Zika: no primeiro momento, o que a ONU tentou calcular é o impacto imediato do atual surto (Jose Cabezas/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 6 de abril de 2017 às 16h55.
O vírus zika poderá custar à economia brasileira até US$ 4,7 bilhões no curto prazo e chegaria, no pior dos cenários, a ter um impacto de US$ 11,6 bilhões (R$ 36 bilhões) ao longo dos próximos anos, aprofundando a pobreza em comunidades mais afetadas pela epidemia.
O alerta foi publicado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Federação Internacional da Cruz Vermelha, em um levantamento inédito sobre as consequências econômicas do surto do vírus e sua ameaça para o combate à desigualdade social.
Para determinar os custos, as entidades avaliaram o impacto nos sistemas de saúde, em programas de ajuda a crianças, na receita de regiões com o turismo, no impacto com gastos para a prevenção diagnóstico, perda de produtividade dos trabalhadores, o esforço de impedir a proliferação do mosquito e o custo de cuidar de uma geração de crianças com microcefalia.
As estimativas apontam que, para cada criança com microcefalia nascida no Brasil, o custo seja de US$ 890 mil ao longo de sua vida, entre gastos médicos e apoio social. No caso de pessoas afetadas pela Síndrome de Guillan-Barré, o impacto será de US$ 222 mil.
No primeiro momento, o que a ONU tentou calcular é o impacto imediato do atual surto. Algumas estimativas apresentadas no documento acreditam que, em média, 60 milhões de pessoas possam ser afetadas entre 2015 e o final de 2017 pelo vírus em todo o mundo. Mas a OMS estima que existam neste início de ano 4 milhões de pessoas afetadas na América Latina.
Para tentar desenhar seu mapa econômico, a ONU apresentou três cenários sobre a dimensão do surto entre 2015 e 2017. No primeiro, a previsão era de que o ritmo de transmissão do vírus fosse mantido inalterado nesses três anos. Neste caso, o custo para a economia brasileira até o final do ano será de US$ 960 milhões.
Em um segundo cenário, a ONU estima que 20% da população possa estar afetada. A conta para o Brasil, portanto, aumentaria para US$ 1,6 bilhão.
Finalmente, em um terceiro cenário, 73% da população seria contaminada em um curto prazo. Neste caso, o impacto econômico para o Brasil seria de US$ 4,6 bilhões.
Futuro
Mas esse é apenas o custo nos três primeiros anos da doença. Para a ONU e a Cruz Vermelha, o real desafio será o futuro de comunidades e regiões diante da perspectiva de que a epidemia se torne algo recorrente.
Com base nesses três cenários, a ONU estima o impacto ainda do zika ao longo dos anos para os países afetados. Uma vez mais, o Brasil é o que mais sentiria uma consequência econômica.
No cenário mais favorável, o custo para o País no longo prazo seria de US$ 2,7 bilhões. No cenário "médio", a conta subiria para US$ 4,4 bilhões, contra US$ 11,7 bilhões no cenário de maior risco.
Neste último caso, o custo do vírus zika para toda a América Latina ao longo de anos poderia chegar a US$ 29 bilhões.
Para a ONU, o maior risco é o de reverter ganhos sociais obtidos nos últimos anos. Os dados mostram que o impacto da doença tem sido maior que os programas de apoio que existiam nas regiões para lidar com a pobreza, como o Bolsa Família.
"No Brasil, os custos indiretos da microcefalia foram estimados em US$ 1,7 mil por mês, seis vezes o valor do benefício adicionado ao Bolsa Família para mães com crianças com microcefalia", alertou.
O temor é de que grande parte desses custos sejam arcados pelas famílias, criando "um enorme peso financeiro, que os poderia empurrar ainda mais para a pobreza".
"Milhões na região estão sob o risco de serem jogados de volta para baixo da linha da pobreza", alertam as entidades.
Saúde
Outro alerta do estudo se refere aos sistemas de saúde do Brasil e do restante da América Latina. Para a ONU, o vírus "expôs" as falhas dos sistemas, mostrou suas desigualdades e atendimento inadequado às crianças com microcefalia.
Um dos exemplos usados é a questão do real impacto da recomendação usada para adiar a gravidez em algumas regiões. "Em Pernambuco, a taxa de nascimento caiu em 7% em 2016", indicou. "Mas, nas clínicas provadas que prestam serviços para clientes mais ricos, a queda foi de 45%."
Para a entidade, alta frequência de violência sexual, gravidez não planejada e acesso desigual aos serviços sobre saúde reprodutiva, além de "obstáculos religiosos", impedem que tal mensagem seja de fato aplicada por parte da população.
De uma forma geral, a ONU estima que a América Latina deva esperar uma conta de US$ 18 bilhões ao longo do período entre 2015 e 2017 por causa da zika e que o risco de uma repercussão social é real.
"A epidemia terá um impacto de longo prazo, afetando de forma desproporcional as comunidades mais pobres e podendo contribuir para ampliar a desigualdade na região", alertou a entidade.
Os cálculos apontam que um aumento de 5% na taxa de infecção custaria ao continente em média US$ 1 bilhão por ano. "Diante das incertezas relacionadas à proliferação do vírus e das condições médicas associadas a ele, o informe conclui que a epidemia terá um impacto significativo", indicou.
"Além de perdas tangíveis para o PIB (Produto Interno Bruto) e para economias dependentes de turismo, haverá ainda uma pressão sobre os sistemas de saúde e o vírus pode, no longo prazo, ameaçar décadas de desenvolvimento social e ganhos no setor da saúde", indicou Jessica Faieta, diretora do Programa da ONU para o Desenvolvimento para a América Latina.
"Zika afeta de forma desproporcional os países mais pobres da região, assim como os grupos mais vulneráveis em cada país."
Se o Brasil é o país que terá a conta mais pesada, serão as economias caribenhas as que vão enfrentar um impacto maior, em comparação aos seus PIBs.
Em média, essas regiões teriam consequências econômicas cinco vezes superiores às da América Latina, com 80% dos custos relacionados a perdas com o turismo.
Belize e Haiti, por exemplo, poderiam perder até 1,1% de seus PIBs.
Em um esforço de reverter essas perdas, a ONU sugere que estratégias de resposta a vírus sejam fortalecidas e que o controle do mosquito vetor da doença, Aedes aegypti, seja integrado em um plano nacional.
"Lidar com essa proliferação pode prevenir não apenas zika, mas outras epidemias", disse.