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Hartmann, da FGV: o STF não dá conta

Camila Almeida A lista do ministro Edson Fachin, com base em investigações da Procuradoria-Geral da República, gerou a abertura de 83 inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), para atender aos casos de quem tem foro privilegiado. Ao todo, 108 políticos e autoridades foram citados nas investigações e 98 já estão com inquérito aberto. A maioria é […]

HARTMANN, DA FGV: apenas 1% dos réus com foro são condenados / Divulgação

HARTMANN, DA FGV: apenas 1% dos réus com foro são condenados / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 12 de abril de 2017 às 14h11.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h34.

Camila Almeida

A lista do ministro Edson Fachin, com base em investigações da Procuradoria-Geral da República, gerou a abertura de 83 inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), para atender aos casos de quem tem foro privilegiado. Ao todo, 108 políticos e autoridades foram citados nas investigações e 98 já estão com inquérito aberto. A maioria é acusada pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva e falsidade ideológica eleitoral – o caixa dois.

A demanda é grande e, para o especialista em direito público Ivar Hartmann, professor da FGV no Rio de Janeiro e coordenador do projeto “Supremo em Números”, é inviável que o STF dê conta de julgar todos os processos. E não só porque o número de inquéritos é alto, mas também porque o Supremo já não tem dado a atenção devida ou mesmo prioridade aos casos do foro privilegiado.

Como o STF vai dar conta de atender todos os inquéritos que foram abertos?
O Supremo não vai dar conta de julgar os inquéritos de foro privilegiado. Restam duas opções: ou o tribunal prioriza esses casos e deixa de trabalhar em outras coisas importantes, ou não prioriza – e esses processos vão demorar muito tempo para serem julgados. Aí, o que acontece é que esses casos prescrevem ou acabam passando para outra instância, porque o investigado já não tem mais mandato e perde o foro. 

As duas opções parecem ruins…
Sim. A terceira opção seria alterar as regras do foro, colocando em pauta a ação do ministro Luís Roberto Barroso [que discute uma restrição do foro para deputados federais e senadores]. Ele já pediu a pauta há mais de um mês, mas depende da ministra Cármen Lúcia colocar o assunto em votação. Porque ela não quer, eu não sei. Seria interessante perguntar para ela.

Por muito tempo se discutiu a questão do foro privilegiado pelo viés político, discutindo o quanto o foro servia de blindagem. Vendo que o STF não tem como dar conta dos casos, fica claro, agora, que o foro privilegiado é inviável?
Uma coisa é a opinião individual sobre a importância do foro, outra coisa é a realidade constatada. Pela primeira vez, há um estudo científico provando que o foro não funciona [o estudo, publicado em fevereiro deste ano, verificou que apenas 1% dos réus com foro são condenados]. Temos dados reais sobre a impossibilidade de esses casos terem andamento no Supremo. Basicamente, nas ações penais, de cada dez crimes que chegaram ao Supremo nos últimos dez anos, nove foram enviados para uma instância inferior. Acontece com os inquéritos também. E, dentre os crimes que o STF efetivamente julga nas ações penais, metade prescreve.

Por que o sistema não tem funcionado?
Os dados mostram apenas que não funcionam. Por que isso acontece é outra. Mas eu posso te dar a minha opinião: primeiro, porque o Supremo faz questão, há vários anos, de se manter com uma carga de processos extremamente alta. Sempre que tem a oportunidade, o STF aumenta a quantidade de processos, recursos e habeas corpus que deseja receber. Segundo, porque o tribunal não está aparelhado com uma configuração ideal para analisar provas em primeira instância. Ele é capacitado para analisar teses jurídicas, e não provas. Terceiro, porque não há vontade política dos ministros para priorizar o foro em vez de outras pautas e, assim, permitir uma tramitação rápida.

Com a indicação do ministro Alexandre de Moraes para o Supremo, levantaram-se muitas dúvidas sobre a capacidade da instituição de julgar casos políticos. Isso é de fato um problema?
A indicação do ministro Alexandre de Moraes não coloca em dúvida a idoneidade do tribunal. O problema é que não há qualquer limite para a atuação individual dos ministros. Não há controle sobre o que um ministro do STF pode fazer. Ele tem muito mais poder do que qualquer deputado ou senador. Pode suspender a nomeação de um ministro do executivo, pode mandar o Congresso votar de novo um projeto de lei, pode criar despesas de bilhões de reais para os cofres públicos com uma liminar monocrática. Não há limite. E já que um ministro, sozinho, pode tanta coisa, é muito vantajoso nomeá-lo com intenções políticas.

Como se pode alterar essa lógica de funcionamento do Supremo?
Os ministros não deveriam poder, por exemplo, tomar decisões individuais. Deveria ser proibido impedir a continuidade de um julgamento como eles fazem num pedido de vista. Eu não conheço nenhuma outra suprema corte no mundo em que os membros têm tanto poder judicial. A grande maioria dos tribunais tem um limite de dois ou três anos para julgar um caso. Aqui, pode demorar até 20 anos. As regras do processo podem ser alteradas pelo Congresso – que pode definir o que acontece se o ministro não devolve o pedido de vista no prazo, por exemplo. E é claro que o próprio tribunal poderia optar por um novo regimento, mas não temos visto nenhum movimento nessa direção.

É de se esperar que os casos que estão na Justiça comum, como o do ex-presidente Lula, por exemplo, tenham melhor andamento?
Não dá para saber, porque não existe estudo que mostre o tempo de tramitação e a taxa de condenação na primeira instância nas justiças Federal e Estadual no Brasil. Especialmente, em relação aos tipos de crime que são estudados no foro. Mas uma diferença é clara: os juízes da primeira instância têm experiência e atuação diária na questão criminal. Não é o caso do Supremo.

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