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Luiz Flávio Gomes: o risco da “operação abafa”

O jurista Luiz Flávio Gomes foi promotor, juiz e, em 2000, fundou a rede LFG de cursos online preparatórios para concursos. Em 2008, vendeu a LFG à Anhanguera Educação por 180 milhões de reais e, desde então, se dedica ao Instituto Avante Brasil, ONG de pesquisa focada em políticas públicas. Hoje, sua fixação é com […]

LUIZ FLÁVIO GOMES: “houve excessos do Moro e ele admitiu” /

LUIZ FLÁVIO GOMES: “houve excessos do Moro e ele admitiu” /

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Da Redação

Publicado em 21 de abril de 2016 às 15h56.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h33.

O jurista Luiz Flávio Gomes foi promotor, juiz e, em 2000, fundou a rede LFG de cursos online preparatórios para concursos. Em 2008, vendeu a LFG à Anhanguera Educação por 180 milhões de reais e, desde então, se dedica ao Instituto Avante Brasil, ONG de pesquisa focada em políticas públicas. Hoje, sua fixação é com os rumos da Operação Lava-Jato. Gomes se mostra preocupado com as possibilidades de a mais importante ação anticorrupção do país terminar da mesma forma que a operação Mãos Limpas, na Itália, e não cumprir seu principal papel: punir as elites políticas e econômicas que mais ganham com a corrupção.

A corrupção, obviamente, é um mau histórico no Brasil. Qual a importância da Lava-Jato no seu combate?
Se considerarmos que a corrupção tem efeitos no crescimento econômico e na geração de pobreza, a Lava-Jato está tocando no ponto central, que é a corrupção, que gera todos esses efeitos maléficos. Toca em corruptores e corrompidos no alto nível da sociedade. A Lava-Jato é água e vinho no Brasil. Pela primeira vez, conseguiu pegar de forma sistemática uma corrupção que sempre ficou escondida. Todo mundo sabia que existia, mas não se sabia a dimensão nem os atores envolvidos. É isso que está desvendando. É uma revolução desarmada, que rompe com uma tradição de 500 anos no Brasil de preservação das castas, com conivência do Judiciário.

Fala-se com uma frequência crescente no Congresso sobre uma operação “abafa tudo”. Ela tem chance de vingar?
É um movimento para voltar a velha omertà [a lei silêncio da máfia]. A ideia é não deixar as investigações avançarem mais, sobretudo por causa das planilhas da Odebrecht, que assustaram todo mundo. Antes delas, todos os ventos sopravam para o PT e seus aliados. Todos foram favoráveis. Mas, nas planilhas, todos os segmentos do Brasil estão indicados: direita e esquerda. Então, como a direita está em vias de assumir o poder, com o PMDB – não interessa mais a Lava-Jato, porque pega todo mundo.

A opinião pública é um dos principais instrumentos da Lava-Jato. Recentemente, o juiz Sérgio Moro tem sido criticado em diversas frentes. Ele se excedeu?
Houve excessos do Moro e ele admitiu, em Chicago. Errou na condução coercitiva do ponto de vista técnico-jurídico. Nesse sentido, ele errou frente ao Lula e erra frente a todos que manda conduzir coercitivamente que não intima previamente. Do ponto de vista jurídico, errou ao divulgar todos os conteúdos das interceptações telefônicas do Lula. Politicamente ele pode ter acertado. Mas o Moro não é político, sua função é técnica. Teremos que ver as consequências desses erros. Se vão anular alguma prova ou não. Sem falar na fase primeira da Lava-Jato, na qual existem problemas jurídicos que a defesa explorará.

Quais os problemas dessa parte da investigação? A defesa pode se aproveitar disso?
Quando se faz uma investigação e parte do processo viola a lei, acontece como a Operação Satiaghara, que condenou o banqueiro Daniel Dantas e, no final, foi tudo anulado por violação da lei. Quando viola a lei, não vale. Moro decretou interceptação telefônica de advogado: não pode. Investigou o deputado federal José Janene: não pode. Determinou medidas investigativas que não envolviam o Ministério Público, ou seja, assumiu o papel de investigador. Tudo vai ser questionado daqui para frente. Os advogados estavam tendo uma dificuldade imensa de conseguir teses boas para afetar a Lava-Jato. Agora, têm um mar de argumentações e precedentes dos tribunais para colocar em xeque parte da operação.

O Supremo, comparado à vara de Sérgio Moro, é muito mais lento. Depois de dois anos do início da operação, há, hoje, um réu no STF. A Corte conseguirá julgar essa quantidade de processos da Lava-Jato?
Não consegue em menos de 5 a 10 anos. São cerca de 40 investigações contra políticos. Até agora, o Supremo só recebeu uma denúncia, contra o Eduardo Cunha. Não conseguiu receber nem a denúncia contra o Renan Calheiros, que está lá há 1.200 dias. O Supremo passa por um momento de protagonismo, mas no final pode ser uma fonte de grandes frustrações. Já existe uma desconfiança imensa dos ministros, que foram nomeados pelo PT. A própria legislação é confusa, difícil e depende de interpretações. E falta estrutura física mesmo. Estamos falando de 40 nomes agora. Se você pegar os nomes da Odebrecht, o Delcídio delatou 74 pessoas… Se tudo se converter em inquéritos, acabou o Supremo. Vai ficar 10 anos só julgando Lava-Jato.

Por que o Supremo está demorando tanto para julgar a ação do afastamento de Cunha?
Ninguém entende porque o STF está se mostrando tão leniente com o Eduardo Cunha. O ex-primeiro-ministro da Islândia teve sua conta revelada no Panama Papers no domingo e na terça-feira ele já estava fora. O mundo civilizado é isso. O STF faz coisas espetaculares, como alguns posicionamentos nos últimos anos, mas tem algumas coisas que não dá para entender. Faz quase um ano que já sabemos das contas bancárias dele. O Supremo não pode cassá-lo, mas pode afastá-lo da presidência. Tem instrumentos jurídicos e já recebeu denúncia contra ele. Estão deixando uma raposa tomar conta de um galinheiro.

Hoje, há mais de 200 projetos no Congresso que tentam mudar a legislação sobre corrupção. Qual o risco disso?
Assim se matou a Mãos Limpas, na Itália, aprovando leis de diminuição e facilitação da prescrição, leis de anistia e diminuição de pena. Já aprovaram uma lei, de repatriação de recursos do exterior. É uma lavanderia oficial de dinheiro. Ou seja, gente corrupta que pegou dinheiro e levou para fora do Brasil agora vai regularizar tudo pagando um imposto baixíssimo. Também temos a medida provisória que trata dos acordos de leniência, que revogou vários artigos da lei anticorrupção para facilitar a continuidade da contratação de obras por empresas envolvidas na Lava-Jato.

(Luciano Pádua)

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