Moro, STF e PGR: como fica o caso Marielle após citação de Bolsonaro
Após presidente solicitar ação da Polícia Federal, Sergio Moro entrou com pedido de inquérito na PGR por possível "equívoco" em depoimento
Clara Cerioni
Publicado em 30 de outubro de 2019 às 14h11.
Última atualização em 30 de outubro de 2019 às 15h08.
São Paulo — A citação do presidente da República, Jair Bolsonaro , nas investigações do assassinato de Marielle Franco , desencadeou reações do governo federal e também dúvidas sobre os próximos passos das apurações do caso, que seguem desde 14 de março de 2018.
Nesta terça-feira (29), o Jornal Nacional revelou que a Polícia Civil do Rio de Janeiro descobriu que o acusado de estar dirigindo o carro que realizou os disparos, Élcio de Queiroz, entrou no condomínio Vivendas da Barra no dia em que a parlamentar foi assassinada, alegando que visitaria Jair Bolsonaro, à época deputado federal.
A informação foi passada aos agentes por um porteiro que trabalha na guarita que controla os acessos ao condomínio. No dia do crime, ele registrou a entrada de Élcio como visitante da casanúmero 58 — que pertence ao hoje presidente da República.Apesar da citação, registros da Câmara dos Deputados mostram a presença de Bolsonaro em duas votações no plenário no dia.
Após a repercussão do caso, o presidente Bolsonaro, que está em viagem pelo Oriente Médio, fez uma transmissão ao vivo exaltado e hoje, mais cedo, disse que acionou o ministro da Justiça, Sergio Moro,para que a Polícia Federalcolha um novo depoimento do porteiro que o associou ao caso.
Como a investigação corre em âmbito estadual, no entanto, não haveria a possibilidade de interferência de um órgão federal, como a PF, nas apurações.
“O poder do presidente sobre MP e PF é nenhum, nesse aspecto, porque eles têm autonomia funcional”, diz a advogada constitucionalista Vera Chemim.
Poucas horas depois, Moro entrou com um pedido de inquérito para que o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, autorize uma investigação sobre uma “eventual tentativa de envolvimento indevido do nome do Presidente da República no crime em questão, o que pode configurar crimes de obstrução à Justiça, falso testemunho ou denunciação caluniosa”.
EXAME conversou com advogados e promotores para esclarecer os rumos da investigação do assassinato da vereadora do PSOL em três perguntas. Veja a seguir:
A ação de Moro foi correta?
A decisão de Moro de acionar a PGR foi questionada como uma forma de defesa pessoal do presidente. Um advogado criminalista, que preferiu não se identificar, classificou a atitude como uma "manobra inteligente".
"Ele pode alegar que há um suposto crime contra a honra do presidente, realizado pelo porteiro, e para isso há a necessidade de um novo processo — e aí sim no âmbito da Justiça Federal". A ideia seria a seguinte: "já que não posso interferir na investigação do Rio de Janeiro, vou solicitar outra por falso testemunho”.
Roberto Livianu, promotor em São Paulo e doutor em direito pela Universidade de São Paulo, diz que qualquer pessoa pode provocar a justiça para um caso e que o ministro está em seu papel, ainda que não seria o trâmite mais usual:
“Tenho a impressão intuitivamente, olhando a divisão dos papeis, de que para um pedido dessa natureza fosse mais adequado do ponto de vista formal que viesse da Advocacia-Geral da União, pois ela representa a União e a ideia é que o presidente teria sido atingido como vítima”.
O procurador-geral Augusto Aras disse ao blog da Andreia Sadi no G1 que recebeu a solicitação e vai enviá-la ao Ministério Público Federal do Rio.
O PSOL reafirmou hoje em nota sua cobrança "para que tanto Bolsonaro como o Ministro da Justiça, Sérgio Moro, não interfiram nas investigações das quais o presidente agora é um dos investigados."
O STF vai entrar no caso?
Por ter menção ao presidente da República, que tem foro privilegiado, foi especulado se o caso teria que subir para a esfera do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo apuração do Jornal Nacional, o presidente do tribunal, o ministro Dias Toffoli, já recebeu solicitação da equipe do Ministério Público do Rio de Janeiro para decidir se o processo vai subir para a Corte.
Até agora, no entanto, não há nenhuma definição. O presidente teria a prerrogativa, se acionado formalmente, de submeter a questão ao plenário.
"Será preciso aguardar a tramitação dos pedidos, uma vez que essa é uma denúncia inédita de crime comum contra um presidente da República em exercício", afirma um promotor que pediu para não ser identificado.
A bancada de deputados do PSOL solicitou uma audiência extraordinária com Toffoli ainda para esta quarta-feira.
Quem pode ter acesso ao inquérito?
Após a reportagem do Jornal Nacional, o presidente Bolsonaro fez uma live em seu perfil do Facebook atribuindo ao governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, o vazamento das investigações à imprensa.
O presidente justifica que, no dia 09 de outubro, o governador contou a ele que seu nome havia sido citado e que o processo subiria para o STF. Witzel nega as duas acusações.
Isso porque, como as investigações da morte da Marielle correm em segredo de justiça, ele não poderia ter tido acesso ao inquérito. No Twitter, o governador disse que "recebeu com tristeza as levianas acusações" de Bolsonaro.
“Não existe prerrogativa para que chefe de Executivo tenha acesso às investigações, e do ponto de vista jurídico e formal não existe nenhum fundamento para isso. Sigilo é sigilo e vale para todos aqueles que não tem responsabilidade direta no caso", afirma o promotor Roberto Livianu.