Pesquisa do Ipea dizia que 65% dos brasileiros concordavam que mulheres que mostram o corpo merecem ser atacadas. Na verdade, 70% da população é contra (Wikicommons)
Da Redação
Publicado em 4 de abril de 2014 às 19h22.
São Paulo - O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou nota hoje em que faz uma errata à pesquisa “Tolerância social à violência contra as mulheres”, que causou polêmica na semana passada. O número de maior repercussão mostrava que 65% dos brasileiros concordavam com a afirmação "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Na verdade, o número é 26%.
Compare a forma como os brasileiros de fato responderam à questão e, em seguida, como ela foi publicada na semana passada:
Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas (em %)
Correto
Discorda totalmente | Discorda parcialmente | Neutro | Concorda parcialmente | Concorda totalmente |
---|---|---|---|---|
58,4% | 11,6% | 3,4% | 12,8% | 13,2% |
Como foi publicado
Discorda totalmente | Discorda parcialmente | Neutro | Concorda parcialmente | Concorda totalmente |
---|---|---|---|---|
24% | 8,4% | 1,9% | 22,4% | 42,7% |
Como pode ser visto, 70% dos brasileiros discordam parcial ou totalmente desta frase, número ainda maior que os supostos 65% que teriam respondido que concordavam, na última semana.
A confusão foi gerada, segundo o Ipea, pela troca entre as respostas de duas perguntas.
O diretor da área de Estudos e Políticas Sociais, Rafael Osório, pediu exoneração do cargo após o erro ter sido percebido.
Nos últimos dias, a pesquisa já estava sendo alvo de contestação. Especialistas apontavam que as respostas eram contraditórias. (veja os argumentos)
É questionado ainda o fato de 66% dos entrevistados na pesquisa serem mulheres, enquanto elas representam 51% da população brasileira.
O instituto defende que as conclusões gerais do estudo permanecem válidas.
"Os demais resultados se mantêm, como a concordância de 58,5% dos entrevistados com a ideia de que se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros. As conclusões gerais da pesquisa continuam válidas, ensejando o aprofundamento das reflexões e debates da sociedade sobre seus preconceitos", defende o Ipea.
Implicações
A rigor, a publicação da errata não traz grandes consequências práticas, já que se trata de uma pesquisa de opinião. No entanto, é imprevisível que efeitos pode ter sobre a percepção nacional, dada a dimensão que o levantamento atingiu na última semana.
O erro, por exemplo, afetou a imagem do Brasil no exterior: jornais e revistas das maiores economias do planeta repercutiram a informação, que ficou tachada como símbolo do grande machismo da sociedade brasileira.
A presidente Dilma Rousseff se manifestou no Twitter, dizendo que a “pesquisa do Ipea mostrou que a sociedade brasileira ainda tem muito o que avançar no combate à violência contra a mulher".
Já a jornalista Nana Queiroz, de Brasília, começou a campanha #naomereçoserestuprada, em que mulheres tiraram fotos, normalmente tampando os seios, com a frase titulo do movimento. Foram milhares de adesões nas redes sociais.
Veja a nota do Ipea na íntegra:
"Vimos a público pedir desculpas e corrigir dois erros nos resultados de nossa pesquisa Tolerância social à violência contra as mulheres, divulgada em 27/03/2014. O erro relevante foi causado pela troca dos gráficos relativos aos percentuais das respostas às frases Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar e Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas. Entre os 3.810 entrevistados, os percentuais corretos destas duas questões são os seguintes:
Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar (Em %)
Discorda totalmente | Discorda parcialmente | Neutro | Concorda parcialmente | Concorda totalmente |
---|---|---|---|---|
24 | 8,4 | 1,9 | 22,4 | 42,7 |
Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas (Em %)
Discorda totalmente | Discorda parcialmente | Neutro | Concorda parcialmente | Concorda totalmente |
---|---|---|---|---|
58,4 | 11,6 | 3,4 | 12,8 | 13,2 |
Corrigida a troca, constata-se que a concordância parcial ou total foi bem maior com a primeira frase (65%) e bem menor com a segunda (26%). Com a inversão de resultados entre as duas questões, relatamos equivocadamente, na semana passada, resultados extremos para a concordância com a segunda frase, que, justamente por seu valor inesperado, recebeu maior destaque nos meios de comunicação e motivou amplas manifestações e debates na sociedade ao longo dos últimos dias.
O outro par de questões cujos resultados foram invertidos refere-se a frases de sentido mais próximo, com percentuais de concordância mais semelhantes e que não geraram tanta surpresa, nem tiveram a mesma repercussão. Desfeita a troca, os resultados corretos são os que seguem. Apresentados à frase O que acontece com o casal em casa não interessa aos outros, 13,1% dos entrevistados discordaram totalmente, 5,9% discordaram parcialmente, 1,9% ficou neutro (não concordou nem discordou), 31,5% concordaram parcialmente e 47,2% concordaram totalmente. Diante da sentença Em briga de marido e mulher, não se mete a colher, 11,1% discordaram totalmente, 5,3% discordaram parcialmente, 1,4% ficaram neutros, 23,5% concordaram parcialmente e 58,4% concordaram totalmente.
A correção da inversão dos números entre duas das 41 questões da pesquisa enfatizadas acima reduz a dimensão do problema anteriormente diagnosticado no item que mais despertou a atenção da opinião pública. Contudo, os demais resultados se mantêm, como a concordância de 58,5% dos entrevistados com a ideia de que se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros. As conclusões gerais da pesquisa continuam válidas, ensejando o aprofundamento das reflexões e debates da sociedade sobre seus preconceitos. Pedimos desculpas novamente pelos transtornos causados e registramos nossa solidariedade a todos os que se sensibilizaram contra a violência e o preconceito e em defesa da liberdade e da segurança das mulheres.
Rafael Guerreiro Osorio* e Natália Fontoura
Pesquisadores da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc/Ipea) e autores do estudo
* O diretor de Estudos e Políticas Sociais do Ipea pediu sua exoneração assim que o erro foi detectado."