Ministro Marco Aurélio Mello, do STF, durante sessão da corte (Adriano Machado/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 6 de setembro de 2019 às 18h37.
Última atualização em 6 de setembro de 2019 às 18h44.
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta sexta-feira, 6 ao Estadão/Broadcast que não viu nada "de mais" no livro em quadrinhos Vingadores, a Cruzada das Crianças, criticado pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB) por apresentar personagens homossexuais. Para o ministro, em pleno século 21 é preciso ter uma "visão tolerante" de mundo.
No início da tarde desta sexta-feira, 6, fiscais da prefeitura estiveram na Bienal do Rio, para checar de que forma o livro estava sendo comercializado. Sob vaias de parte do público, os fiscais percorreram vários estandes, mas não encontraram nenhum exemplar.
Na véspera, Crivella havia criticado o livro. A prefeitura alega que não se trata de homofobia, mas sim do respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que recomenda que "publicações com cenas impróprias a crianças e adolescentes sejam comercializadas com lacre".
"É a visão dele, cada qual tire a sua conclusão. Quem sabe ele recolhe as TVs também. Estou cansado de ver beijo homossexual em novela", ironizou Marco Aurélio, ressaltando que não vê problema nenhum na abordagem de personagens da comunidade LGBT.
"Estamos em pleno século 21, é preciso ter uma visão aberta, uma visão tolerante e distinguindo sempre religião e Estado, preservando a liberdade de expressão. Esta (a liberdade de expressão) é intocável em um Estado democrático, mas em um Estado totalitário, religioso, não", completou.
De acordo com a presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB, Suzana do Monte Moreira, a determinação do estatuto só se aplica a casos em que há imagens de nudez ou sexo explícito. No caso do livro da Marvel, há somente uma imagem dentro do livro de um beijo entre dois homens inteiramente vestidos, não na capa.
OAB/Rio e Instituto dos Advogados Brasileiros acusam censura
A Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro, e o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) lançaram uma nota comentando a atitude do prefeito Marcelo Crivella.
Leia a íntegra a seguir:
"A Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado do Rio de Janeiro, e o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) vêm manifestar seu repúdio ao ato arbitrário praticado pela Prefeitura do Rio de Janeiro na Bienal do Livro na tarde desta sexta, dia 6. A tentativa de recolhimento da obra em quadrinhos 'Vingadores: A cruzada das crianças', sob o argumento de que violaria o Estatuto da Criança e do Adolescente, não se justifica, já que inexiste na capa da publicação qualquer reprodução de ato obsceno, nudez ou pornografia. O conteúdo da obra tampouco infringe as normas vigentes, visto que as famílias homoafetivas são reconhecidas legalmente no Brasil desde 2011, estando alinhadas com as garantias constitucionais do cidadão.
A OAB/RJ tem em seus pilares a defesa da liberdade de expressão, de pensamento e do pleno exercício da informação, especialmente traduzido na atividade da livre veiculação de livros, revistas, jornais e de todo meio de manifestação escrita legítima, conforme asseguram os direitos e garantias fundamentais esculpidos no artigo 5º, IV, VIII, IX, XIII e XIV, combinado com o artigo 220 e seus parágrafos, da Constituição Federal.
Vale salientar, ainda, que não cabe ao Poder Executivo municipal e, sim, à Justiça da Infância e da Juventude, a ação contra eventuais desrespeitos ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
A postura da Prefeitura do Rio, portanto, revela-se como ato de força e censura, que deve ser repelido. Vigilante à efetiva legalidade dos atos das autoridades públicas, a OAB/RJ reafirma seu papel na preservação do Estado democrático de Direito e, caso necessário, recorrerá às medidas cabíveis com vista à defesa da sociedade fluminense."
Esta não é a primeira vez que o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, é acusado de censura a manifestações culturais. Em 2017, em meio à polêmica gerada pela exposição Queermuseum (que reunia obras de arte explorando questões de gênero) em outras capitais, o prefeito vetou a montagem da mostra no Museu de Arte do Rio. A exposição acabou sendo montada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage.
No mesmo ano, o prefeito vetou o incentivo fiscal a diferentes projetos culturais da cidade, entre eles a Parada LGBTI em Copacabana, na zona sul. A alegação foi que o evento não se adequava às exigências do modelo de propostas. No ano passado, também foi proibida a montagem da peça O Evangelho segundo Jesus rainha do céu, na mostra Corpos Visíveis, em que Jesus Cristo era interpretado por uma atriz transexual.