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O Instituto Lula era uma romaria de empresários, diz Marcelo Odebrecht

Delator afirma que havia descontentamento geral com o governo Dilma e que empresários queriam que ex-presidente influenciasse decisões da petista

Lula: Marcelo Odebrecht afirma que empresários pediam influência do ex-presidente sobre o governo de Dilma (Ricardo Moraes/Reuters)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 7 de outubro de 2019 às 20h59.

São Paulo — O empresário Marcelo Odebrecht disse nesta segunda-feira, 7, que "o Instituto Lula era uma romaria de empresários". Em depoimento à Justiça Federal, no âmbito de ação penal em que o ex-presidente é réu por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e tráfico de influência, Odebrecht declarou que, após a saída de Lula da Presidência, "havia sim um descontentamento enorme da classe empresarial em relação ao rumo que estava tomando o governo Dilma".

Segundo Odebrecht, era "extremamente difícil" de lidar com Dilma. "Essa a avaliação de todos. Esses empresários, entre os quais, meu pai, não cansavam de ir até Lula para tentar ver se ele influenciava ela (Dilma) de alguma maneira."

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O empresário foi ouvido em uma Vara Federal de Osasco (Grande São Paulo), por meio de vídeo conferência. O processo, sobre negócios em Angola, na África, tramita na 10.ª Vara Federal de Brasília.

O juiz Vallisney Oliveira perguntou a Odebrecht. "Os srs utilizavam o ex-presidente Lula para fazer algum pedido ao governo da ex-presidente Dilma? Ele (Lula) trabalhava, entre aspas, pela empresa?, fazia algum favor para a empresa junto ao governo? Aqui (no processo) tem um crime de tráfico de influência. O sr como colaborador o que pode dizer sobre isso?"

"A maior dificuldade que tinha com a presidente Dilma era, por exemplo, no nosso caso, o projeto do etanol que o presidente Lula incentivou a Odebrecht entrar e, depois, a presidente Dilma fez várias medidas que foram contra", respondeu o empresário. "Então, tinha sim, nós, empresários, recorríamos a Lula para tentar influenciar Dilma porque entendíamos que os rumos do governo não estava sendo dos mais adequados."

Odebrecht reiterou que "o Instituto Lula virou uma romaria de empresários".

"Mas eu não diria que nesse processo foi feito nada de ilícito, era uma coisa normal de um presidente que saiu e que colocou a sucessora dele."

O juiz insistiu. "E por que o sr. se utilizava do ex-presidente?'

O empresário começou a responder. "Excelência, a percepção que existia em todo o meio empresarial..."

O juiz interrompeu e retomou a palavra. "Quero entender porque (o processo) é um tráfico de influência. Tem que ter alguma promessa do réu nesse caso específico."

"Nesse caso específico não me lembro de nada, a gente pode ter pedido para ele reforçar lá alguma coisa. Acho que é normal, a gente fazia isso com os presidentes quando viajavam, presidentes e ex-presidentes, nós atualizávamos eles o que estávamos fazendo nesses países, lobby positivo a favor das empresas."

Ainda ao ser indagado sobre palestras relativas ao Instituto Lula, Odebrecht explicou. "Soube que houve um combinado do meu pai com Lula, ou Alexandrino (Alencar, executivo do grupo), não sei ao certo, para se fechar algumas palestras. Assim como soube que várias outras empresas no Brasil e no exterior contrataram o presidente Lula para fazer palestras. Qual foi a motivação que meu pai contratou essas palestras, acho mais correto escutar diretamente dele."

Odebrecht seguiu. "Havia duas razões: havia intenção de ajudar o Instituto Lula, como ajudamos o Instituto FHC. O presidente Lula era pessoa que tinha imagem bastante positiva em vários países em que a gente atuava. Ao contratar ele para umas palestras não deixara de ser um trabalho de relações públicas."

O empresário ressaltou que avisou o ex-ministro Antonio Palocci (Fazenda e Casa Civil/Governos Lula e Dilma) que R$ 15 milhões foram reservados a Lula e que esse valor sairia da "Planilha Italiano" - fluxo de dinheiro da empreiteira para o PT e para o Instituto. Ele disse que o dinheiro das palestras seria descontado da planilha, sem avisar Lula.

"No nosso entendimento, Instituto Lula fazia parte do projeto político do PT."

Financiamento na Angola

Odebrecht confirmou o acerto de propinas ao PT em favor de Lula relacionados ao financiamento pelo BNDES de exportação de serviços do grupo em Angola, na África.

O caso dos negócios da Odebrecht em Angola tem Lula como réu em dois processos penais abertos na Justiça Federal, em Brasília, resultado na Operação Janus - deflagrada em 2016 em desdobramento às descobertas da Lava Jato. O principal, que trata do suposto acerto de US$ 40 milhões de propinas ao PT pela liberação dos recursos pelo BNDES, tem como alvos Lula e Paulo Bernardo - ele foi ouvido na sexta-feira, 4, nesse caso. O outro, é o que apura corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência contra o ex-presidente e Taiguara Rodrigues dos Santos, conhecido como "sobrinho de Lula".

"Naquela época, eu tinha uma conta corrente que eu e Palocci administrávamos, e que pertencia ao PT, Lula e que, na verdade, era fruto de um combinado de Lula com meu pai. Quando havia pedidos de valores para ajudar o PT, saia dessa conta corrente." A conta corrente está registrada na "Planilha Italiano", que a Lava Jato apreendeu, que era a contabilidade informal de um crédito de R$ 300 milhões que os Odebrecht reservou para pagamentos ao PT.

Odebrecht afirma que na "Planilha Italiano" havia duas "contrapartidas" - que seriam os negócios onde houve cobrança condicional de propinas - o caso do chamado "rebate", dos negócios em Angola e BNDES, e o Refis da Crise. "Esses dois foram de fato contrapartidas solicitadas, e que geraram créditos."

No caso do financiamento de Angola, apontou envolvimento do ex-ministro Paulo Bernardo. "A Planilha Italiano era a conta corrente onde havia créditos que eram colocados em função de pedidos, que eram feitos, principalmente através de Palocci. Basicamente por Palocci e, no caso do rebate, por Paulo Bernardo."

Contradições

Em quase uma hora e meia de depoimento ao juiz da 10.ª Vara Federal, Odebrecht confirmou o que sabia sobre o caso e acusou o pai e o ex-executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar de "contradições" ao falarem à Justiça sobre a participação do ex-presidente e o acerto de valores.

"Como a relação de Lula pertencia ao meu pai, eu tinha que referendar esses valores com ele, buscar a autorização dele. Só que agora ele está dizendo em depoimento que nunca conversou com Lula sobre valores."

Como delator, ele explicou que não teve participação direta nos supostos acertos com o ex-presidente, mas que tanto o pai, como Palocci e outros executivos relataram pedidos de Lula. Afirmou ainda que manteve o teor de sua colaboração premiada - homologada em 2017 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Após depoimento de sexta, no processo principal, defesas dos réus viram "recuo" do empresário.

"Aquilo que eu sabia, era via Alexandrino e meu pai. E os dois têm várias contradições nos depoimentos deles em relação ao que me contaram à época", afirmou Odebrecht.

"O grande ponto da questão é que tem alguns itens, que eu tinha obtido através de meu pai informação de que ou ele tinha falado com Lula, ou ia falar com Lula e eu autorizava. Mas que basicamente nesse momento, ou ele esqueceu, e está no direito dele, ou ele falava uma coisa comigo e falava com Lula outra. Então isso que precisava esclarecer."

O delator disse que nunca afirmou ter tratado diretamente com o petista sobre propinas e que isso confirma sua delação. "Sempre deixei bem claro, em todas minhas colaborações, em todos meus depoimentos, sempre, não só o da sexta passada na ação penal do rebate (de Angola), em todas as ações penais em que eu tive, em toda colaboração, eu sempre deixei bem claro que nunca tive relação nem responsabilidade pelas tratativas com presidente Lula."

Presidente do grupo de 2009 até 2015, quando foi preso pela Lava Jato - cumpriu dois anos de prisão e agora está em regime domiciliar, monitorado por tornozeleira eletrônica -, Odebrecht disse que a "relação de Lula pertencia" ao pai, Emílio, mas que referendava valores com ele. "Só que agora ele está dizendo em depoimento que nunca conversou com Lula sobre valores".

"Respondo pela minha colaboração e pelo o que eu falei. Se pessoas acertaram propinas e disseram que não acertaram, eles é que têm que responder. Posso responder pela minha colaboração."

Sobrinho

No processo em que Odebrecht foi ouvido nesta segunda-feira, as acusações são relacionadas aos supostos pagamentos feitos para Lula e para o "sobrinho", relacionados a negócios em Angola. O delator explicou que não teve envolvimento direto com o caso.

"Não tive nenhuma relação com esse assunto da contratação do sobrinho, e o que eu soube, soube depois. Como também não era responsável pela relação com o presidente Lula, nem constava nos meus anexos. Quando veio a denuncia (do MPF, em 2016) eu ainda não tinha fechado o acordo de colaboração, eu apenas citei em um dos meus anexos o que eu sabia dos fatos", explicou Odebrecht, ao juiz.

O delator voltou a contar que o diretor da Odebrecht em Angola Ernesto Bayard o comunicou, após os acertos, que havia a solicitação de apoio. "O que eu soube foi que por volta de 2011, que o Ernesto Bayard me alertou, que houve pedido de Lula, não sei se a meu pai ou Alexandrino para que nós pudéssemos subcontratar o sobrinho dele em Angola."

Odebrecht disse também que tempos depois Alexandrino também relatou novo pedido para ajuda ao "sobrinho". "Não tinha falado nada, porque não tinha me envolvido."

Marcelo foi questionado se confirmava a denúncia do MPF de 2016, inicial do processo, que vinculava o empresário à negociação com Lula para pagamento de R$ 20 milhões por meio da contratação da empresas Exergia, de Taiguara, em troca do financiamento do BNDES. O delator disse que é falso.

Odebrecht disse que a denúncia do caso, que o coloca como responsável direto pelos acertos e pagamentos a Lula e ao sobrinho, segundo o Ministério Público, gera uma situação "injusta". "Ocorreu quando não tínhamos fechado a colaboração. Portanto, foi o que o Ministério Público conseguiu angariar sem a nossa colaboração." Ele disse que tentou alertar a Procuradoria sobre o fato dele não estar envolvido.

"Não sei em relação a todos os fatos, mas o meu envolvimento não houve. E a gente, ao meu modo de ver, corroborou isso com vários depoimentos de outras pessoas. Mas o Ministério Público manteve a denúncia e meu envolvimento, o que criou uma situação ao meu modo de ver injusta."

Defesa

O advogado de defesa de Lula, Cristiano Zanin Martins, disse na última sexta que os depoimentos de Marcelo e de Emílio, somados, deixam claro que "o ex-presidente não praticou nenhum ato ilícito que foi imputado a ele nessa ação."

"Não há como sustentar vínculo com o ex-presidente. Se ocorreu algum fato ilícito, não tem qualquer participação de Lula", disse Zanin.

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