Brasil

O ano da infra-estrutura

Com o PAC, o governo resgata a cultura do planejamento estratégico, cria uma agenda de crescimento e reconhece a importância crucial dos investimentos em infra-estrutura para tirar o país do marasmo econômico. Só falta colocar a teoria em prática

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h30.

No dia 9 de outubro, ao ser informado pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, sobre o resultado do leilão realizado na Bolsa de Valores de São Paulo para a concessão de sete trechos de rodovias federais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se conteve. "Espetacular, Dilma!", comemorou ele ao telefone, segundo relato publicado nos jornais. A euforia do presidente era compreensível. Pelo modelo adotado no leilão, o governo abriu mão da outorga, um prêmio pago pelas empresas concessionárias vencedoras da licitação. Em troca, as concessionárias reduziriam a tarifa de pedágio nas estradas que recebessem para administrar. A vencedora do leilão, a empreiteira espanhola OHL, que arrematou cinco dos sete lotes leiloados -- entre eles os mais cobiçados, as rodovias Fernão Dias e Régis Bittencourt --, propôs diminuir o valor do pedágio em 65%, em média, sobre o preço máximo sugerido no edital da licitação. O desfecho desse leilão foi importante para o governo por vários motivos. Primeiro, destravou um processo que vinha se arrastando há uma década -- o plano de passar para a gestão privada os sete trechos federais, totalizando 2 600 quilômetros, começou a ser desenhado em 1997, na presidência de Fernando Henrique Cardoso.

Segundo, a cobrança de pedágios mais baratos nas rodovias leiloadas no período da administração petista também fortalece o governo -- o motorista vai pagar 99 centavos de pedágio na rodovia Fernão Dias, enquanto na Via Dutra, privatizada durante o governo de FHC, a tarifa custa 7,80 reais. Por fim, o até agora bem-sucedido leilão dá um novo alento ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que vinha sendo criticado pela lentidão em apresentar resultados palpáveis e pela falta de mecanismos para atrair a participação do capital privado.

Lançado em janeiro deste ano pelo presidente Lula, o PAC prevê investimentos de 504 bilhões de reais até 2010 em projetos de infra-estrutura. Com todas as suas falhas, ele tem o mérito de colocar a infra-estrutura no centro de debates no país. Nunca no Brasil se discutiram tantos projetos de usinas hidrelétricas, termelétricas, gasodutos, aeroportos, portos, rodovias e ferrovias. Com o PAC, o governo retoma o papel do Estado no planejamento estratégico e na definição das prioridades e cria uma agenda de crescimento para os próximos anos. A meta do programa é garantir as condições para a expansão da economia brasileira na casa de 4,5% neste ano e de 5% ao ano entre 2008 e 2010.

O governo Lula não é o primeiro na história do país a apostar num programa de crescimento. Logo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1947, o governo do general Eurico Gaspar Dutra fez a primeira tentativa de planejamento econômico estatal de longo prazo, com o plano Saúde, Alimentação, Transporte e Energia (Salte). Anos depois, em 1956, o presidente Juscelino Kubitschek lançou o Plano de Metas, com o objetivo audacioso de fazer o país crescer "50 anos em 5" -- megalomania que se traduziu na construção de Brasília. No período do regime militar, o governo lançou o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) I e II, com projetos que visavam a integração nacional e com investimentos na indústria de base. Durante toda a década de 80 e início dos anos 90, o país sofreu com a espiral inflacionária e com a explosão de seu endividamento externo e interno, o que dificultou a implantação de planos de longo prazo. Com a estabilidade econômica trazida pelo Plano Real, em 1994, a tradição de planejamento estratégico foi retomada no governo de Fernando Henrique Cardoso, que lançou o Plano Plurianual (PPA), batizado de Brasil em Ação, de 1996 a 1999, e o plano Avança Brasil, de 2000 a 2003. Os dois programas, no entanto, não conseguiram garantir os recursos necessários para os investimentos e tiveram baixo índice de realização. Serviram, contudo, de base para a elaboração do PAC, que incorporou muitas obras inacabadas ou que não saíram do papel na gestão de FHC.

Dinheiro para dar a largada
Compare os valores dos investimentos previstos pelo plano do governo e o montante que seria preciso aplicar para resolver os principais problemas de infra-estrutura
  Investimentos do PAC (2007-10) (em reais) Quanto serianecessário investir (em reais)
Hidrovias700 milhões25,6 bilhões(1)
Portos2,7 bilhões4,4 bilhões(1)
Aeroportos3 bilhões7,9 bilhões(1)
Ferrovias7,9 bilhões86,7 bilhões(1)
Rodovias33,4 bilhões93,5 bilhões(1)
Saneamento40 bilhões220 bilhões(3)
Geração de energia elétrica65,9 bilhões75 bilhões(2)
(1) Plano de Logística da Confederação Nacional do Transporte (CNT), que não estabelece o prazo necessário para os investimentos
(2) Plano Decenal de Expansão da Energia Elétrica (2006-2015), do Ministério de Minas e Energia
(3) Estimativa da Fundação Getulio Vargas (FGV) para 20 anos

No papel, o PAC é um plano muito mais detalhado do que o Avança Brasil. O Palácio do Planalto montou, na Casa Civil, 11 salas para monitorar o dia-a-dia das obras e dos projetos incluídos no programa. Essas salas alimentam de informações o grupo executivo do PAC, formado pelos ministros da Casa Civil, da Fazenda e do Planejamento. Até agora, o andamento do programa tem ocorrido num ritmo mais lento do que todos gostariam. De acordo com o último balanço do PAC, divulgado pelo governo em setembro, haviam sido utilizados apenas 9,3% dos 14,8 bilhões de reais em verbas do Orçamento da União previstas para investir em 2007. Outros 45% estavam empenhados (comprometidos) com algum pagamento e o restante continuava aguardando destino. "A execução do PAC deveria ocorrer num ritmo mais acelerado. Se continuar como está, há um risco muito grande de o calendário das obras furar", diz o pesquisador Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral.

Outro problema apontado pelos especialistas é que, diante da enorme carência de infra-estrutura no país, o PAC é insuficiente para recuperar décadas de atraso e resolver todos os gargalos mais urgentes. No setor de transportes, por exemplo, o programa do governo prevê investimentos de 58 bilhões de reais em quatro anos. Em setembro, a Confederação Nacional do Transporte (CNT) divulgou seu Plano de Logística para o Brasil, um conjunto de projetos no valor de 224 bilhões de reais -- quase quatro vezes mais que o previsto pelo PAC. "Não é um exagero, se pensarmos que a Índia, por exemplo, investiu 100 bilhões de dólares em transportes no ano passado", diz Clésio Andrade, presidente da CNT. No setor de energia, dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, nas duas últimas décadas, o consumo de energia cresceu a taxas superiores à da expansão da economia. Enquanto o PIB brasileiro aumentou, em média, 1,9% ao ano entre 1980 e 2003, a demanda energética cresceu 2,5% ao ano. Se a economia continuar seguindo esse comportamento, para o Brasil crescer 5% ao ano, como pretende o PAC, sua capacidade de geração de energia teria de crescer anualmente 6 353 megawatts, o que levaria a um crescimento da oferta de 6,5% ao ano. Os investimentos do PAC, no entanto, prevêem acréscimo anual de 3 096 megawatts, ou 3,1% ao ano. Ou seja, o PAC é um bom programa se for encarado como o primeiro passo para o governo começar a eliminar as graves deficiências da infra-estrutura brasileira. Só o primeiro passo.

Com reportagem de Maria Fernanda Ziegler

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