Eleições: falta de candidatos atrapalha o processo eleitoral em mais de 100 cidades brasileiras (Patricia Monteiro/Bloomberg)
Estadão Conteúdo
Publicado em 4 de outubro de 2020 às 11h34.
Última atualização em 4 de outubro de 2020 às 11h36.
Moradores de Itinga (MG), cidade de 15 mil habitantes no Vale do Jequitinhonha, já sabem quem será o próximo prefeito. O advogado e ex-procurador do município João Bosco Versiani Gusmão (PP), de 37 anos, é o único candidato nesta eleição. Sem concorrente, será eleito mesmo que receba só um voto.
Há 117 cidades nesta situação, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2016, 97 cidades tiveram candidaturas únicas. Em 2012, 106, de acordo com o TSE. “Os eleitores reclamam que a eleição ficou sem graça. Eu não reclamo. Prefiro mil vezes assim que uma disputa acirrada”, disse Gusmão.
Ao menos 70 desses municípios têm menos de 5 mil habitantes. Vários motivos explicam o fenômeno. Em Itinga, a candidatura de Gusmão reuniu cinco partidos. Além de acordos políticos locais, candidatos que reclamam de falta de recursos para montar candidaturas de oposição também ajudam a explicar a falta de concorrência. A maior parte dos casos está no Rio Grande do Sul, onde não haverá disputa em 34 cidades.
Uma delas é Morro Reuter (RS), com 6,5 mil habitantes, origens germânicas e economia agrícola. Professora de Matemática, a prefeita Carla Chamorro (PTB) não precisa fazer campanha, mas diz que vai visitar todas as 2,4 mil residências da cidade, a fim de entregar um livreto com os resultados da atual gestão, além dos projetos para os próximos quatro anos.
“Minha responsabilidade redobrou, pois sou apenas eu. Não posso me acomodar”, afirmou a prefeita, eleita em 2016 com 71% dos votos. Para explicar sua popularidade, Carla diz que fez um café regado a “cuca alemã” para os moradores durante o primeiro sábado de cada mês. Mas teve que suspender os encontros durante a pandemia. Os moradores podem achá-la pelo telefone celular.
“Se tivesse outro candidato, só iria atrapalhar”, disse o comerciante Paulo Maciel. Em um dia de muita chuva na cidade, anteontem, a reportagem não encontrou nenhum crítico à prefeita.
Nos municípios de Doutor Mauricio Cardoso (RS) e de Mato Queimado (RS) esta será a quarta eleição seguida em que haverá uma única opção na urna.
“Falar que fazer candidatura única é fácil, não é não”, disse o atual vice-prefeito de Boraceia, Valdir de Souza Melo (PSDB). Mais conhecido como Di Picapau, ele está sozinho na eleição para a prefeitura da cidade com 4.868 habitantes no interior paulista.
Di Picapau recorre ao autoelogio para dar sua versão de por qual motivo nenhum outro candidato se arriscou na disputa. “A própria população quis que a gente ficasse. Os cinco candidatos a vereador do partido da oposição (PTB) vieram falar para mim que estão comigo também”, afirmou.
Riscos. Para a cientista política Ariane Roder, professora no Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), desconfiança e desmotivação em relação à política são alguns dos fatores que levam às candidaturas únicas. “Não há propostas a se escolher e se contrapor, não há alternativa do que está sendo proposto, podendo inclusive levar a propostas mais extremadas, com menos diálogo”, disse ela, que aponta ainda dificuldade de financiamento e de mobilização para uma campanha em meio à pandemia do coronavírus como fatores que desestimulam a competição nessas 117 cidades.
A cientista política Lara Mesquita, do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepesp-FGV), ressalta a atuação das elites locais em cidades pequenas.
“Todos concordam com um mesmo candidato como apontam uma fila. Nessa eleição quem indica o candidato é o grupo ou partido A, na seguinte o B e assim sucessivamente ”, afirmou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.