmar que o argumento de que o atual processo de impeachment é golpe é, então, apenas estratégia de retórica?

Essa é uma estratégia de defesa. O governo advoga haver uma interpretação da lei que lhe favorece. É uma interpretação que contraria a sustentada pela acusação.

Uma coisa, contudo, deve ser respeitada no argumento deles: se pedaladas fiscais forem crimes políticos, então sempre foram desde a Constituição de 1988. Esse não é um tipo de procedimento que começou com o atual governo, começou bem antes.

Supondo que o Parlamento considere que pedaladas fiscais são crime de responsabilidade, o que muda em processos semelhantes no futuro?

A gente espera que se isso for julgado e decidido desse modo que em uma ocasião futura os mesmos critérios sejam aplicados. Mas não podemos garantir isso exatamente por que esse tribunal é jurídico na forma e político no conteúdo.

Se existirem decisões contraditórias no futuro, quem perde legitimidade perante a opinião pública são esses que hoje exercem a acusação.

Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (Reuters / Ricardo Moraes)

Fala-se muito hoje sobre um suposto processo de judicialização da política. O senhor concorda com esse termo?

Esse termo é, acima de tudo, uma má compreensão sobre a relação entre Direito e política. Se o Direito pudesse ser reduzido à política, o tribunal não teria função. Se política pudesse ser reduzida ao Direito, os parlamentos não teriam função. Na democracia, parlamentos e tribunais funcionam de modos opostos.

Na democracia, a política se realiza pela ideia de decisão majoritária: ganha a maioria de votos. Num sistema de preservação de direitos, o papel dos tribunais é o oposto, é contra-majoritário: se uma só pessoa for detentora do Direito contra a opinião de 100 milhões de pessoas, o tribunal deve proteger aquela única pessoa contra a vontade dos 100 milhões. O tribunal é um contraponto da política.

Portanto, o papel do Supremo Tribunal Federal não é se reger pelo aplauso das ruas. Cortes que existem para fazer a vontade do povo só persistem em ditaduras, onde só há tribunais populares porque não há um processo legal.

Numa democracia, o pior dos criminosos tem direito à melhor defesa e ao mais cônscio julgamento. Quando a gente acha que está fazendo justiça popular, a gente está abrindo caminho para a injustiça, para a ditadura.

Quais os efeitos da relação tão próxima da Justiça com a política?

A gente anda no fio da navalha. Nós temos notado um estreitamento das relações entre Direito e mundo político. Diante dessa “judicialização da política”, a sociedade civil começa a se questionar sobre o mandato vitalício dos ministros, sobre mudanças na seleção dos magistrados. Toda democracia encontra essas dificuldades, o problema é que nunca o encaramos de frente.

Como o senhor avalia a popularidade do juiz Sergio Moro?

Ele é um jovem juiz extremamente competente e corajoso. Muitos acham que o juiz Moro é o nosso redentor da moralidade social com a sua probidade. Mas é necessário compreender que a decisão do juiz Moro vai ser submetida ainda a três graus de recursos. Estamos falando em talvez cinco ou seis recursos em três tribunais diferentes. Para a gente ter uma ideia do tempo que isso demora, no caso do ex-senador Luiz Estevão, o processo dele ainda não terminou.

Para realmente mudar a situação da apuração judicial dos crimes de corrupção, temos que mudar o código de processo penal com a máxima urgência.

O que deve ser mudado?

O ideal é um sistema penal calcado no fortalecimento das duas primeiras instâncias - o juiz que julga em primeiro grau e a corte revisora – e que transforme qualquer outra medida para além do segundo grau em algo absolutamente extraordinário.

O que o debate sobre as causas do impeachment revelam sobre a natureza do Direito?

O Direito não é uma ciência exata porque ele se vale da linguagem humana. A rigor, nem as ciências que chamamos de Exatas o são. Se você perguntar para um físico por exemplo, se vivemos um tempo exato, ele vai dizer que o tempo é relativo. Na verdade, nada existe de seguro, preciso e exato – nem  Matemática, nem Física, muito menos a linguagem humana.

 A linguagem humana está sempre aberta à construção de uma outra interpretação. Esse é o desafio de lidar com área. Por outro lado, isso também é uma vantagem tremenda. Quando aberta para outra interpretação, ela se torna propícia a uma mudança para o futuro. Eu não troco a incerteza do Direito por nada. Que sua leitura no futuro seja melhor do que a atual.

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