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O Brasil está (de fato) perto de ter seu próprio Donald Trump?

O deputado Jair Bolsonaro tem tentado capitalizar para si a vitória do bilionário americano, mas especialistas são cautelosos

Donald Trump: Bill Clinton "não poderia ter sido mais gentil" (Chip Somodevilla/Getty Images)

Donald Trump: Bill Clinton "não poderia ter sido mais gentil" (Chip Somodevilla/Getty Images)

Talita Abrantes

Talita Abrantes

Publicado em 11 de novembro de 2016 às 14h20.

Última atualização em 11 de novembro de 2016 às 15h40.

São Paulo - O dia seguinte às eleições americanas amanheceu repleto de espanto e mea culpa. Afinal, nem estatísticos, analistas políticos ou jornalistas foram capazes de captar o movimento social que culminou com a vitória do republicano Donald Trump na corrida pela Casa Branca. Entre alguns brasileiros, a reflexão seguiu o mesmo tom: será que estamos subestimando uma tendência semelhante no Brasil?

Diante de uma severa crise política e econômica, o resultado das eleições municipais de outubro, de certo modo, confirmou uma orientação mais à centro-direita no país com a derrocada do PT e a vitória do PSDB, que deve comandar as principais cidades e o maior contingente de eleitores a partir de 2017.

Ao mesmo tempo, vitórias surpreendentes como a do tucano João Doria Jr (PSDB-SP) em São Paulo, que do mesmo modo que Trump chegou ao poder sem ter assumido um cargo eletivo antes, e a elevada taxa de abstenção no pleito municipal indicam um certo descrédito da população frente à classe política — um dos itens determinantes para a ascensão do republicano.

Contudo, para analistas consultados por EXAME.com, evidências como essas, por ora, não são suficientes para recriar, no Brasil, as condições para a tempestade perfeita que conduziu o bilionário ao poder.

O candidato

Até o momento, não há nenhum potencial candidato para as eleições de 2018 com um perfil equivalente ao de Trump. O deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ)  até tem tentado capitalizar para si a vitória do candidato republicano -- mas, para além do tom agressivo dos discursos, são poucas as semelhanças entre ambos, na visão dos  especialistas.

Bolsonaro é um político de carreira. Trump chegou ao poder desafiando o establishment com seu bordão de que não é político, mas sim empresário. Bolsonaro se apresenta como o ícone da direita. Trump endossa um discurso moral conservador enquanto flerta com medidas da esquerda, como o protecionismo econômico.

“Todo fenômeno populista não pode se desvincular da atuação de seu personagem, do líder populista. Um fenômeno populista não é reproduzível. Da mesma forma que não existe o peronismo sem o Perón, não existe o trumpismo sem Trump”, diz Fernando Schüler, professor de ciências políticas do Insper.

A sagacidade do bilionário foi assimilar o senso comum do americano médio como matéria prima para sua campanha. “O establishment político democrata perdeu a mão do pensamento do cidadão comum que pagou uma parte da conta da globalização, que perdeu emprego, que viu empresas saírem dos Estados Unidos”, afirma Schüler.

O cenário

A reação de parte do eleitorado americano não foi nova, de acordo com Bernardo Conde, professor de antropologia da PUC-Rio. “Falando dos últimos 50 anos, toda vez que houve uma escassez na oferta de trabalho, os imigrantes passam a ser um problema dentro daquela sociedade. Aqueles que são nacionalistas e xenófobos começam a ter uma força de discurso”, afirma.

Nesse contexto, pelo menos por ora, segundo os analistas, o Brasil também se distancia do cenário norte-americano. “O ciclo de conservadorismo no Brasil tem causas diferentes que o dos EUA porque a gente não sofre com a falta de trabalho ou de um gasto público alto por causa de imigrantes”, diz Conde.

Se levarmos em conta os últimos pleitos e a condição partidária nacional, o discurso radical até tende a aglomerar  um certo contingente de seguidores, mas nunca prevaleceu. “Não chegamos a esse ponto em que a escolha é entre a extrema direita ou nada”,  afirma Roberto Romano, professor emérito de ciências políticas da Unicamp.

Mas há elementos que nos aproximam daquele contexto. Tal qual os americanos, os brasileiros também experimentam uma sensação de desconfiança diante das instituições políticas. “No Brasil, quem assumir esse modelo do Doria, sobretudo se ele conseguir algumas vitórias em São Paulo, terá uma fórmula praticamente infalível”, afirma Romano.

Da lista de eventuais pré-candidatos para a corrida presidencial em 2018, não há nenhum empresário ou nome de fora da política com potencial de assustar os políticos de carreira. Mas, diante da fala dos analistas, a expectativa é de uma campanha (no mínimo) repleta de conceitos emprestados do mundo dos negócios.

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