Nicida, da PGR: projeto de lei beneficia gestor mal-intencionado
Para a sub-procuradora geral da República Mônica Nicida, projeto de lei que aguarda sanção ou veto presidencial pode facilitar atos de corrupção
Da Redação
Publicado em 25 de abril de 2018 às 15h09.
Última atualização em 25 de abril de 2018 às 18h10.
Juristas e procuradores estão em estado de alerta. O presidente Michel Temer (MDB) tem até esta quarta-feira 25 para sancionar, ou vetar, um projeto de lei que, na visão de ministros da Justiça e procuradores, vai dificultar a atuação dos órgãos de controle e criar um cenário de insegurança jurídica em casos de ilegalidades cometidas por gestores públicos.
O Projeto de Lei 7.448/2018 foi apresentado pelo senador Antonio Anastasia (PSDB) e já foi aprovado nas comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado, sem passar pelo plenário, indo direto para as mãos do presidente Temer, que deve vir a sancionar o texto com alguns vetos.
Nesta segunda-feira 23, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que a lei representa um retrocesso. “Ao criar novos parâmetros de interpretação à lei, no entendimento do Ministério Público, a proposta eleva a insegurança jurídica. Trata-se de uma lei mais benéfica para o infrator. Efeitos retroativos poderão ser invocados por interessados, inclusive os já processados e já punidos judicialmente. A insegurança jurídica poderá favorecer a impunidade de agentes públicos”, afirmou Dodge.
Para os críticos do projeto, o texto limita as situações em que os gestores podem ser processados e possibilita a exclusão de responsabilidade do agente público, além de afetar a atuação de órgãos como o Tribunal de Contas da União e Ministérios Públicos. Com as mudanças, os agentes públicos só seriam punidos em caso de dolo ou erro grosseiro em decisões técnicas – casos de negligência ou imperícia, por exemplo, passariam impunes.
EXAME entrevistou a sub-procuradora geral da República Mônica Nicida coordenadora da Câmara de Combate à Corrupção e signatária de uma nota técnica do MPF que pede o veto integral ao projeto sobre as críticas da categoria à proposta. Leia abaixo.
A senhora está entre os signatários de uma nota técnica do MPF que defende o veto integral ao projeto PL 7.448. Por que?
Porque no nosso entender é um projeto de lei que não foi discutido, e que traz alterações muito relevantes no âmbito do controle da administração pública, o tem tudo a ver com o combate à corrupção.
Em que sentido?
O combate à corrupção passa pelo aperfeiçoamento das investigações, pela possibilidade de você detectar esses atos e pelo controle da administração pública. Quanto melhor o controle da administração, em tese, menos corrupção. Se você afrouxa o controle da administração pública, abre margem para o aumento dos atos de corrupção.
Mas de que maneiras o projeto faz isso?
O primeiro artigo do projeto já é bastante complicado. Diz que nas esferas administrativas não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos. Nesse contexto, o projeto diz que quer trazer mais segurança jurídica para o gestor público, para que ele possa decidir em uma determinada situação e evitar que, depois, venham dizer que estava errado, que houveram equívocos, enfim. Esse raciocínio inverte todo o sistema que existe de direito público, que é, basicamente, aquele em que o gestor é pautado pela Constituição e pela lei, pelo princípio da legalidade, entre outros princípios, impessoalidade, publicidade, etc. Se o gestor já é pautado pela Constituição, quando um órgão de controle vai avaliar se o ato foi legal, ele tem que verificar se está dentro da Constituição e das normas, ou seja: o órgão de controle vai usar a mesma régua que foi usada pelo gestor administrativo na hora da tomada de decisão. Com essas novas normas, o administrador vai poder ter qualquer régua, ver o que é conveniente para ele em determinado momento e, na hora do órgão de controle fiscalizar, terá que usar a régua do próprio administrador. Isso cria uma dificuldade muito grande, porque transfere para o órgão de controle a necessidade de justificar uma eventual ilegalidade por parte do gestor.
Nesta segunda-feira 23, a procuradora-geral, Raquel Dodge, voltou a dizer que o projeto “eleva a insegurança jurídica”. Já os defensores do texto dizem justamente o contrário, que ele foi feito para elevar a segurança. Em que medida o PL eleva a insegurança jurídica?
Na visão dos autores do projeto, a segurança jurídica é para o gestor público, é para o prefeito, para o servidor que tem um cargo em que vai ter que assinar algum contrato. No nosso ver, a segurança jurídica não é só isso, ela está no atendimento ao interesse público, na observância do princípio da legalidade, da impessoalidade, e são todos esses princípios que o projeto de lei enfraquece. Ele não traz segurança jurídica nenhuma, ao contrário, só a enfraquece ao fazer uma alteração desse tamanho.
Seria possível então aumentar a segurança para os gestores de outra maneira?
Sim, por meio da educação, diretamente. No sentido de dar mais informações aos gestores, de treinamento de prefeitos e gestores, para que eles conheçam melhor a lei, entendam melhor a legislação. Eu entendo a reclamação de muitos gestores de que a lei é muito complicada, mas não é afrouxando os mecanismos de controle que se vai resolver a situação. Os gestores precisam se cercar de pessoas que possam orientá-los, estudar as leis, se informar. A lei pode até pretender dar segurança para o gestor bem intencionado, mas vai facilitar atos ilícitos do gestor mal intencionado, que depois, vai poder justificar, como está no projeto de lei, que tinha um parecer de um algum jurista, ou que foi orientado por um advogado, ou que tinha uma jurisprudência da década de 1990. Ao não ter que se pautar mais pela Constituição, o gestor poderá invocar argumentos desse tipo e dar uma desculpa. O projeto de lei dá uma liberdade enorme para o gestor e dificulta gigantescamente o controle. Nessa medida, gera uma insegurança jurídica muito acentuada.
Como a lei beneficiará políticos acusados de improbidade administrativa?
Por esses motivos, justamente. O gestor tem que se pautar por determinadas regras e princípios. O bem intencionado poderá se pautar por essas regras, mas o mal intencionado também poderá se pautar por alguma jurisprudência, pela opinião de um advogado. A pretexto de dar segurança jurídica para o gestor honesto, vai beneficiar o gestor desonesto. Os gestores reclamam que, na hora dos órgãos de controle fiscalizarem, é preciso levar em conta os recursos que eles, gestores públicos, possuíam na época para tomar aquela decisão. Mas tudo isso já é feito hoje, tanto no direito administrativo, quanto em casos de improbidade, são as chamadas atenuantes, que avaliam em um processo as condições para a tomada de decisão na época. Um mesmo ato cometido em duas situações diferentes pode ter avaliações completamente diferentes considerando justamente essas atenuantes. Não é necessário fazer uma alteração nessa proporção para garantir isso. O projeto vai dificultar a atuação dos órgãos de controle, das instâncias jurídicas, dos juízes que terão que julgar os processos.