O ministro Gilmar Mendes pode tudo?
Mendes usa e abusa das prerrogativas de ministro do STF e de presidente do TSE para tomar decisões que vão na contra-mão dos desejos dos brasileiros
EXAME Hoje
Publicado em 21 de dezembro de 2017 às 18h42.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes foi manchete todos os dias dessa semana por estar no centro de uma série de decisões polêmicas. Na segunda-feira, em decisões monocráticas, em poucas horas, liberou Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB) e suspendeu o inquérito que tramitava no Superior Tribunal de Justiça contra o governador do Paraná, Beto Richa.
Em sessão da segunda turma da corte, votou pelo arquivamento de processos contra o deputado Arthur Lira (PP-AL), que é líder do partido na Câmara, seu pai, o senador Benedito de Lira (PP-AL), o deputado Eduardo da Fonte (PP-PE) e o deputado José Guimarães (PT-CE) e pela soltura do empresário Marco Antônio de Luca, detido desde junho por suspeita de pagar propina ao ex-governador do Rio em troca de contratos com o Estado.
Na terça-feira, Mendes, também sozinho, atendeu ao pedido do Partido dos Trabalhadores e proibiu a realização de conduções coercitivas para interrogar investigados no país por considerar o ato inconstitucional.
Para o ministro, o procedimento viola os princípios como o direito ao silêncio e do direito de não produzir prova contra si. Ainda na terça, soltou dois empresários presos na Operação Fratura Exposta, desdobramento da Lava-Jato no Rio de Janeiro que investiga prática de corrupção no sistema de saúde do Estado: Miguel Iskin e Gustavo Estelita Cavalcanti Pessoa.
Ele também se envolveu em uma controversa discussão com o ministro Luís Roberto Barroso, com quem já teve diversas divergências. Mendes criticou a Procuradoria-Geral da República durante uma sessão do Supremo e de pronto foi rebatido pelo colega. “Eu gostaria de dizer que eu ouvi o áudio ‘tem que manter isso aí, viu’. Eu quero dizer que eu vi a fita, eu vi a mala de dinheiro, eu vi a corridinha na televisão. Eu li o depoimento de Youssef. Eu li o depoimento de Funaro”, disse Barroso.
Na noite de quarta, já no início do recesso de final de ano do judiciário, Mendes, agora como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mandou soltar o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PR-RJ) e o ex-ministro Antonio Carlos Rodrigues, presidente do PR, ambos acusados de negociar propina da JBS para a campanha de Garotinho ao governo do estado.
Mas como pode um único ministro ser o responsável por tantas decisões polêmicas e importantes em tão pouco tempo?
A resposta é simples. “Eles têm algumas competências que acabam fortalecendo demais a eles próprios nos processos decisórios”, diz Luiz Guilherme Arcaro Conci, professor de Teoria do Estado e Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC-SP. No caso de Mendes, que, por coincidência, também está exercendo a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, a caneta fica mais pesada ainda.
Um dos casos em que esse acúmulo de autoridade fica claro é quanto a decisão de liminares cautelares. Isso porque depois de passar pelo ministro relator do caso, a decisão final deve ser tomada pelo colegiado responsável. No caso de decisões cautelares tomadas às vésperas do recesso, como algumas das citadas, a escolha do ministro vale até a volta das atividades, em fevereiro.
“O tempo decorrido entre a decisão cautelar e a análise pelo colegiado pode ser um problema enorme. Se ela [a decisão colegiada] ocorresse na semana seguinte, nós teríamos uma diminuição do poder individual dos ministros. Esse tipo de medida é importante, porque há situações em que não se pode esperar, mas há situações em que os ministros fixam a agenda dos processos”, diz Conci, que ressalta que isso não tem a ver com o teor das decisões tomadas, mas com as estrutura do tribunal.
Outro ponto de excessivo poder para ministros que é apontado por juristas é a falta de limite de tempo que os ministros podem levar para analisar um processo sobre o qual pediram vistas. Na prática, isto também poderia ser utilizado para que um ministro faça a agenda da Corte. Há diversos casos em que ministros ficaram mais de um ano com o processo para poderem estudá-lo melhor. Em um caso semelhante, recentemente, no julgamento sobre a restrição ao foro privilegiado de parlamentares, o ministro Dias Toffoli pediu vistas mesmo depois de já ter sido alcançada a maioria favorável a restringir o foro, o que também vai adiar a decisão final sobre o assunto.
No caso de Gilmar Mendes, o fato de ele ser também o presidente – e por consequência o plantonista – do TSE é o que levou, por exemplo, a ser dele a decisão sobre o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho. Até a volta do recesso, todas as decisões urgentes da casa serão tomadas por ele, assim como a ministra Cármen Lúcia fará no Supremo. Ano passado, por prerrogativa do cargo, ela foi a responsável por homologar a delação premiada de 77 executivos da Odebrecht, já que o caso estava sem relator após a morte do ministro Teori Zavascki.
A homologação ocorreu uma semana antes da escolha do novo relator e, segundo notícias da época, a ministra tomou a decisão para evitar, por exemplo, que o novo relator não aceitasse aquela que era, até o momento, a principal delação da Lava-Jato. A decisão de Cármen Lúcia não foi alvo de grandes contestações. Já Gilmar Mendes é mestre em usar seus poderes para ir na contra-mão do desejo dos brasileiros, e de boa parte de seus colegas do Supremo.
A boa notícia: o ministro deixa a presidência do TSE em fevereiro, para dar lugar a Luiz Fux. A má: ele tem mais 14 anos de STF.