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Mariana: o arrastado processo de indenização das famílias

Passados dois anos do maior desastre ambiental do Brasil, quantificação de danos aos moradores afetados e à natureza ainda não foi concluída

Bento Rodrigues: Tragédia provocada pelo rompimento de barragem do Fundão, da mineradora Samarco, segue longe de ser resolvida (Romerito Pontes/Wikimedia Commons)
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EXAME Hoje

Publicado em 15 de setembro de 2017 às 21h53.

Última atualização em 19 de setembro de 2017 às 15h22.

A vida dessas pessoas mudou radicalmente, e muitas ainda esperam para tê-las de volta. Thiago Alves, que é integrante da comissão do Movimento de Atingidos pelas Barragens em Minas Gerais , afirmou que algumas famílias ainda não têm onde morar. A Fundação Renova paga aluguel e auxílio financeiro de cerca 1.200 reais. Os reassentamentos prometidos ainda não foram finalizados, e algumas famílias moram em casas alugadas, sem previsão de mudança. “Não há diálogo produtivo entre os atingidos e as empresas. Enquanto isso, os moradores esperam um projeto decente de moradia”, acrescenta Thiago. Para ele, a luta dos moradores é constante, e a denúncia contra as ações da empresa devem ser permanentes. A Samarco afirma que realizou 641 reuniões, com mais de 23.000 pessoas desde o acidente.

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A fundação Renova foi criada após a assinatura do Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC) entre Samarco , com o apoio de suas acionistas, Vale e BHP Billiton, e o Governo Federal, os Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e orgãos ambientais.

Em nota, a Fundação afirmou que desde o primeiro dia, após o rompimento da barragem de Fundão, todas as pessoas atingidas foram abrigadas em hotéis e pousadas de Mariana. Em nenhum momento essas pessoas ficaram desabrigadas. A Renova aluga 301 casas na região de Mariana para abrigar estas famílias. São gastos em torno de R$ 500 mil por mês com estes aluguéis.

A Renova informa que o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) prevê a entrega da obra do reassentamento de Bento Rodrigues, Gesteira e Paracatu de Baixo, dentro do prazo previsto, no primeiro semestre de 2019. Todos os processos do reassentamento têm a participação da comunidade atingida, Cáritas, Ministério Púbico de Minas Gerais (MPMG), Secretaria de Estado de Meio-Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), Secretaria de Estado de Cidades e de Integração Regional (SECIR) e Prefeitura de Mariana.

Até o momento foram desembolsados 500 milhões de reais em indenizações. A expectativa da Renova é que até  meados de 2018 todas as indenizações estejam concluídas.

Os rejeitos de mineração da barragem de mineração da Samarco, controlada pelas gigantes Vale e BHP Billiton, ainda deixam suas marcas. Foram mais de 34 milhões de metros cúbicos de lama despejados no curso do Rio Doce, que destruíram a vida de comunidades ao longo de seiscentos quilômetros, entre Minas Gerais e a foz, no Espírito Santo. Quase 1.500 hectares de vegetação ficaram comprometidos, e dezenas de espécies da fauna aquática e terrestre foram afetadas.

Quase nenhuma das pessoas atingidas, salvo os parentes de vítimas fatais, foi indenizada até agora — e elas correm o risco de não receberam nada caso o processo não seja finalizado até novembro do ano que vem. A verba que deveria ser destinada para a recuperação ambiental também não saiu. Um imbróglio que se arrasta e que coloca o Ministério Público numa corrida contra o tempo para conseguir que seja feita justiça.

A imobilidade da Samarco…

O desastre aconteceu em 5 de novembro de 2015, mas apenas em janeiro deste ano a proposta de recuperação da bacia hidrográfica foi firmada, com início de um programa de monitoramento. Ficaram previstas ações de duas naturezas: reparatória e compensatória. As medidas reparatórias são imediatas e sem validade, além de não terem valor fixado. Inicialmente, estavam previstas indenizações na casa dos 20 bilhões de reais, mas o valor pode ser alterado de acordo com o avanço das ações. As medidas compensatórias têm como objetivo recriar o ambiente, como iniciativas como a implantação de um novo sistema de esgoto e a recuperação da mata. O teto do gasto com as medidas compensatórias, segundo as cláusulas 203 e 232 do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta assinado pelo Ibama, pela Samarco, e por outros órgãos, é de até 4,1 bilhões de reais.

Desde 2015, a Samarco foi notificada 73 vezes e recebeu 24 autos de infração pelo Ibama. A maior parte das autuações ocorreram porque a empresa responsável pelo desastre não cumpriu algumas exigências dentro do prazo acordado. Para o Ibama, o não cumprimento das exigências dificultou ainda mais o fim da degradação ambiental na região. Além disso, o órgão já recusou em definitivo alguns dos recursos, e a Samarco teve que pagar uma multa de 150 milhões de reais.

Parada desde o incidente, a Samarco solicitou ao governo estadual de Minas Gerais, a volta das operações no estado. A empresa pretende voltar a operar com 60% da sua capacidade. Porém, a prefeitura de Santa Bárbara foi contra a proposta, alegando que a empresa não possui soluções capazes de evitar a destruição do solo e possíveis impactos na cidade. A cidade de Santa Bárbara era uma das principais fornecedoras de água da empresa. Além da aprovação do governo, para voltar a operar, a Samarco também necessita de uma licença para usar a Cava Alegria Sul, que serviria como depósito temporário dos rejeitos de minérios. A licença está tramitando na Secretaria de Meio Ambiente do estado de Minas Gerais.

…E a agilidade do Ibama

A imagem da bacia recuperada ainda não passa de sonho — depois que se instaurou um pesadelo na vida de quem dependia do rio. O medo tomou conta da população por semanas a fio, até que as barragens do entorno fossem declaradas seguras, no início de 2016. “A gente ia dormir e não sabia se se alguma barragem ia romper durante a noite”, conta Marcelo Belisário, superintendente do Ibama em Minas Gerais.

A ação precisou ser rápida: o Ibama se dedicou, no primeiro momento, a verificar os níveis de segurança de todas as barragens, com análise detalhada de documentos da Samarco. Depois, os olhos voltaram-se para as necessidades de reparação e reforço nas estruturas. Num terceiro momento, o órgão ambiental focou na contenção de rejeitos, para impedir que eles seguissem correndo rio abaixo. Estima-se que 20 milhões de metros cúbicos de lama com rejeito permaneceram entre Bento Rodrigues e o reservatório de Candonga, e 20 milhões se espalharam ao longo de 100 quilômetros.

Isso porque qualquer discussão sobre a recuperação da bacia só poderia ser iniciada quando o rio parasse de receber lama. O Ibama precisou analisar diariamente o trecho em 56 pontos, verificando a qualidade da água e drenando os rios nos períodos chuvosos, até se certificar de que a tragédia enfim fosse contida, no segundo semestre de 2016.

Emperrado no judiciário

Os órgãos responsáveis por quantificar os estragos e dar andamento aos casos são os Ministérios Públicos tanto Federal quanto Estaduais, de Minas Gerais e do Espírito Santo. São duas as principais ações que tramitam na justiça: a ação civil pública e a ação penal. Inicialmente, os cinco procuradores que cuidam do caso pediram uma reparação de 155 bilhões de reais para a sociedade civil, e a prisão dos 21 diretores das três empresas pelos crimes de homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), inundação, desabamento, lesões corporais graves e crimes ambientais. Nenhuma das duas ações foi concluída.

No caso da ação civil, tanto o Ministério Público Federal quanto a defesa das empresas concordaram com sua suspensão, justificando que era necessário mais tempo para analisar e quantificar os danos, antes de estipular uma multa definitiva. Para o professor em direito ambiental da FGV, Rômulo da Rocha Sampaio, a decisão pela suspensão foi sensata, uma vez que não há equipe técnica suficiente para analisar os danos causados pela tragédia. “A princípio, a suspensão em um acidente que vai completar dois anos faz parecer que a solução vai ser ainda mais demorada, mas esta é a forma mais rápida de resolver um problema”, afirma o professor. Segundo ele, processos ambientais muito menores chegaram a demorar 10 ou 15 anos para serem resolvidos.

Para a presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cintia Ribeiro de Freitas, a alteração dos termos da ação civil vai garantir que as indenizações não sejam injustas para os atingidos. “Embora a causa dos danos tenha sida a mesma, o impacto na vida das pessoas varia muito, e o dano moral é individual. As indenizações já previstas foram consideradas como incidente de causas repetitivas (como se fossem todas iguais), o que é muito temerário, porque os termos das indenizações tabelaram por baixo os danos morais de cada morador da região”, afirma a advogada.

No caso do processo penal, a situação é ainda mais delicada. No início de agosto, a defesa de dois réus pediu a suspensão do julgamento, alegando que houve uso de provas ilícitas. Telefonemas dos diretores foram grampeados, e as gravações teriam sido feitas em datas irregulares. Segundo a Polícia Federal, as interceptações foram feitas dentro do prazo autorizado pelo juiz, e que as implementações dependeram da data das operadoras telefônicas. As empresas ainda não se pronunciaram.

Para Marcelo Belisário, do Ibama, as ações reparatórias devem continuar sendo realizadas, independentemente dos prazos e dos julgamentos, uma vez que a situação trata de uma das bacias hidrográficas mais importantes da região Sudeste. “Nós sabemos que se o reparo for pensado única e exclusivamente pelo âmbito judicial, nós podemos ter problemas na efetividade da recuperação. E não temos esse tempo. O acordo é muito enfático na necessidade de não paralisar as ações de recuperação”.

Se o cenário não é simples e nem muito otimista, para as famílias que aguardam uma solução pode ser ainda pior. A reparação de danos individuais tem prazo de validade: sua prescrição ocorrerá em novembro de 2018. Com isso, famílias e milhares de atingidos pelo rompimento da barragem podem ficar sem receber devidamente as indenizações financeiras pelos danos morais e materiais, para reconstruir suas vidas. Há menos de um ano e meio de prescrever, a força tarefa de procuradores federais e estaduais, advogados da OAB e moradores corre contra o tempo para quantificar os danos e reformular os termos dos acordos das indenizações, e enfim finalizar os processos. A batalha ambiental ainda não tem prazo para acabar, mas a justiça às famílias tem.

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